A rápida expansão das tecnologias de Inteligência Artificial (IA) está transformando o cotidiano de diversas maneiras, desde a escrita de textos e produção de imagens até a interpretação de exames médicos. Contudo, o uso desenfreado dessas tecnologias sem regulamentação tem gerado preocupações globais. No Brasil, o Senado Federal formou uma Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial (CTIA) para analisar o Projeto de Lei 2.338/2023, que visa estabelecer diretrizes para a utilização da IA no país. Esta matéria aborda os desafios da regulamentação e o impacto do lobby das grandes empresas de tecnologia, conhecidas como big techs.
O Avanço das Inteligências Artificiais
As IAs são um conjunto de tecnologias que permitem aos computadores reproduzir comportamentos humanos em diversas tarefas. Grandes avanços tecnológicos possibilitaram que IAs escrevam textos, criem imagens, interpretem dados médicos, entre outras atividades. Contudo, o uso desregulamentado dessas tecnologias pode levar a problemas significativos, como desemprego estrutural, aumento da desigualdade digital, discriminação racial através do reconhecimento facial, invasão de privacidade e questões de segurança de dados.
A Influência das Big Techs
As principais inovações em IA estão concentradas nas mãos de algumas das maiores empresas de tecnologia do mundo: Amazon, Apple, Google (Alphabet), Meta (Facebook) e Microsoft. Essas empresas, sediadas majoritariamente nos Estados Unidos, operam sem fronteiras e defendem um modelo de atuação com total liberdade e mínima regulamentação. A tentativa de regular essas tecnologias enfrenta uma forte resistência do lobby das big techs, que procuram moldar a legislação de forma que não interfira em suas operações.
A Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial no Brasil
Em agosto de 2023, o Senado Federal do Brasil criou a Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial (CTIA) para analisar o Projeto de Lei 2.338/2023. O objetivo é estabelecer regras para a implementação, utilização, adoção e governança responsável das IAs no país. No entanto, o lobby das big techs tem sido um obstáculo significativo. O senador Laércio Oliveira (PP-SE) é um dos membros da CTIA e tem sido apontado como um defensor dos interesses dessas empresas.
A Viagem aos Estados Unidos e o Lobby das Big Techs
Em março de 2023, uma delegação de parlamentares brasileiros, incluindo o senador Laércio Oliveira, viajou aos Estados Unidos para discutir a regulamentação da IA. A missão foi organizada pela Frente Parlamentar Mista Pelo Brasil Competitivo e pelo Movimento Brasil Competitivo. Além de Laércio Oliveira, participaram o senador Marcos Pontes (PL-SP) e outros sete deputados federais. A viagem incluiu reuniões com representantes de grandes empresas de tecnologia como Google, Microsoft e Amazon, além de visitas à Casa Branca, ao Departamento de Comércio, ao Departamento de Estado, a universidades e associações norte-americanas.
A Pressão das Big Techs na Regulamentação
Após retornar ao Brasil, o senador Laércio Oliveira apresentou 30 emendas ao Projeto de Lei 2.338/2023, sendo o maior número de propostas dentre os parlamentares. Essas emendas sugerem mudanças significativas no texto do projeto, visando atenuar a regulação sobre as big techs. Por exemplo, a emenda nº 24 de Laércio Oliveira propõe a supressão de trechos relacionados a direitos autorais, permitindo que IAs sejam treinadas com dados sem o consentimento dos desenvolvedores originais.
O relator do projeto, senador Eduardo Gomes (PL-TO), interpretou a apresentação massiva de emendas como uma estratégia defensiva para atrasar a votação. As emendas dos senadores Laércio Oliveira e Marcos Pontes, muitas vezes idênticas, sugerem uma tentativa coordenada de enfraquecer a regulamentação. A proposta de modificar o primeiro artigo do projeto, excluindo a regulação sobre o desenvolvimento e concepção da tecnologia, exemplifica essa tática.
Especialistas apontam várias críticas à adoção desregulamentada da IA. A produção do desemprego estrutural é uma das principais preocupações, já que muitas funções desempenhadas por humanos podem ser substituídas por máquinas. Além disso, o uso de reconhecimento facial pode ampliar a discriminação racial, e a falta de controle sobre a privacidade e segurança de dados pode gerar problemas graves de direito autoral e invasão de privacidade.
O Papel da Sociedade Civil e da Mídia
Organizações de checagem de fatos e investigação jornalística, como o Aos Fatos, têm desempenhado um papel crucial na exposição das influências e interesses por trás das emendas e das tentativas de desregulamentação. A cobertura detalhada de viagens e reuniões dos parlamentares com representantes das big techs ajuda a manter a transparência e a informar o público sobre os riscos e benefícios da regulamentação da IA.
A regulamentação da Inteligência Artificial no Brasil é uma questão complexa que envolve interesses diversos e pressões significativas das big techs. O Projeto de Lei 2.338/2023, atualmente em análise pela Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial, enfrenta desafios enormes devido ao lobby dessas grandes empresas. A sociedade civil e a mídia desempenham um papel essencial na fiscalização e transparência do processo legislativo. A busca por uma regulamentação equilibrada que proteja os direitos dos cidadãos sem sufocar a inovação tecnológica é crucial para o futuro da IA no Brasil.