As Bolsas de Valores globais estão vivendo um rali em 2024. Nos Estados Unidos, por exemplo, o boom da inteligência artificial e os fortes resultados corporativos – mesmo em meio ao aperto monetário – levaram o S&P 500 e o Nasdaq a patamares de recordes históricos. Mas engana-se quem pensa que o bom momento está restrito aos mercados desenvolvidos: os três índices de Bolsa com maior rentabilidade nos cinco primeiros meses do ano pertencem à América do Sul. Apenas o Brasil ficou de fora da festa e crava agora o pior desempenho entre os grandes mercados do mundo.
Dados da Rentabilidade em Dólares
Os dados foram levantados por Einar Rivero, da Elos Ayta Consultoria, e mostram a rentabilidade em dólares dos principais índices de bolsa globais no acumulado de 2024 até o dia 31 de maio. Quem lidera o ranking é o S&P Merval, da Argentina, com um salto de 61,55% no período – praticamente seis vezes o desempenho já expressivo do S&P 500, dos EUA. O Msci Colcap, da Colômbia, e o Bvl Peru General, do Peru, também são destaque, superando as Bolsas americanas, europeias e asiáticas.
Muito atrás, e em meio a uma maré de pessimismo dos investidores, o brasileiro Ibovespa acumula uma desvalorização em dólares de 15,96% no período.
Argentina: De Crise a Euforia no Mercado
A alta do Merval, na Argentina, não é uma novidade. Apesar da crise econômica e da hiperinflação que assola o país há anos, a bolsa “hermana” foi a que mais subiu no mundo no ano passado. Antes das eleições presidenciais argentinas de 2023, o índice acionário do país acumulava uma valorização de três dígitos.
Especialistas explicam que as ações na Argentina foram muito descontadas nos últimos anos e, com a série de estímulos concedidos pelo governo às empresas argentinas, os papéis cujos preços tinham caído muito estavam conseguindo uma recuperação. Isso também explica parte da valorização de 2024, diz Thiago de Aragão, diretor de estratégia da Arko Advice e colunista do E-Investidor.
O início do governo do libertário Javier Milei, em dezembro de 2023, também está impulsionando o mercado argentino. As medidas econômicas adotadas até então agradam investidores – ao menos, mais do que as tomadas pelo governo anterior –, o que também pode estar por trás do movimento de recuperação do Merval.
Colômbia: A Recuperação após a Irracionalidade
O mesmo vale para a Colômbia. A leitura inicial do mercado em relação ao atual presidente Gustavo Petro, em 2022, foi de irracionalidade. Isso ajudou a derrubar a bolsa colombiana que, agora, consegue se recuperar. “Quando o Petro ganhou a eleição, dizia-se que ele transformaria a Colômbia na Venezuela. Quando isso não acontece, há uma euforia em cima da ausência daquele pior cenário possível”, diz o diretor da Arko.
Boom das Commodities Impulsiona Mercados Andinos
Os mercados do Chile, Peru e Colômbia estão conseguindo estender os ganhos em meio ao rali global de cobre e ouro. O metal dourado é um dos investimentos que mais sobe em 2024 e é negociado pela primeira vez acima dos US$ 2,3 mil a onça-troy.
“Os três mercados andinos apresentaram retornos positivos em maio, com mais sinais de recuperação da economia no Chile e no Peru em meio a taxas de juros e inflação mais baixas, juntamente com ventos favoráveis dos preços das commodities”, avaliou o BTG em relatório publicado na primeira semana de junho.
O Impacto do Risco Político no Brasil
Enquanto o “risco Brasil” levou o Ibovespa a mais um desempenho negativo em maio, os países vizinhos conseguiram surfar em um cenário político mais tranquilo. O risco político tem diminuído em todos os mercados andinos, mas parece particularmente amigável no Chile devido a uma esperada ‘oscilação para a direita’ no próximo ciclo eleitoral”, destacou o BTG.
A alta das Bolsas andinas também reflete a entrada de capital estrangeiro. Em maio, por exemplo, os gringos foram às compras no mercado colombiano, ajudando a valorizar o Msci Colcap. “Os investidores estrangeiros estão de volta, registrando compras líquidas de US$ 13,7 milhões em maio (40% do volume mensal de negócios). Eles aumentaram alocações em materiais de construção e petróleo e gás, ao mesmo tempo em que reduziram a exposição a serviços públicos, finanças e ações relacionadas ao consumo”, mostra o BTG.
No Brasil, houve uma saída de R$ 1,6 bilhão de capital estrangeiro em maio. No acumulado do ano, até o dia 11 de junho, os estrangeiros já tiraram R$ 40 bi da B3. Os investidores estrangeiros aceleraram a saída do País em meio a uma fuga de risco causada pela dinâmica da economia dos Estados Unidos, que ainda não permitiu que o banco central americano cortasse a taxa de juros por lá.
Desafios do Ibovespa em 2024
Apesar de 2024 não estar sendo um ano fácil para os mercados, com muitos fatores macroeconômicos e geopolíticos no radar em países desenvolvidos e emergentes, a disparidade entre o desempenho da Bolsa brasileira e seus pares reforça um ponto que tem aparecido em muitas análises recentes. O problema do Ibovespa, especialmente nas últimas semanas, é doméstico.
O sentimento, que já não era dos melhores, se deteriorou de forma acentuada depois de dois eventos principais. Em meados de abril, o governo revisou a meta fiscal para 2025, que antes previa um superávit de 0,5% do PIB, para déficit zero. O movimento foi entendido por agentes do mercado como uma sinalização de abandono ao compromisso estabelecido pelo arcabouço fiscal em 2023 e repercutiu negativamente.
Depois, no início de maio, o racha na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) também chamou a atenção. Membros indicados pelo governo votaram pela manutenção do ritmo de cortes na Selic em 0,5 ponto percentual, enquanto os outros diretores defenderam maior cautela com o afrouxamento monetário; decisão que prevaleceu, mas criou um novo mal estar no mercado.
Mais recentemente, falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e uma “fritura” do ministro da Fazenda Fernando Haddad, que não está conseguindo avançar com as propostas para compensar a arrecadação federal, jogaram ainda mais volatilidade no mercado. O Ibovespa acentuou as perdas, renovando a mínima do ano na faixa dos 119 mil pontos, e o dólar bateu o maior patamar desde janeiro de 2023.
Perspectivas para o Futuro
O movimento dos investidores estrangeiros destoa do que vem acontecendo no Brasil. Por aqui, houve uma saída de R$ 1,6 bilhão de capital estrangeiro em maio. No acumulado do ano, até o dia 11 de junho, os gringos já tiraram R$ 40 bi da B3. Os investidores estrangeiros aceleraram a saída do País em meio a uma fuga de risco causada pela dinâmica da economia dos Estados Unidos, que ainda não permitiu que o banco central americano cortasse a taxa de juros por lá.
O Brasil tem um mercado financeiro e uma Bolsa muito mais desenvolvida do que esses outros países da região. Não se trata de tirar o dinheiro daqui para colocar na Argentina, por exemplo”, afirma Thiago de Aragão, da Arko Advice. “O que eu vejo são clientes que durante os últimos 10 anos deixaram de fazer investimento nas fábricas deles na Argentina e agora estão pensando em retomar.”
Apesar da fuga de capital vista no Brasil, o sentimento lá fora pode não ser tão ruim quanto internamente. O time de research da XP, liderado pelo estrategista-chefe Fernando Ferreira, esteve no exterior na última semana para debater o cenário dos ativos brasileiros. Em relatório, ele explicou que o nível depreciado das ações do País começam a chamar atenção, apesar das turbulências.
O que precisa acontecer para isso? Os Estados Unidos iniciarem o ciclo de corte de juros. Como as previsões do mercado indicam que isso só deve começar a acontecer nos meses finais de 2024, o outro possível gatilho poderia ser a melhora do cenário fiscal e monetário no Brasil – o que parece ser o desafio do momento.
Em um ano desafiador para os mercados globais, a disparidade entre o desempenho das bolsas sul-americanas e o Brasil destaca as complexidades do cenário político e econômico. Enquanto Argentina, Colômbia e Peru surfam na onda de alta das commodities e políticas mais estáveis, o Brasil luta contra a desconfiança e a saída de capital estrangeiro, evidenciando a importância de uma gestão fiscal e monetária eficaz para atrair investimentos e reverter o cenário atual.