Herança do governo Bolsonaro pode gerar sanções e mais tarifas para o Brasil
A herança do governo Bolsonaro na política externa brasileira está no centro de um alerta diplomático e econômico. Recentes movimentos do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reacenderam preocupações em Brasília sobre possíveis retaliações comerciais ao Brasil.
Na última quarta-feira (6), Trump anunciou uma tarifa adicional de 25% sobre importações da Índia, elevando para 50% o total das tarifas de entrada de produtos indianos. A medida foi apresentada como uma “punição” a países que mantêm relações comerciais com a Rússia, deixando claro que a estratégia da Casa Branca visa pressionar nações do BRICS que não se alinham plenamente à agenda geopolítica norte-americana.
O gesto gerou inquietação no governo brasileiro: será que o país está na fila para receber sanções semelhantes?
Parceria estratégica firmada durante o governo Bolsonaro
Em 2022, ainda no exercício do mandato, Jair Bolsonaro esteve em Moscou para se reunir com o presidente russo Vladimir Putin. Na ocasião, os dois líderes reforçaram acordos em setores estratégicos como energia, defesa, tecnologia e, principalmente, fertilizantes — insumo vital para a manutenção da competitividade do agronegócio brasileiro.
Durante o encontro, Bolsonaro destacou a importância do fornecimento regular de fertilizantes pela Rússia e demonstrou interesse em ampliar esse comércio. A decisão foi considerada estratégica à época, já que o Brasil depende fortemente desse insumo para sustentar a alta produtividade agrícola.
Dependência de fertilizantes e combustíveis da Rússia
A herança do governo Bolsonaro inclui um vínculo econômico significativo com Moscou. Hoje, 84% do valor total das importações brasileiras da Rússia são compostos por fertilizantes e combustíveis.
O comércio bilateral alcançou um recorde histórico em 2024, totalizando US$ 12,4 bilhões (cerca de R$ 67 bilhões), crescimento de 9% em relação a 2023. Nesse período:
-
As exportações brasileiras somaram US$ 1,4 bilhão (alta de 8%).
-
As importações chegaram a US$ 11 bilhões (alta de 9%).
-
Principais produtos exportados para a Rússia: soja (33%), café não torrado (18%) e carne bovina (18%).
-
Principais produtos importados: óleos combustíveis (57%) e fertilizantes químicos (34%).
Essa dependência, que em 2022 foi vista como estratégica, hoje é considerada um ponto fraco na política externa brasileira, pois pode ser interpretada pelos EUA como alinhamento político à Rússia.
Risco de sanções comerciais contra o Brasil
Especialistas em Direito Internacional e comércio exterior alertam que a herança do governo Bolsonaro pode colocar o Brasil em uma zona de risco geopolítica. Washington já deixou claro que países que mantêm relações próximas com adversários estratégicos dos EUA — como Rússia, China, Coreia do Norte e Irã — podem sofrer retaliações econômicas.
No caso brasileiro, a manutenção ou ampliação da dependência de fertilizantes russos pode servir de justificativa para medidas punitivas, como sobretaxas a produtos-chave de exportação, incluindo aço, celulose, carne e soja.
Essas sanções teriam efeitos diretos na competitividade brasileira no mercado norte-americano, além de provocar excedentes internos e pressionar a balança comercial.
Dois riscos principais: interrupção e reputação
O cenário traz dois riscos centrais para o Brasil:
-
Interrupção no fornecimento — Possíveis bloqueios logísticos, embargos e sanções bancárias podem dificultar a chegada dos fertilizantes ao país.
-
Risco reputacional — Parceiros comerciais ocidentais podem pressionar empresas brasileiras por manterem negócios com entidades russas sancionadas, prejudicando a imagem e as relações comerciais.
Esses riscos são potencializados por um cenário internacional mais polarizado, no qual disputas geopolíticas se refletem diretamente em decisões comerciais.
O caminho da diplomacia pragmática
Especialistas defendem que, para evitar que a herança do governo Bolsonaro resulte em perdas econômicas, o Brasil deve adotar uma diplomacia pragmática. Isso significa evitar alinhamentos ideológicos explícitos e manter canais de diálogo abertos com todas as grandes potências.
Além disso, o país precisa buscar alternativas para reduzir sua vulnerabilidade:
-
Diversificação de fornecedores: Canadá, Marrocos e China são opções viáveis, embora apresentem desafios logísticos e comerciais.
-
Investimento em autossuficiência: Explorar reservas minerais nacionais, desenvolver a indústria de transformação de fertilizantes e incentivar inovação no campo.
-
Acordos bilaterais estratégicos: Negociar diretamente com os EUA para evitar sobretaxas e ampliar o comércio com outros mercados.
OMC e outras saídas institucionais
Caso seja alvo de sanções, o Brasil poderá recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC) para contestar medidas consideradas injustas. No entanto, o processo é demorado e pode não oferecer uma solução imediata.
A alternativa mais rápida seria intensificar negociações bilaterais com os EUA, buscando um acordo que preserve o fornecimento de fertilizantes e mantenha a competitividade das exportações brasileiras.
Impactos para o agronegócio brasileiro
O agronegócio, setor diretamente beneficiado pelos acordos firmados durante o governo Bolsonaro, pode ser um dos mais afetados por eventuais sanções. Com a produção agrícola fortemente dependente de fertilizantes russos, qualquer interrupção no fornecimento pode reduzir a produtividade, elevar custos e comprometer exportações.
A pressão para buscar fontes alternativas ou acelerar a produção nacional de insumos é crescente. Isso exigiria investimentos em pesquisa, tecnologia e infraestrutura, além de políticas públicas que incentivem a produção interna de fertilizantes.
Entre o legado e os desafios atuais
A herança do governo Bolsonaro deixou ao Brasil ganhos comerciais e segurança no fornecimento de insumos estratégicos, mas também trouxe riscos geopolíticos que hoje se intensificam. O desafio para o atual governo é equilibrar a manutenção de relações estratégicas com a Rússia sem comprometer o comércio com os Estados Unidos e outros parceiros ocidentais.
No cenário global atual, marcado por disputas de soberania e uso de tarifas como ferramenta de pressão política, o Brasil precisa de uma política externa flexível e focada na preservação de seus interesses econômicos.
Se conseguir diversificar fornecedores e adotar uma postura diplomática equilibrada, o país poderá transformar um potencial problema em oportunidade, fortalecendo sua resiliência e ampliando seu protagonismo no comércio internacional.






