Abin Paralela: Entenda o Escândalo de Espionagem no Governo Bolsonaro
A revelação da existência de uma “Abin paralela” durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro lançou luz sobre um dos mais impactantes e controversos escândalos políticos da história recente do Brasil. Segundo investigações conduzidas pela Polícia Federal (PF), uma estrutura de espionagem clandestina operava dentro da própria Agência Brasileira de Inteligência (Abin), com a função de monitorar ilegalmente autoridades dos Três Poderes, jornalistas, servidores públicos e adversários políticos do então presidente.
A denúncia ganhou força com a Operação Última Milha, deflagrada em 2024, que apontou uma ação orquestrada para proteger interesses políticos e pessoais da família Bolsonaro, utilizando-se de recursos e órgãos do Estado. A existência dessa suposta “Abin paralela” expõe fragilidades no controle institucional de mecanismos de inteligência e revela o risco iminente à democracia quando tais instrumentos são usados para fins privados e autoritários.
O Que É a Abin Paralela?
A chamada Abin paralela refere-se a uma estrutura clandestina de monitoramento e espionagem que teria sido montada dentro da própria Agência Brasileira de Inteligência durante a gestão do diretor Alexandre Ramagem, nome de confiança e aliado próximo de Jair Bolsonaro.
Diferente das atividades formais da Abin – que devem atuar exclusivamente na defesa do Estado e da sociedade –, essa estrutura operava à margem da legalidade, utilizando-se de ferramentas avançadas de rastreamento para vigiar ilegalmente cidadãos e autoridades, sem autorização judicial ou respaldo institucional.
Segundo o inquérito da PF, os dados coletados ilegalmente por essa rede eram utilizados para alimentar estratégias políticas, proteger aliados, antecipar decisões de adversários e até perseguir jornalistas e figuras públicas críticas ao governo Bolsonaro. O uso desse aparato de inteligência para finalidades político-partidárias é inédito na democracia brasileira e levanta sérias preocupações sobre o desvio de função das instituições públicas.
Quem Estava Por Trás da Estrutura Clandestina
O centro de comando da suposta Abin paralela seria ocupado por Alexandre Ramagem, então diretor-geral da Abin. Nomeado por Bolsonaro, Ramagem já havia sido cotado para comandar a Polícia Federal, mas teve sua nomeação barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por possível conflito de interesses e ligação pessoal com os filhos do presidente.
Com acesso privilegiado aos sistemas da Abin e apoio de assessores de confiança, Ramagem teria coordenado operações de espionagem sob o argumento de proteger a “segurança do presidente”. No entanto, documentos obtidos pela PF indicam que os monitoramentos tinham foco específico em adversários políticos, jornalistas e até integrantes do Judiciário e Legislativo.
Principais Alvos da Espionagem
As investigações revelaram uma ampla rede de pessoas vigiadas ilegalmente. Os nomes citados impressionam pela relevância política, institucional e midiática. Confira os principais alvos identificados:
Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)
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Alexandre de Moraes
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Gilmar Mendes
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Dias Toffoli
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Luís Roberto Barroso
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Luiz Fux
A espionagem de membros da mais alta Corte do Judiciário brasileiro representa um ataque direto ao princípio da separação dos poderes e acende um alerta institucional gravíssimo.
Políticos de Diferentes Espectros Partidários
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Rodrigo Maia (ex-presidente da Câmara)
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Arthur Lira (atual presidente da Câmara)
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Joice Hasselmann
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David Miranda
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Kim Kataguiri
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Renan Calheiros
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Alessandro Vieira
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Omar Aziz
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Randolfe Rodrigues
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Jean Wyllys
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João Doria Jr.
A lista aponta para um padrão de vigilância voltado a figuras públicas que, em algum momento, se opuseram ou criticaram o governo Bolsonaro, indicando um uso político do aparato de inteligência.
Jornalistas e Comunicadores
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Glenn Greenwald (The Intercept Brasil)
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Monica Bergamo (Folha de S.Paulo)
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Vera Magalhães (O Globo)
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Luiza Bandeira (especialista em desinformação)
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Pedro Cesar Batista (produtor de conteúdo digital)
A vigilância a profissionais da imprensa reforça as constantes críticas ao ambiente hostil à liberdade de expressão e ao jornalismo investigativo durante a gestão Bolsonaro.
Outros Nomes Relevantes
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Simone Sibilio (promotora do Ministério Público do RJ)
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Carlos Dahmer (líder caminhoneiro)
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Hugo Loss (fiscal do Ibama)
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Auditores da Receita Federal: Christiano Botelho, Cleber da Silva e José Barros Neto
Estes nomes demonstram que até servidores públicos e ativistas ambientais eram considerados “ameaças” e, portanto, foram monitorados.
Conexão com o Gabinete do Ódio
As investigações também apontam que a Abin paralela mantinha ligações operacionais com o chamado Gabinete do Ódio, estrutura informal de comunicação digital situada dentro do Palácio do Planalto e liderada por Carlos Bolsonaro, vereador do Rio de Janeiro e filho do ex-presidente.
O Gabinete do Ódio era responsável pela disseminação de notícias falsas (fake news), campanhas de difamação e ataques orquestrados contra oponentes políticos nas redes sociais. Informações obtidas ilegalmente por meio da espionagem clandestina teriam sido utilizadas para alimentar essas campanhas, o que demonstra um sofisticado esquema de guerra informacional com respaldo em dados sensíveis obtidos de forma ilícita.
Essa conexão direta entre espionagem estatal e manipulação digital de narrativas representa uma nova e preocupante fronteira no uso político da tecnologia e da informação pública.
Ferramentas e Tecnologias Utilizadas
Um dos principais instrumentos operacionais da Abin paralela era o software israelense FirstMile, adquirido oficialmente pela Abin ainda no fim do governo Michel Temer. A ferramenta é capaz de rastrear, em tempo real, até 10 mil celulares por ano, a partir de sinais captados por torres de comunicação telefônica.
Embora o uso desse tipo de software esteja restrito a investigações com autorização judicial, a PF identificou acessos não autorizados ao sistema, indicando que o mesmo foi usado fora dos protocolos legais. A tecnologia, que deveria ser aplicada para fins de segurança nacional, foi desviada para a perseguição de desafetos políticos, o que pode configurar crime de responsabilidade, abuso de autoridade e violação de sigilo.
Reações e Desdobramentos
A revelação da existência da Abin paralela gerou indignação em diversos setores da sociedade civil, na imprensa e dentro dos poderes Judiciário e Legislativo. O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, afirmou que a corte “não tolerará tentativas de intimidação institucional”.
A Operação Última Milha, da Polícia Federal, resultou na prisão de diversos agentes envolvidos na estrutura paralela, incluindo assessores e ex-servidores da Abin. Influenciadores digitais ligados ao Gabinete do Ódio também foram alvo de mandados de busca e apreensão.
O próprio Jair Bolsonaro e o ex-diretor Alexandre Ramagem passaram a figurar como investigados formais, o que pode gerar implicações jurídicas para ambos, inclusive em relação à inelegibilidade e possíveis ações penais por crimes contra a democracia.
Implicações para a Democracia Brasileira
O caso da Abin paralela é um dos mais graves da história da República. Ele representa não apenas um desvio de função de órgãos de Estado, mas a tentativa deliberada de usar o poder público para fins privados, autoritários e antidemocráticos.
A violação do princípio da legalidade, da privacidade e da liberdade de expressão configura uma série de atentados contra os pilares do Estado Democrático de Direito. Se confirmadas as irregularidades, os envolvidos poderão responder por crimes que vão desde formação de organização criminosa até espionagem ilegal e obstrução de justiça.
Mais do que isso, o escândalo acende um sinal de alerta: é urgente fortalecer os mecanismos de fiscalização, transparência e independência dos órgãos de inteligência no Brasil. A democracia só se sustenta quando os instrumentos de Estado são usados para proteger a sociedade – e não para persegui-la.
O escândalo da Abin paralela transcende o noticiário político. Ele representa um marco simbólico e prático sobre os limites entre Estado e governo, e sobre como o uso indevido de estruturas de poder pode comprometer a liberdade, a justiça e o próprio funcionamento da democracia brasileira.
À medida que as investigações avançam, cresce a expectativa por respostas concretas, responsabilizações efetivas e mudanças estruturais que impeçam a repetição desse tipo de desvio institucional. A sociedade brasileira assiste atenta – e exige justiça.