A proposta de boicote às Havaianas feita pelo senador Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG) colocou a tradicional marca brasileira de sandálias no centro de um novo embate político e cultural, às vésperas de um ano eleitoral decisivo. A controvérsia teve origem em uma campanha publicitária estrelada pela atriz Fernanda Torres, veiculada nas redes sociais, que rapidamente extrapolou o campo do marketing e passou a ser interpretada por setores da direita como uma mensagem política subliminar.
O episódio revela não apenas o grau de polarização que marca o debate público no Brasil, mas também a crescente dificuldade de grandes marcas em navegar em um ambiente em que publicidade, posicionamento simbólico e disputas ideológicas se misturam. O boicote às Havaianas, defendido pelo senador mineiro, reacende discussões sobre liberdade de expressão, consumo consciente, ativismo político e os riscos reputacionais enfrentados por empresas em contextos de alta tensão política.
A origem da polêmica envolvendo as Havaianas
O estopim da controvérsia foi um comercial protagonizado por Fernanda Torres, atriz reconhecida nacionalmente e com histórico de posicionamentos críticos a pautas associadas à direita. Na peça publicitária, a atriz faz um discurso motivacional de Ano Novo, sugerindo que os brasileiros não comecem “2026 com o pé direito”, mas com “os dois pés”, em referência a uma postura mais ativa diante da vida.
A mensagem, construída em tom metafórico, foi interpretada pelo senador Cleitinho Azevedo como uma alusão direta ao cenário político de 2026, ano em que o Brasil realizará eleições gerais. Para o parlamentar, a expressão “não começar com o pé direito” teria um significado simbólico direcionado contra a eleição de políticos de direita, o que justificaria, em sua avaliação, um boicote às Havaianas por parte de eleitores conservadores.
A leitura política do senador Cleitinho Azevedo
Em vídeo divulgado em suas redes sociais, o senador afirmou que a campanha não pode ser vista apenas como uma ação publicitária neutra. Segundo ele, o contexto eleitoral e a escolha da atriz como protagonista reforçariam a intenção política da mensagem. Na avaliação do parlamentar, a marca teria feito uma comunicação direcionada, explorando metáforas para influenciar o debate público de forma indireta.
Cleitinho argumenta que o país vive um ambiente extremamente polarizado e que, nesse cenário, campanhas publicitárias ganham peso político, mesmo quando não fazem menção explícita a partidos ou candidatos. Para ele, o boicote às Havaianas seria uma resposta legítima de consumidores que se identificam com a direita e se sentem desrespeitados pela mensagem transmitida.
“Quem lacra não lucra”: discurso recorrente
Ao defender o boicote às Havaianas, o senador retomou uma frase que se tornou comum em discursos críticos ao ativismo corporativo: “quem lacra não lucra”. A expressão é frequentemente usada para acusar empresas de adotarem pautas ideológicas em detrimento de seus consumidores tradicionais, assumindo riscos comerciais desnecessários.
Esse tipo de narrativa vem ganhando força em debates públicos, especialmente nas redes sociais, onde campanhas de boicote são organizadas de forma rápida e descentralizada. No caso das Havaianas, a proposta do senador não se limita a uma crítica isolada, mas busca mobilizar uma base política específica, incentivando consumidores a rejeitarem a marca como forma de protesto.
Polarização política e consumo como ferramenta de protesto
O episódio do boicote às Havaianas se insere em um fenômeno mais amplo: a politização do consumo. Nos últimos anos, decisões de compra passaram a ser usadas como instrumento de manifestação ideológica, tanto à direita quanto à esquerda. Marcas são cobradas por posicionamentos explícitos ou, como neste caso, por mensagens interpretadas como simbólicas.
Esse movimento transforma produtos cotidianos em alvos de disputas políticas, ampliando o alcance do debate para além do campo institucional. Sandálias, roupas, alimentos e serviços passam a carregar significados que extrapolam sua função original, refletindo valores, crenças e alinhamentos ideológicos de consumidores e empresas.
O papel das celebridades em campanhas publicitárias
A escolha de Fernanda Torres como rosto da campanha também contribuiu para a repercussão do boicote às Havaianas. Celebridades carregam consigo não apenas reconhecimento artístico, mas também posicionamentos públicos que influenciam a forma como campanhas são interpretadas.
No caso específico, críticos apontam que a atriz é declaradamente contrária a pautas da direita, o que, na visão do senador e de seus apoiadores, reforçaria a tese de que a campanha teria um viés político. Para defensores da liberdade artística e da autonomia das marcas, no entanto, a interpretação seria exagerada e desproporcional.
Riscos reputacionais para grandes marcas
A reação ao comercial expõe os desafios enfrentados por marcas consolidadas em um ambiente de alta polarização. O boicote às Havaianas levanta questionamentos sobre até que ponto empresas devem se posicionar — ou evitar qualquer ambiguidade — em suas campanhas.
Mesmo mensagens genéricas de motivação podem ser reinterpretadas politicamente, gerando crises de imagem inesperadas. Nesse contexto, departamentos de marketing e comunicação são pressionados a avaliar não apenas o impacto criativo de uma campanha, mas também suas possíveis leituras ideológicas.
Liberdade de expressão versus interpretação política
Um dos pontos centrais do debate em torno do boicote às Havaianas é o limite entre liberdade de expressão e interpretação política. A campanha não menciona partidos, candidatos ou ideologias de forma explícita, mas foi lida como uma mensagem codificada por parte do público.
Essa dinâmica evidencia como metáforas e símbolos podem assumir significados distintos conforme o contexto social e político. Em um país polarizado, até expressões populares, como “pé direito”, podem ser resignificadas e transformadas em objeto de disputa.
Impacto econômico de boicotes no Brasil
Historicamente, campanhas de boicote no Brasil têm resultados variados. Em alguns casos, o impacto econômico é limitado e concentrado no curto prazo. Em outros, a repercussão afeta a reputação da marca de forma mais duradoura, exigindo reposicionamento estratégico.
O boicote às Havaianas ainda é incipiente, mas chama atenção pelo simbolismo. A marca é uma das mais reconhecidas do país, com forte apelo popular e presença internacional. Qualquer movimento organizado contra ela tende a ganhar visibilidade, independentemente de seus efeitos financeiros concretos.
O cenário eleitoral de 2026 como pano de fundo
A proximidade do calendário eleitoral adiciona uma camada extra de tensão ao episódio. Para o senador Cleitinho, o boicote às Havaianas é também um alerta sobre o que ele vê como tentativas de interferência cultural no processo político.
O discurso reforça a ideia de que a disputa eleitoral não se dá apenas nas urnas, mas também no campo simbólico, envolvendo mídia, publicidade e cultura pop. Nesse contexto, marcas passam a ser vistas como atores políticos, mesmo quando não assumem esse papel de forma explícita.
Reações e debate público
A proposta de boicote às Havaianas gerou reações divergentes. Enquanto apoiadores do senador defendem a iniciativa como um ato de coerência ideológica, críticos classificam a atitude como exagerada e prejudicial ao debate democrático.
O episódio amplia o debate sobre até que ponto campanhas publicitárias devem ser analisadas sob uma lente política e se a interpretação subjetiva de mensagens justifica movimentos organizados de boicote.
Um retrato da sociedade polarizada
Mais do que um conflito pontual, o boicote às Havaianas funciona como um retrato do Brasil contemporâneo, marcado por divisões profundas e pela dificuldade de separar consumo, cultura e política. A controvérsia mostra como símbolos cotidianos podem se transformar em campos de batalha ideológicos.
Independentemente dos desdobramentos comerciais, o caso evidencia que, em anos eleitorais, qualquer mensagem pública tende a ser amplificada e reinterpretada à luz das disputas políticas em curso.






