Uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) revelou um cenário preocupante no setor mineral brasileiro. De acordo com o relatório, as mineradoras têm sonegado uma parte significativa da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), também conhecida como royalties da mineração, causando uma perda bilionária para os cofres públicos e municípios mineradores. Além disso, o estudo aponta falhas graves na fiscalização realizada pela Agência Nacional de Mineração (ANM), agravando a situação.
A Sonegação da Cfem: Um Problema Persistente
Segundo o relatório assinado pelo ministro relator Benjamin Zymler, a auditoria identificou que, entre 2017 e 2022, 69,7% dos titulares de 30.383 processos ativos na fase de concessão de lavra e licenciamento não efetuaram o pagamento espontâneo da Cfem. Dos processos fiscalizados pela ANM, 134 ao todo, foi observada uma sonegação média de 40,2%. Esses números demonstram a recorrência do problema e a dificuldade que a agência enfrenta para garantir o cumprimento das obrigações tributárias no setor.
A sonegação não é um problema recente. De acordo com o TCU, essas irregularidades já foram apontadas em auditorias anteriores, realizadas em 2018 e 2022. Além disso, uma investigação da Controladoria-Geral da União (CGU) sobre o período de 2014 a 2019 revelou uma sonegação média de 30,5%. Ou seja, trata-se de um problema crônico, que perdura há quase uma década, sem que soluções efetivas tenham sido implementadas.
Impactos Financeiros: Perda de Bilhões
A sonegação de royalties da mineração resultou em uma perda financeira significativa para o Brasil. O TCU calculou que, entre 2014 e 2021, aproximadamente R$ 12,4 bilhões deixaram de ser arrecadados por conta da sonegação da Cfem. O relatório da CGU, que analisou um período um pouco menor, estimou que o valor perdido seria de R$ 9,4 bilhões, ainda assim, uma quantia expressiva.
Além da sonegação, o TCU apontou que pelo menos R$ 4 bilhões foram perdidos de forma definitiva. Esse montante refere-se a créditos que decaíram ou prescreveram entre 2017 e 2021, impossibilitando sua recuperação. A decadência ocorre quando a ANM não consegue concluir o processo de cobrança em um período de dez anos, enquanto a prescrição se dá quando o crédito não é inscrito em dívida ativa ou cobrado judicialmente em até cinco anos. As cidades de Parauapebas (PA), Ouro Preto (MG), Mariana (MG) e Itabira (MG) estão entre as mais afetadas por essa perda, cada uma com um prejuízo acima de R$ 200 milhões.
Falhas na Fiscalização: Um Sistema Deficiente
O relatório do TCU destaca que a principal responsável por fiscalizar o recolhimento da Cfem, a ANM, enfrenta grandes dificuldades para realizar essa tarefa de forma adequada. Entre os problemas apontados estão a falta de pessoal qualificado, a ausência de ferramentas especializadas e a falta de compartilhamento de informações com outros órgãos, como a Secretaria da Receita Federal (SRF) e as secretarias de fazenda estaduais.
A auditoria revelou que, em 2022, apenas 17 empresas de mineração tiveram suas informações fiscalizadas pela ANM, um número insignificante considerando a dimensão do setor. A agência, que regula um setor que representa entre 2,5% e 4% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, conta atualmente com apenas quatro servidores e um chefe para realizar todas as fiscalizações. Segundo a própria ANM, seriam necessários ao menos mais 200 servidores para atender de forma satisfatória a demanda do setor.
Outro ponto alarmante é que a ANM não possui sistemas adequados para o “acompanhamento da real produção mineral fiscalmente escriturada”, o que impede a agência de ter pleno conhecimento do que realmente está sendo sonegado pelas mineradoras. A própria ANM reconheceu que sua estrutura organizacional é inferior à de outras agências reguladoras, como a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Royalties da Mineração: A Diferença entre Cfem e TAH
A Cfem, que deve ser paga pelas mineradoras que exploram recursos minerais, representa a maior parte das receitas arrecadadas pela ANM. Entre 2017 e 2021, a Cfem respondeu por 97,1% dos R$ 26,5 bilhões de encargos financeiros da mineração. Em contraste, a Taxa Anual por Hectare (TAH), que é um encargo cobrado na fase de pesquisa mineral, representa uma parcela bem menor da arrecadação, e sua fiscalização é relativamente mais simples, uma vez que depende apenas da medida da área licenciada para a mineradora.
O TCU identificou que, no caso da TAH, a sonegação foi de 8,2% entre 2017 e 2022, um percentual consideravelmente inferior ao observado com a Cfem. No entanto, enquanto a mineradora que não paga a TAH pode ter seu alvará de pesquisa anulado, a penalidade para quem não recolhe a Cfem é apenas uma multa, o que não impacta a continuidade das atividades da empresa.
Soluções e Recomendação do TCU
Diante desse cenário preocupante, o TCU fez uma série de recomendações para melhorar a fiscalização da ANM e combater a sonegação de royalties da mineração. Entre as sugestões, está a criação de um sistema informatizado de suporte à fiscalização, a elaboração de previsões para cada receita e a criação de um manual de procedimentos para fiscalizar o pagamento da Cfem.
Além disso, o relatório aponta que a ANM deve ter garantido os 7% da Cfem que lhe são destinados, sem contingenciamento. Segundo o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), a recomposição do quadro de funcionários da agência e a garantia de recursos financeiros adequados são essenciais para o funcionamento pleno da ANM e para a fiscalização eficaz do setor.
O TCU concluiu que a sonegação dos royalties da mineração representa uma perda significativa de recursos, não apenas para os municípios mineradores, mas também para o desenvolvimento do setor mineral no Brasil. A estruturação adequada da ANM é vital para garantir que a exploração mineral no país ocorra de forma sustentável e justa, assegurando que todos os tributos sejam devidamente pagos.