O episódio em que o deputado federal cassado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) joga um par de sandálias Havaianas no lixo, em vídeo divulgado nas redes sociais, elevou o tom da disputa política em torno da marca e consolidou o boicote às Havaianas como um dos temas mais comentados do debate público às vésperas de 2026. O gesto simbólico não surgiu de forma isolada, mas como parte de um movimento mais amplo, impulsionado por lideranças da direita, que enxergam na mais recente campanha publicitária da empresa uma mensagem política subliminar contrária a valores conservadores.
A controvérsia tem como pano de fundo uma campanha estrelada pela atriz Fernanda Torres, na qual ela convida os brasileiros a não começarem o novo ano “com o pé direito”, mas “com os dois pés”. A metáfora, apresentada como uma mensagem de atitude e protagonismo pessoal, foi reinterpretada por políticos conservadores como um recado indireto ao cenário eleitoral de 2026. A partir dessa leitura, o boicote às Havaianas ganhou força nas redes sociais, misturando consumo, ideologia e identidade nacional.
O gesto de Eduardo Bolsonaro e seu simbolismo político
No vídeo que viralizou, Eduardo Bolsonaro aparece descartando as sandálias no lixo enquanto critica duramente a decisão da marca de associar sua imagem a uma atriz identificada com posições de esquerda. Para ele, a Havaianas teria se afastado de sua essência histórica ao abandonar a neutralidade e se alinhar, ainda que de forma indireta, a um campo político específico.
O parlamentar afirmou que sempre enxergou a sandália como um símbolo do Brasil, associado à informalidade, à cultura popular e à identidade nacional. Segundo ele, essa imagem teria sido “quebrada” pela campanha atual, o que justificaria sua adesão ao boicote às Havaianas. O ato de jogar o produto no lixo, embora simples, foi interpretado como um protesto performático, pensado para gerar repercussão e engajamento digital.
A leitura ideológica da campanha publicitária
O ponto central da crítica feita por Eduardo Bolsonaro e outros líderes conservadores está na interpretação do slogan da campanha. A frase “não comece o ano com o pé direito” foi vista como uma metáfora política, especialmente por fazer referência a 2026, ano de eleições presidenciais. Para esses críticos, em um país profundamente polarizado, expressões simbólicas não podem ser analisadas fora do contexto político.
Essa interpretação alimentou o boicote às Havaianas, ao reforçar a percepção de que a marca teria adotado um posicionamento ideológico disfarçado de publicidade. Mesmo sem menções explícitas a partidos ou candidatos, a campanha passou a ser tratada como um exemplo de ativismo corporativo, algo rejeitado por parcelas do eleitorado conservador.
A influência do senador Cleitinho Azevedo no movimento
Antes mesmo do vídeo de Eduardo Bolsonaro, o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG) já havia defendido publicamente o boicote às Havaianas. Em declarações nas redes sociais, o parlamentar mineiro acusou a marca de fazer “propaganda subliminar” contra a direita e de explorar o ambiente eleitoral para transmitir mensagens políticas.
Cleitinho argumenta que a escolha de Fernanda Torres como garota-propaganda não foi aleatória, mas estratégica, considerando o histórico de posicionamentos públicos da atriz. Na visão do senador, o conjunto da campanha — slogan, contexto eleitoral e escolha da celebridade — comporia uma narrativa alinhada a valores progressistas, o que justificaria a reação dos consumidores conservadores.
Polarização política e o consumo como arena de disputa
O boicote às Havaianas é mais um exemplo de como o consumo se tornou um campo de batalha ideológico no Brasil. Nos últimos anos, decisões de compra passaram a ser utilizadas como forma de protesto político, tanto à direita quanto à esquerda. Produtos e marcas deixaram de ser apenas bens de consumo para se tornarem símbolos carregados de significado político.
Nesse contexto, o gesto de Eduardo Bolsonaro dialoga com uma estratégia mais ampla de mobilização, na qual líderes políticos incentivam seus apoiadores a expressarem discordância por meio do boicote. A lógica é simples: pressionar economicamente empresas que, na visão desses grupos, ultrapassam a linha da neutralidade política.
A imagem da Havaianas como símbolo nacional
Parte da força do boicote às Havaianas está no valor simbólico da marca. As sandálias são reconhecidas internacionalmente como um ícone do Brasil, associadas à bandeira nacional, ao clima tropical e à cultura popular. Para críticos da campanha, essa associação histórica torna ainda mais sensível qualquer mensagem percebida como politizada.
Eduardo Bolsonaro destacou em seu vídeo que já viu estrangeiros usando Havaianas como demonstração de apreço pelo Brasil. Ao afirmar que essa imagem foi “quebrada”, ele reforça a narrativa de que a marca teria abandonado um símbolo de união nacional para adotar uma postura divisiva.
Liberdade de expressão versus reação do consumidor
O debate em torno do boicote às Havaianas também levanta questões sobre liberdade de expressão. Defensores da campanha argumentam que a publicidade se limita a uma mensagem motivacional e que a interpretação política é subjetiva. Para eles, boicotes baseados em leituras ideológicas seriam exagerados e prejudiciais ao diálogo democrático.
Por outro lado, apoiadores do boicote sustentam que consumidores têm o direito de reagir quando se sentem desrespeitados ou excluídos por mensagens de marcas. Nesse sentido, o boicote seria uma extensão da liberdade de escolha no mercado, não uma censura.
O silêncio da marca e seus efeitos
Até o momento, a Havaianas não se manifestou oficialmente sobre as críticas e sobre o boicote às Havaianas defendido por políticos da direita. O silêncio pode ser interpretado de diferentes formas: como estratégia para evitar ampliar a polêmica ou como dificuldade em responder a um debate altamente polarizado.
Especialistas em comunicação costumam apontar que, em situações assim, qualquer posicionamento pode agradar um lado e afastar outro. A ausência de resposta, portanto, também é uma escolha estratégica, ainda que carregue riscos reputacionais.
Impactos econômicos e reputacionais do boicote
Ainda é cedo para medir os efeitos concretos do boicote às Havaianas sobre vendas e resultados financeiros. Historicamente, boicotes políticos no Brasil tendem a gerar mais repercussão simbólica do que impacto econômico duradouro. No entanto, a visibilidade do caso e o envolvimento de figuras públicas aumentam o potencial de desgaste de imagem.
Mesmo que o impacto financeiro seja limitado, a marca passa a ser associada a um debate político específico, o que pode influenciar decisões futuras de marketing e comunicação.
O ambiente eleitoral como catalisador de conflitos
A proximidade das eleições de 2026 intensifica a leitura política de qualquer mensagem pública. O boicote às Havaianas surge, assim, como um sintoma de um ambiente em que publicidade, cultura e política se entrelaçam de forma quase inevitável.
Para líderes conservadores, a vigilância sobre símbolos culturais e marcas tende a aumentar à medida que o calendário eleitoral avança. Nesse cenário, campanhas publicitárias aparentemente neutras podem se transformar em gatilhos de mobilização política.
Um retrato do Brasil contemporâneo
O episódio envolvendo Eduardo Bolsonaro, Fernanda Torres e a Havaianas vai além de uma simples discordância sobre publicidade. O boicote às Havaianas reflete um Brasil fragmentado, em que símbolos nacionais, consumo e identidade política se misturam de maneira intensa.
Independentemente dos desdobramentos, o caso evidencia que, em tempos de polarização, até um par de sandálias pode se transformar em instrumento de disputa ideológica. O debate não se limita ao marketing, mas alcança questões profundas sobre pertencimento, representação e os limites da atuação das marcas na esfera pública.






