A expectativa pela sucessão no Banco Central (BC) está crescendo, com os olhos do mercado voltados para Gabriel Galípolo, atual diretor de política monetária, como possível sucessor de Roberto Campos Neto. Faltando cerca de quatro meses para o término do mandato de Campos Neto, a especulação sobre o futuro da instituição está movimentando investidores, principalmente devido à desconfiança sobre Galípolo. A questão central é como ele enfrentará os desafios de manter a credibilidade do BC e reancorar as expectativas de inflação, enquanto lida com a pressão política para a redução da taxa Selic.
Um Cenário de Desafios: A Credibilidade do Banco Central em Jogo
Desde o início do ano, o cenário econômico brasileiro tem mostrado sinais de instabilidade, refletidos nas projeções do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). No final de março, o Boletim Focus estimava que o IPCA fechasse 2024 em 3,75%, com previsões de 3,51% para 2025 e 3,50% para 2026. No entanto, a edição de agosto revelou um aumento significativo nessas expectativas, com projeções de 4,20% para 2024, 3,97% para 2025 e 3,60% para 2026.
Além disso, a trajetória da taxa Selic, que desde 2023 vinha sendo reduzida, estagnou em 10,50%, com discussões sobre uma possível nova alta ganhando força. Este cenário coloca quem assumir a presidência do BC em 2025, seja Galípolo ou outro indicado, diante de uma tarefa árdua: reforçar a credibilidade da instituição e garantir que as expectativas de inflação sejam devidamente ancoradas.
Gabriel Galípolo: Um Nome que Desperta Desconfiança
Gabriel Galípolo, indicado em 2023 como diretor de política monetária do BC, foi recebido com ceticismo pelo mercado. Visto como um economista de viés heterodoxo, associado ao aumento de gastos, Galípolo enfrentou resistência desde sua indicação. Antes de ingressar no BC, ele foi secretário-executivo do Ministério da Fazenda e CEO do Banco Fator até 2021, além de ter colaborado em campanhas do Partido dos Trabalhadores (PT), como a de Aloizio Mercadante em 2010.
As preocupações dos investidores aumentaram após a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em maio, quando uma divisão significativa entre os diretores sobre a redução da Selic foi registrada. Galípolo, junto com outros três diretores indicados pelo governo, votou a favor de uma redução maior na taxa de juros, gerando temores de interferência política nas decisões do BC. Esse episódio contribuiu para uma deterioração das expectativas de inflação e aumentou a desconfiança do mercado em relação à possível futura presidência de Galípolo no BC.
Sinais de Alívio: As Recentes Declarações de Galípolo
Apesar das desconfianças iniciais, as recentes declarações de Galípolo trouxeram algum alívio ao mercado. Em eventos públicos, ele afirmou que o BC está comprometido em combater a inflação e que uma nova alta na Selic não está descartada. Em um congresso em Belo Horizonte, no início de agosto, Galípolo comparou a incapacidade de subir os juros em momentos necessários a um médico que desmaia ao ver sangue, destacando a importância de manter todas as ferramentas de política monetária à disposição.
Essas falas foram bem recebidas pelos investidores, que viram nelas uma reafirmação do compromisso de Galípolo com a meta de inflação. Para Tony Volpon, ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central, essas declarações são indicativas de que Galípolo está ciente da importância de preservar a credibilidade do BC e de que ele está disposto a tomar decisões impopulares, como aumentar os juros, se necessário.
O Primeiro Grande Desafio: Subir ou Não a Selic?
A possibilidade de uma nova alta da Selic em setembro está no centro das discussões atuais do mercado. Três grandes gestores de fundos de investimento já defenderam publicamente que a Selic seja elevada, argumentando que as expectativas de inflação e a atividade econômica forte exigem juros mais altos. A decisão de elevar a taxa, embora impopular, poderia reforçar a credibilidade do BC e demonstrar que a instituição está comprometida em trazer a inflação para a meta.
No entanto, essa não é uma opinião unânime. Alguns economistas acreditam que o atual nível da Selic pode ser suficiente para controlar a inflação até 2026, desde que não haja novos choques fiscais ou econômicos. Além disso, a expectativa de que o Federal Reserve (Fed) dos Estados Unidos comece a cortar juros em setembro poderia dar ao BC brasileiro mais tempo para avaliar as condições macroeconômicas antes de tomar uma decisão.
O Legado de Roberto Campos Neto e a Expectativa pelo Novo Comando
Roberto Campos Neto deixará o cargo no final de 2024 com um legado marcado por uma postura firme no combate à inflação e por defender a independência do Banco Central. A possível indicação de Gabriel Galípolo, um economista com um perfil mais alinhado ao governo atual, traz incertezas sobre a continuidade desse legado. A grande questão é se Galípolo, caso seja confirmado, conseguirá equilibrar a pressão política com a necessidade de manter a credibilidade da política monetária do país.
O mercado, por sua vez, continua a acompanhar de perto as discussões e as sinalizações do BC. Até que a sucessão esteja oficialmente definida, as incertezas continuarão a pairar sobre o futuro da política monetária brasileira. A postura que Galípolo adotar nos próximos meses será crucial para definir não apenas o rumo do BC, mas também a estabilidade econômica do Brasil nos próximos anos.