Depois de subir 85% no primeiro semestre, o bitcoin inicia a segunda metade do ano com baixa liquidez, diversas incertezas no front – tanto macroeconômicas quanto regulatórias – e oscilando em um novo patamar de “lateralidade” na casa de US$ 30 mil, movimento visto como antecessor de rupturas capazes de impulsionar os preços tanto para cima quanto para baixo.
Para analistas grafistas, o fato de ter segurado o suporte de US$ 30 mil há vários dias, mesmo com a pressão vendedora daqueles que desejam embolsar ganhos recentes, pode levar os preços a um novo patamar entre US$ 32 mil e US$ 34 mil já nos primeiros dias de julho. Por outro lado, esses mesmos grafistas admitem que, se perder os US$ 30 mil, a ladeira abaixo seria até US$ 26 mil, patamar de dificil superação no início de junho.
“O BTC vem fazendo uma acumulação na região de US$ 30 mil. Me parece mais uma acumulação de pré-rompimento, para levar o preço para região de US$ 32 mil a US$ 34 mil, do que uma formação de reversão”, disse Fernando Pereira, analista da Bitget.
Na visão dos fundamentalistas, grande parte do rali do bitcoin neste ano foi, na verdade, uma recuperação do inverno cripto após naufragarfem uma série de projetos relevantes da indústria – implosão do sistema Terra Luna, quebra da FTX etc. Para esses analistas, essa retomada foi freada neste ano pelo aperto regulatório nos EUA, que, no segundo semestre, tende a ficar mais claro e representar uma incerteza menor para o setor.
A favor dessa argumentação, os mais otimistas citam ainda a chegada de diversos players das finanças tradicionais de Wall Street, como BlackRock e Fidelity, que além de referendarem a credibilidade do setor adicionam liquidez e profundidade aos negócios com criptomoedas.
O segundo motivo é a proximidade do novo “halving” do bitcoin, previsto para abril de 2024 e com potencial de reduzir a oferta da criptomoeda, pressionando os preços num momento de maior procura pelo ativo digital.
“O ativo está historicamente descontado, e possui um grande gatilho de valorização caso o ETF da BlackRock seja aprovado”, disse Valter Rebelo, analista da Empiricus Research.
“Ainda há espaço para o bitcoin subir em 2023 sim, mas isso dependerá de fatores do âmbito macroeconômico e da regulamentação”, disse Luiz Pedro de Andrade, analista da Nord Research.
Já os pessimistas lembram do momento difícil para os ativos de renda fixa em geral, particularmente para ações de tecnologia, com uma possível recessão em diversas economias e a batalha ainda a ser vencida pelos bancos centrais no fim do ciclo de aperto da política monetária. Além de eventual alta de juros, o mundo pode conviver com taxas elevadas por um período longo o suficiente para ampliar o estrago em diversos segmentos da economia sensível ao custo de capital, como tecnologia e a criptoeconomia.
No segmento cripto em particular, as razões para pessimismo dizem respeito a uma intensificação da pressão dos reguladores e possíveis desdobramentos da cruzada da SEC (CVM dos EUA), com eventual saída de players relevantes dos EUA e inviabilização de negócios na maior economia do mundo.
No meio do caminho entre grafistas e fundamentalistas, o setor cripto conta ainda com a análise on-chain, com base na posição dos investidores de diferentes horizontes de prazo que podem se desfazer ou não de seus ativos digitais. André Franco, chefe do Research do MB, chama a atenção para a redução na posição dos investidores de longo prazo – LTHs na sigla em inglês — em bitcoin, o que demonstraria uma maior possibilidade de venda da criptomoeda.
“Com os preços lateralizados há uma semana, o esperado era que os investidores de longo prazo seguissem acumulando. Mas não é isso que está acontecendo, hoje tivemos mais uma redução de 14 mil bitcoins nessa métrica. Há pelo menos duas semanas vemos indecisão nos LTHs, o que nos leva a pensar em uma queda que se aproxima”, disse.
O ether (ETH), moeda nativa da rede Ethereum, teve avanço menor no período apesar de ter concluído com sucesso mais um upgrade, que liberou tokens retidos para tarefa de autenticação da rede. A segunda maior das criptomoesas teve valorização de 58% no semestre. Demais criptomoedas tiveram desempenho mais fraco devido, entre outros motivos, à investida da SEC (CVM dos EUA) no setor, nomeando vários dos mais populares tokens como valores mobiliários, o que levou alguns deles deixarem de ser listados em plataformas de negociação importantes como a da Robinwood nos EUA.
Assuntos que serão notícia e que devem influir nos preços:
Passou a hora de entrar no bitcoin?
“O ativo está historicamente descontado, e possui um grande gatilho de valorização caso o ETF da BlackRock seja aprovado. Além disso, estamos em uma fase do ciclo que antecede o próximo halving do bitcoin, o qual acontecerá por volta de abril de 2024. O halving significa uma redução da emissão de BTCs, portanto uma redução da oferta, algo que historicamente impactou o preço de maneira positiva”, disse Valter Rebelo, analista da Empiricus Research.
“Temos observado ao longo dos ciclos que os efeitos do halving são cada vez menores. Isso ocorre por dois motivos: Primeiro e mais importante, os halvings promovem reduções decrescentes na inflação do protocolo. Se no halving de 2012 para 2013, a inflação caiu de cerca de 30% para cerca de 15%, trata-se de um impacto relevante e importante na dinâmica da oferta do protocolo; mas no halving atual, a inflação deve cair de cerca de 1,8% para 0,9%, uma queda de menos de 1% na taxa de inflação, algo que tem impacto bem menor e insuficiente por si só para gerar um choque de oferta. Outro fator que faz com que a teoria dos halvings se torne cada vez menos acionável é a difusão da informação. Com a assimetria de informações diminuindo nesse mercado e uma ampla documentação do efeito dos halvings, as informações se tornam incorporadas ao preço ao longo do tempo e o efeito preço próximo do evento se torna menos relevante”, disse Paulo Boghossian, do TC.
Tem uma correlação que mostra que o halving tende a aumentar o preço do bitcoin, mas é impossível dizer se isso acontece de fato ou se já foi precificado pelo mercado”, disse José Gabriel Bernardes, sócio da Fuse Capital.
“O halving se tornou menos impactante conforme os anos passaram devido ao tamanho de mercado que o bitcoin alcançou, porém ainda existe um impacto sobre os preços. Acredito que o próximo halving ainda não está precificado. Muitos investidores saíram do mercado durante 2022, e ainda não voltaram”, disse Valter Rebelo, analista de criptoativos da Empiricus Research.
“Os movimentos pré-halving já estão sendo notados, principalmente por parte dos mineradores, que vem comprando máquinas para aumentar sua participação e se ajustar previamente ao futuro da rede. Do lado dos investidores, esse movimento tende a ser mais brando até às vésperas do halving. Os efeitos práticos tendem a ser sentidos mais no longo prazo, no âmbito do preço”, disse Luiz Pedro Andrade, da Nord.
“Vale pontuar duas etapas bem distintas lideradas pela SEC. A primeira etapa consistiu em pouca clareza, com a SEC trazendo plataformas relevantes como Robinhood e Coinbase, por exemplo, para um ambiente regulado que, posteriormente, se mostrou uma zona bastante cinzenta. Já a segunda etapa, que estamos vivendo agora, foi a criação da EDX Markets, com grandes players do mercado tradicional como Citadel, Charles Schwab e Fidelity. No nosso entendimento, a SEC juntou esse ‘dream team’ pois eles são bem mais habituados com ambientes regulatórios e boas práticas”, disse José Gabriel Bernardes, sócio da Fuse Capital.
“Hoje o mercado de criptoativos ainda é muito dependente do fluxo monetário dos EUA, que representam uma parcela significativa do volume total. Os fatores que podem ajudar o preço do bitcoin e dos criptoativos é uma definição regulatória mais clara da SEC, uma possível aprovação de algum ETF (sendo o da Black Rock o mais provável), e/ou uma melhora no cenário de juros dos EUA”, disse Luiz Pedro Andrade, da Nord.
“A postura da SEC coloca um “overhang” sobre as altcoins. Entretanto, é importante o investidor ter em mente que o mercado de criptoativos é global. A título de exemplo, Hong Kong acaba de passar uma legislação diametralmente oposta ao entendimento da SEC. O regulador local além de estimular a indústria de criptoativos passou conjunto de regras em que corretoras podem oferecer criptoativos para investidores de varejo, tornando a atividade legal”, disse Paulo Boghossian, do TC.
Avanço de Wall Street e investidores institucionais
Grande parte do mercado financeiro deseja investir em bitcoin como uma forma de diversificação, mas as alternativas de exposição ainda são poucas. A criação de um ETF spot pela maior gestora do mundo (ou até mesmo pelos outros nomes que apresentaram pedidos, como a Invesco) apresenta uma solução viável para o mercado, que deve ser capaz de destravar um enorme valor para o BTC. Apesar disso, é necessário medir os ânimos. A não aprovação do ETF pode causar ressaca no mercado, já que parte desse movimento de alta veio da percepção que a BlackRock deve ter o pedido concedido pela SEC. Embora o contexto realmente pareça mais favorável à gestora, a possibilidade de uma negativa ainda existe”, disse Thiago Rigo, da Titanium Asset.
“A abertura de um ETF spot de BTC também abre portas para outros ativos terem os seus próprios ETFs, como o ETH por exemplo”, disse Valter Rebelo, da Empiricus Research.
A gente vem vendo um crescimento na dominância do bitcoin, que recentemente atingiu a máxima dos últimos dois anos em 50%. Isso acontece normalmente nos ciclos de baixa e no começo da retomada do mercado. A aprovação de um ETF pode sim ser um catalisador para a manutenção de uma dominância mais ampla do BTC no mercado de criptoativos e, talvez, mais duradoura”, disse Luiz Pedro de Andrade, da Nord.
“A entrada da BlackRock nos negócios com ETF’s de Bitcoin pode incentivar a dominância do bitcoin em relação às altcoins. E isso foi claramente percebido quando, após o anúncio da BlackRock, o bitcoin passou rapidamente de 40% para 50% de market share neste mercado”, disse João Gabriel Bernardes, da Fuse Capital.
“Já estamos vendo esse efeito, não apenas pelo ETF da Blackrock, mas também pelo ataque regulatório às altcoins que vem ocorrendo nos EUA. Evidentemente, essa postura de um regulador específico, a SEC, tende a aumentar a base de investidores no Bitcoin, e restringir os investidores a altcoins. Tanto que já vimos corretoras como a Robinhood tirando da sua plataforma um a série de criptoativos como Cardano, Solana, Polygon , que foram citadas em processos da SEC como possíveis valores mobiliários”, disse Paulo Boghossian, do TC.
Propagação nas altcoins
“A SEC apenas mencionou certos ativos em processos movidos contra a Coinbase e a Binance, portanto não se trata de definições formais, mas sim opiniões proferidas pelo órgão. Ainda assim, muitos investidores, corretoras e market makers preferiram se desfazer de suas posições e não se expor ao risco regulatório, impactando negativamente os preços. Como o BTC é o ativo mais antigo e comprovadamente resiliente do mercado, ele tende a liderar as altas em ciclo de bull market no primeiro momento, e conforme o apetite pelo risco aumenta, ativos menores seguem na mesma direção”, disse disse Valter Rebelo, da Empiricus Research.
“Bitcoin e ether têm uma correlação alta, quase sempre acima de 0.8. Ou seja, podemos deduzir que essa alta se propaga sim para outras criptomoedas. Portanto, é válido ressaltar que o investidor institucional vai focar mais em protocolos onde os economics façam sentido: protocolos que geram receita, têm emissão ou recompra de tokens realistas, e que de fato tenham um valor agregado ao mercado tradicional”, disse José Gabriel Bernardes, sócio da Fuse Capital.
“Ainda há um certo caminho para que as altcoins sejam, de fato e de forma prática, categorizadas como valor mobiliário. Nesse ínterim, as altcoins devem sim refletir a performance do bitcoin como ocorre historicamente no mercado de criptoativos. Caso se concretize a categorização delas como valor mobiliário e uma deslistagem forçada de mais exchanges, o preço sofrerá”, disse Luiz Pedro de Andrade, da Nord.
“No momento, não existem indícios de que algo como um flippening de market cap possa acontecer com o token Ether no curto ou no médio prazo. Apesar da rede Ethereum apresentar recursos adicionais e ser muito útil na construção de aplicações em DeFi, ainda existem muitas questões do ponto de vista regulatório ou de centralização e censura do protocolo, tópicos que já foram superados no bitcoin. Além disso, a maior criptomoeda tem quase o dobro da idade da rede Ethereum, o que proporcionou ao mercado a possibilidade de analisar a tese do Bitcoin por mais tempo que a da Ethereum, o que também é um fator importante quando se trata de confiança por parte dos grandes players”, disse Thiago Rigo, da Titanium.
“No curto prazo estamos vendo perda de share do Ethereum. No longo prazo acredito que o flipenning seja inevitável. Não por o Ethereum ser um ativo melhor do que o Bitcoin (até porque não acreditamos que eles sejam comparáveis), mas porque o seu mercado endereçável é muito maior”, disse Paulo Boghossian, do TC.
“Existe uma corrida entre países para virarem “crypto-hubs” – China, Reino Unido, Emirados Árabes e até o Brasil estão nessa corrida. Esses países estão criando clareza regulatória e subsídios financeiros para impulsionar um novo ecossistema, desta vez, da forma correta”, disse José Gabriel Bernardes, sócio da Fuse Capital.