Superlotação de celas; práticas sistemáticas de torturas físicas e psicológicas de presos; fome; insalubridade; impedimento de visitas sociais; humilhações de parentes de pessoas em privação de liberdade, sobretudo mulheres; falta de acesso a atividades educacionais; morte de detentos e menores apreendidos; prisões provisórias com excesso de prazo; celas do tipo contêiner; assédio; transferência de detentos a comarcas afastadas do seu meio social e da família; detenções injustas de pessoas consideradas inocentes; uso e tráfico de drogas, retenção de benefícios pagos por programas de transferência de renda.
Estas foram algumas das violações de direitos humanos dentro do sistema prisional brasileiro relatadas durante a reunião de reativação do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. O encontro foi coordenado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania nesta sexta-feira (23), em Brasília.
O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, disse que as situações relatadas não o surpreendem, mas chocam por serem desrespeitos humanitários e ilegais. “Não há lei no Brasil que permita que coisas como essas aconteçam”. O ministro aponta a responsabilidade do Estado brasileiro: “Uma pessoa dentro do sistema penitenciário está sob a guarda do Estado, portanto, tem que ser tratada com dignidade. Por mais que tenha cometido um crime, ela tem que ser tratada nos termos da lei. Então, deixar uma pessoa passar fome, estender a pena aos familiares, isso se dá ao arrepio da lei, vai contra as convenções internacionais das quais o Brasil é signatário”, afirmou Silvio Almeida.
O ministro salientou que a atenção à política penitenciária foi recomendada pelo próprio presidente Lula e disse que os temas fundamentais são repressão às diversas formas de tortura, o desencarceramento dentro da legislação e melhores condições de trabalho dos profissionais do sistema penitenciário.
A solenidade de reativação do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura contou com representantes dos ministérios dos Direitos Humanos, da Justiça e Segurança Pública e das Relações Exteriores, além de membros de comitês estaduais e Nacional de Prevenção e Combate à Tortura; do Conselho Nacional de Justiça, ministérios públicos, defensores públicos, acadêmicos e representantes de diversos segmentos da sociedade civil.
Silvio Almeida estabeleceu quatro metas para orientar as reuniões do grupo e superar os problemas nacionais: discussão de metodologia para os protocolos e formulários de inspeção em instituições prisionais; redução do contingente prisional, por meio, por exemplo, da comutação da pena (substituição de uma sentença mais grave por uma mais branda) e da concessão de indulto; estímulo à realização de mutirões multiprofissionais; realização de recenseamento da população em situação de privação de liberdade e diagnóstico dos dados.
Os participantes do evento discutiram formas de prevenção e combate à tortura e a outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
A integrante do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura Carolina Barreto falou sobre a expertise adquirida pela entidade nos oito anos de atuação, com a realização de 167 inspeções regulares em todo o território nacional. “Queremos colaborar para sair da situação. Esta é nossa principal preocupação, pois estamos lidando com pessoas.”
O juiz auxiliar do Conselho Nacional de Justiça Tiago Sulzbach informou que a instituição realiza, desde 2008, mutirões carcerários para garantir e promover os direitos fundamentais na área prisional e é parceiro do governo federal. E que as audiências de custódia, que ocorrem 24 horas após a prisão em flagrante, estão contribuindo para reduzir a população carcerária. “Seguramente, a implementação e a universalização das audiências de custódia no âmbito do poder judiciário contribuíram para esse caminho”.
O secretário Nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Rafael Velasco, disse que tem participado de reuniões sobre o progresso dos regimes penais, com diferentes atores. Ele lembrou que, na semana passada, um seminário na Universidade de São Paulo (USP) debateu o indulto, a progressão de regimes e as alternativas. “Estamos discutindo com os policiais, com o Ministério Público, seguimos fazendo o debate público e estamos abertos a receber todas as contribuições necessárias para construir esse indulto.”
A defensora Pública da União Carolina Castro destacou que reativação do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura é a refundação do Estado de Direito no país. Carolina mencionou experiências relatadas pelos internos e disse que estes não querem privilégios. “Só [queremos] a Lei de Execução Penal, a pauta legalista sendo cumprida.”
A reunião do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura durou cerca de três horas e, com base nos relatos feitos sobre torturas e violações de diretos, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania listou uma série de encaminhamentos para orientar os trabalhos dos participantes.
A próxima reunião do SNPCT foi convocada para 21 de agosto deste ano, data que marca os dez anos da lei que criou o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. No próximo encontro, serão sistematizados os eixos e o plano de trabalho e será estabelecida a interlocução com todas as instituições presentes.