Ferramentas de inteligência artificial (IA) como ChatGPT e Midjourney estão em alta, ocupando espaços nas rotinas de trabalho, e suscitam a dúvida de até que ponto são uma ameaça para algumas profissões. Um dos questionamentos que surge, agora, é se a criatividade, tão importante para os negócios, é uma habilidade exclusivamente humana ou não. Alguns marcos recentes e notáveis da IA generativa fomentam essa questão.
Em 2018, uma obra de arte feita por inteligência artificial, “O retrato de Edmond Belamy”, foi vendida pela casa de leilões Christie’s por US$ 432.500, quase 45 vezes mais que a estimativa. A obra foi criada por uma rede generativa que foi alimentada com um conjunto de dados de 15.000 retratos cobrindo seis séculos.
“Enquanto os artistas são autoconduzidos e orientados para o produto, a IA é muito centrada no consumidor e orientada para o mercado – só obtemos a arte que pedimos, o que talvez não seja , o que precisamos”, alertam pesquisadoras — Foto: Pexels
Mais um exemplo. Produtores musicais como Alex sa Kid, indicado ao Grammy, colaboraram com a IA (nesse caso, o Watson, da IBM) para produzir sucessos e informar seu processo criativo. Nesses casos, um humano ainda está no comando, selecionando a criação da IA de acordo com sua própria visão e, assim, retendo a autoria da peça.
No entanto, o gerador de imagens por inteligência artificial Dall-E, por exemplo, pode produzir algo novo em qualquer tema que você desejar em segundos. Por meio da difusão, em que enormes conjuntos de dados são reunidos para treinar a IA, as ferramentas generativas de inteligência artificial agora podem transpor frases escritas em novas imagens ou improvisar música no estilo de qualquer compositor, criando um novo conteúdo que se assemelha aos dados do treinamento, mas não é idêntico. A autoria, nesses casos, é talvez mais complexa. É o algoritmo? E os milhares de artistas cujos trabalhos foram usados como base para produzir a nova imagem? Seria o autor o “prompter”, que descreve com sucesso o estilo, a referência, o assunto, a iluminação, o ponto de vista e até a emoção evocada?
Esses são questionamentos levantados pelas pesquisadoras Chloe Preece, professora associada de marketing na ESCP Business School, com unidades em diferentes países da Europa, e Hafize Çelik, candidata a PhD em gestão Universidade de Bath, da Inglaterra. E para responder a essas questões, as autoras procuram definir o que é criatividade.
Preece e Çelik citam a pesquisadora Margaret Boden, da universidade de Sussex, dizendo que, segundo ela, existem três tipos de criatividade: combinacional, exploratória e transformacional.
- A criatividade combinacional combina ideias familiares.
- A criatividade exploratória gera novas ideias explorando “espaços conceituais estruturados”, ou seja, aprimorando um estilo de pensamento aceito ao explorar seus conteúdos, limites e potencial.
- A criatividade transformacional significa gerar ideias além das estruturas e estilos existentes para criar algo totalmente original.
Na visão das autoras do artigo, os dois primeiros tipos de criatividade não estão muito longe da produção algorítmica de arte da IA generativa. “Criar novos trabalhos no mesmo estilo de milhões de outros com os dados de treinamento seria uma ‘criatividade sintética’.”
O terceiro tipo, por sua vez, a criatividade transformacional, esta sim está no centro dos debates atuais sobre IA em termos de uso justo e direitos autorais, dizem as pesquisadoras, mencionando se tratar de “águas legais muito desconhecidas”, que precisarão esperar para ver o que os tribunais decidem.
“A principal característica dos processos criativos da IA é que a criatividade computacional atual é sistemática, não impulsiva, como muitas vezes pode ser sua contraparte humana”, escreveram. “A IA é programada para processar informações de uma certa maneira para alcançar resultados específicos previsivelmente, embora muitas vezes de maneiras inesperadas.”
Esta, então, talvez seja a diferença mais significativa entre artistas e IA.
“Enquanto os artistas são autoconduzidos e orientados para o produto, a IA é muito centrada no consumidor e orientada para o mercado – só obtemos a arte que pedimos, o que talvez não seja , o que precisamos”, alertam.
Até agora, segundo elas, a IA generativa parece funcionar melhor com parceiros humanos e, talvez, a criatividade sintética da IA seja um catalisador para impulsionar nossa criatividade humana, aumentando-a em vez de produzi-la.
“Como costuma acontecer, o hype em torno dessas ferramentas como forças disruptivas supera a realidade. Na verdade, a história da arte nos mostra que a tecnologia raramente deslocou os humanos diretamente do trabalho que eles queriam fazer. Pense na câmera, por exemplo, que era temida por seu poder de acabar com os retratistas”, concluem.