PF alerta para risco de enfraquecimento no combate ao crime com mudanças no PL Antifacção
A Polícia Federal (PF) manifestou preocupação com as alterações no PL Antifacção, em nota pública divulgada nesta segunda-feira (10). A corporação avalia que o texto modificado pelo relator Guilherme Derrite (PP-SP) ameaça o interesse público e pode representar um retrocesso no combate ao crime organizado.
O projeto, originalmente proposto pelo governo federal, está em tramitação na Câmara dos Deputados e deve ser votado nesta terça-feira (11). O objetivo inicial do PL era endurecer as medidas de enfrentamento às organizações criminosas e fortalecer a cooperação entre as forças de segurança, mas as mudanças incluídas no relatório vêm sendo vistas como um enfraquecimento da atuação federal.
Entenda o PL Antifacção
O Projeto de Lei Antifacção surgiu como resposta direta ao avanço das facções criminosas em diversos estados, especialmente o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV).
A proposta elaborada pelo Executivo previa ampliar o poder de atuação da Polícia Federal, permitindo ações conjuntas com as polícias estaduais sem necessidade de autorização prévia dos governos locais — especialmente em crimes de corrupção, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.
A ideia era fortalecer a coordenação nacional de combate ao crime organizado, considerando que as organizações criminosas atuam de forma interestadual e transnacional. No entanto, o relatório do deputado Derrite, segundo a PF, limita a autonomia das operações federais.
O ponto central da divergência
O maior impasse está na exigência, incluída pelo relator, de que a PF só possa atuar em casos de facções com autorização formal dos governadores.
Na avaliação da corporação, essa mudança reduz o alcance das investigações, dificulta o compartilhamento de informações e pode atrasar operações estratégicas.
A Polícia Federal sustenta que o novo formato fragiliza o combate a crimes complexos que envolvem corrupção, tráfico de pessoas, desvios de recursos públicos e lavagem de dinheiro, pois a necessidade de autorização política poderia criar entraves em situações que exigem ação rápida.
Operações que estariam sob ameaça
A nota da PF cita como exemplo recente a megaoperação deflagrada em agosto de 2025 contra o crime organizado em São Paulo — considerada a maior da história do país.
Na ocasião, as investigações revelaram que o PCC usava postos de combustíveis, motéis e empresas de fachada para lavar dinheiro em um esquema que movimentava bilhões de reais.
Segundo a Polícia Federal, sob as novas regras propostas no PL Antifacção, ações desse tipo poderiam não ocorrer ou teriam eficácia reduzida, devido à burocratização do processo de autorização entre esferas de governo.
A posição da Polícia Federal
Na nota pública, a PF ressalta que o texto original do PL Antifacção foi elaborado com base em anos de experiência operacional e cooperação interinstitucional com as polícias estaduais e o Ministério da Justiça.
As alterações, no entanto, “comprometem o propósito de fortalecer as instituições responsáveis pelo enfrentamento às organizações criminosas”, conforme expressa o comunicado.
Para a corporação, o risco é que o país retroceda no combate ao crime estruturado, justamente em um momento em que as facções expandem sua influência nas fronteiras, presídios e finanças públicas.
O argumento do relator Guilherme Derrite
O deputado Guilherme Derrite (PP-SP), relator do projeto, argumenta que o objetivo das mudanças é preservar as competências das polícias estaduais e reforçar o federalismo cooperativo, evitando sobreposição de funções entre as instituições.
Segundo ele, a intenção é garantir que a cooperação entre União e estados ocorra dentro de um marco jurídico mais equilibrado, em que o protagonismo local não seja suprimido por decisões federais unilaterais.
Ainda assim, a justificativa não convenceu parte expressiva do Congresso e tampouco as forças de segurança. Entidades representativas da PF, PRF e Ministério Público Federal consideram que o projeto, se aprovado com as mudanças atuais, reduzirá a efetividade das operações integradas e beneficiará o avanço das facções.
O contexto político e a votação na Câmara
A votação do PL Antifacção ocorre em meio a um clima de tensão entre o governo e o Legislativo.
Após a recente operação policial no Rio de Janeiro contra o Comando Vermelho, que resultou em mais de 120 mortos nos complexos da Penha e do Alemão, o tema ganhou urgência na agenda política.
A pressão pública por medidas de segurança mais duras aumentou, e o governo tenta aprovar o projeto ainda nesta semana para mostrar comprometimento com o combate ao crime organizado.
No entanto, as divergências internas e a resistência de parte da base aliada podem adiar a votação ou alterar novamente o texto.
Impactos das mudanças no combate ao crime organizado
Especialistas em segurança pública apontam que, se o PL Antifacção for aprovado com as alterações atuais, a coordenação nacional será enfraquecida, tornando mais difícil combater facções que atuam em vários estados simultaneamente.
Atualmente, a PF coordena operações integradas com forças estaduais e o Ministério da Justiça, o que tem permitido resultados expressivos no enfrentamento de crimes transnacionais, como tráfico de armas e lavagem de dinheiro.
Limitar essa atuação significaria desarticular a estrutura nacional de investigação, que funciona de forma integrada desde a Lei do Crime Organizado (Lei 12.850/2013).
O papel da União no combate às facções
A Polícia Federal é o principal órgão de investigação da União e tem competência para atuar em crimes interestaduais e internacionais, conforme determina a Constituição Federal.
Sua atuação é fundamental em casos que envolvem fronteiras, lavagem de dinheiro, corrupção e conexões financeiras internacionais — aspectos centrais do funcionamento das facções.
Ao restringir a atuação da PF apenas mediante solicitação de governadores, o projeto cria dependência política e pode gerar conflitos de interesse locais, especialmente em estados onde as facções exercem influência sobre estruturas de poder e segurança.
Análise jurídica e institucional
Juristas e delegados consultados avaliam que o PL Antifacção, em sua versão original, fortalece a segurança jurídica da atuação federal, enquanto o texto modificado introduz ambiguidades e lacunas legais.
Há preocupação de que a nova redação possa gerar disputas de competência entre esferas, atrasando operações e processos judiciais.
Além disso, analistas afirmam que o modelo de autorização prévia de governadores contraria princípios constitucionais de cooperação federativa e fere o artigo 144, que estabelece a autonomia da PF para investigar crimes de repercussão nacional.
Reação do governo e próximos passos
No Palácio do Planalto, o clima é de apreensão. A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, e o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, têm buscado interlocução direta com líderes da Câmara para ajustar o texto antes da votação final.
O governo quer evitar que o PL Antifacção seja aprovado em uma forma que fragilize as instituições federais.
Segundo auxiliares, a prioridade é restabelecer o equilíbrio original da proposta e garantir que o país mantenha instrumentos robustos de combate às facções.
O futuro do PL Antifacção
A expectativa é que a votação ocorra ainda nesta terça-feira (11). Se o texto for aprovado, seguirá para o Senado Federal, onde também deverá enfrentar resistência de parlamentares que defendem a atuação ampla da Polícia Federal.
Independentemente do resultado, o debate expõe uma questão central: como equilibrar a autonomia federativa e a eficácia no combate ao crime organizado, sem enfraquecer as instituições de segurança.
O desfecho dessa votação pode definir os rumos da política de segurança pública brasileira nos próximos anos e terá impacto direto sobre a cooperação entre União e estados.






