A divulgação pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) nesta sexta-feira (23) informando que abriu novo processo sancionador referente ao caso Americanas, dessa vez contra Camille Faria, atual diretora financeira da varejista, demonstra que a autarquia escolhe um caminho mais fácil para mostrar que está atuando e sendo diligente no caso. Mas a resposta efetiva em relação aos fraudadores do balanço contábil da companhia deve demorar para aparecer.
Contam para essa demora o “timing” próprio da CVM e uma estrutura organizacional marcada há algum tempo por parcos recursos financeiros e falta de pessoal.
A autarquia tem até agora 16 procedimentos administrativos abertos para analisar condutas irregulares referentes ao escândalo da Americanas, além de dois inquéritos. E tem recorrentemente voltado ao mercado para indicar como andam os casos, como fez em comunicado nesta sexta-feira (23).
Em quatro meses, há duas diferentes acusações instauradas, uma contra Camille e outra contra Sérgio Rial, que foi CEO da companhia por um curto período e responsável por anunciar o escândalo ao mercado, inicialmente apontado como “inconsistências contábeis”. Nenhum dos dois executivos estava na companhia na época em que ocorreram as fraudes.
O caminho encontrado para apresentar efetividade nos trabalhos é o referente a questões informacionais. Mais do que a fraude em si, o foco inicial tem sido entender o rito de divulgação do que ocorreu no mercado e validar se alguém se aproveitou do momento ou optou por divulgar informações de forma incompleta ou “intempestiva”. E não é a primeira vez que a CVM faz isso.
A investigação sobre as fraudes em si na Americanas ainda está em curso.
É provável que o regulador leve em consideração o próprio material produzido pela companhia, que na semana passada direcionou a fraude a alguns diretores e afastou a responsabilidade do caso do conselho e de acionistas de referência. Mas a CVM tem também as próprias investigações, como a tomada de depoimentos de ex-executivos da varejista. O ex-presidente Miguel Gutierrez, por exemplo, já prestou depoimento à autarquia.
Inclusive, as falas do presidente da varejista, Leonardo Pereira, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), na semana passada, chamaram a atenção de participantes do mercado uma vez que foram baseadas em investigação paralela conduzida por advogados da companhia. São informações preliminares e parciais de documentos conduzidos por um comitê independente de investigação constituído pela Americanas e que ainda não concluiu os trabalhos.
Um dos inquéritos que deve trazer a resposta do regulador sobre se houve fraude ou não e quem são os responsáveis deve levar pelo menos alguns meses para ser concluído. Essa conclusão, contudo, não será definitiva, uma vez que será emitida pela área técnica responsável, a Superintendência de Processos Sancionadores. Faltará ainda, na sequência, uma posição do colegiado da autarquia se houver mais acusações e não ocorrer nenhum acordo.
Em processo recente julgado pela CVM envolvendo caso de “insider trading” e suposta manipulação de mercado pela JBS, o colegiado da CVM demorou quase seis anos para julgar os fatos. O vazamento das informações no caso da JBS e seus impactos no mercado aconteceram no dia 17 de maio de 2017 e o julgamento começou em maio de 2023 e ainda não foi concluído, apesar de ter formado maioria pela absolvição.
Houve um outro episódio em que a CVM também demorou para realizar o julgamento, que foi o processo envolvendo antigos integrantes do conselho de administração da Petrobras no então governo Dilma Rousseff. O julgamento só ocorreu no fim de 2020.
Um dos inquéritos da CVM no caso Americanas analisa o uso de informação privilegiada com ações da empresa.
Se for levado em conta o tempo para julgamento de nove casos de “insider trading” analisados pelo colegiado da autarquia entre 2013 e 2021, a média de tempo para a tomada de uma decisão final foi de seis anos e cinco meses, de acordo com um levantamento realizado pela FGV Direito SP, a pedido do Valor.
Se o caso Americanas seguir pelo mesmo caminho, uma resposta final do regulador ocorreria apenas em 2029, seis anos depois de surgido um dos maiores escândalos da história corporativa nacional.
Unidade da Lojas Americanas — Foto: Divulgação