Apartamento funcional de Ramagem volta ao centro das discussões após bloqueio de salário
A situação jurídica e administrativa envolvendo o deputado Alexandre Ramagem reacendeu um debate sensível dentro da Câmara dos Deputados: a manutenção — ou não — do apartamento funcional de Ramagem, em meio ao processo que determinou o bloqueio de salário e de sua cota parlamentar. A controvérsia ganhou novo capítulo nesta terça-feira, quando o quarto secretário da Casa, deputado Sérgio Souza, encaminhou à área jurídica um pedido de análise formal sobre a permanência do imóvel à disposição do parlamentar, que se encontra nos Estados Unidos desde setembro.
A questão ultrapassa o aspecto administrativo e se insere no contexto da recente condenação de Ramagem pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que o considerou culpado pela participação em uma trama golpista. Mesmo diante do trânsito em julgado da decisão, o parlamentar ainda mantém o mandato ativo até que a Mesa Diretora da Câmara oficialize o procedimento para a perda do cargo. Essa lacuna jurídica cria um impasse sobre a regularidade do uso do apartamento funcional de Ramagem, considerado benefício condicionado ao exercício pleno das funções parlamentares em território nacional.
Enquanto a área técnica da Câmara prepara o parecer solicitado, cresce a expectativa sobre os desdobramentos políticos e administrativos que impactarão não apenas a situação pessoal de Ramagem, mas também a forma como a Casa lida com benefícios quando há afastamento, fuga ou impedimento judicial de parlamentares.
Impasse sobre permanência no imóvel funcional
O pedido de parecer feito por Sérgio Souza destaca que a Câmara precisa de orientação técnica clara para definir se o apartamento funcional de Ramagem ainda pode ser mantido. O benefício é normalmente concedido a deputados em exercício, obedecendo regras que proíbem o uso do imóvel sem ocupação regular. Ao defender a necessidade de consulta jurídica, o quarto secretário afirmou que a aplicação do regimento precisa ser acompanhada de segurança legal, sobretudo em casos que envolvem decisões judiciais e interpretações constitucionais.
O sistema de gerenciamento habitacional da Câmara registra que Ramagem ocupa o imóvel desde março de 2023. Com sua saída do país e a permanência prolongada no exterior, o debate gira em torno de saber se, mesmo com o mandato formalmente ativo, há condições legais que justifiquem a continuidade desse benefício. A situação torna-se ainda mais sensível porque o parlamentar é considerado foragido, após deixar o país sem autorização judicial.
Setores internos defendem que o apartamento funcional de Ramagem deve ser devolvido imediatamente, sob argumento de que o imóvel deve servir exclusivamente à atuação presencial dos parlamentares no exercício do mandato. Outros técnicos entendem que a decisão depende diretamente da formalização da perda do mandato, o que reforça a necessidade do parecer solicitado.
A controvérsia sobre o mandato e a posição da Mesa Diretora
A discussão sobre o benefício envolve diretamente o impasse sobre o mandato de Ramagem. Apesar da decisão do STF determinar a perda imediata do cargo, cabe à Câmara declarar oficialmente essa medida. O presidente da Casa, Hugo Motta, afirmou que ainda avalia qual rito será adotado para a formalização.
Existem duas possibilidades: a leitura direta do ofício enviado pelo Supremo, que tornaria automática a destituição; ou a submissão da perda do mandato ao plenário, exigindo maioria absoluta para confirmação. Caso a votação seja escolhida, será necessário o apoio de pelo menos 257 deputados para que Ramagem deixe oficialmente o cargo.
Enquanto o rito não é definido, o parlamentar permanece, tecnicamente, no exercício do mandato. Essa condição interfere diretamente na situação do apartamento funcional de Ramagem, gerando uma lacuna que precisa ser resolvida com segurança jurídica.
A própria direção da Câmara reconhece essa dependência processual. Em resposta às solicitações da imprensa sobre eventual devolução do imóvel, integrantes da Casa têm reiterado que a destinação do apartamento depende unicamente da conclusão do trâmite referente à perda do mandato do deputado.
Condenação, bloqueios e efeitos colaterais
Alexandre Ramagem foi condenado a 16 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal, sob a acusação de participação em tentativa de golpe de Estado. Após a sentença, o ministro Alexandre de Moraes determinou o bloqueio de salários e benefícios parlamentares, além da interrupção da cota destinada ao exercício da atividade legislativa.
Ao deixar o Brasil em setembro, Ramagem passou a ser considerado foragido. A permanência nos Estados Unidos, mesmo diante de decisões judiciais determinando restrições, intensificou a discussão sobre privilégios parlamentares e criou desconforto institucional dentro do Legislativo.
Com o bloqueio salarial determinado nesta semana, Ramagem passa a integrar uma lista crescente de parlamentares que tiveram verbas suspensas por descumprimento de decisões judiciais. Eduardo Bolsonaro e Carla Zambelli, também investigados por ações relacionadas à tentativa de ruptura institucional, tiveram seus salários cortados recentemente.
A combinação desses fatores reforça o debate sobre a legalidade e a legitimidade da manutenção do apartamento funcional de Ramagem, já que os benefícios parlamentares deveriam refletir o pleno exercício das funções, algo que, no momento, encontra-se comprometido.
Assembleia jurídica e alcance administrativo
O pedido de um parecer oficial demonstra que a Câmara tenta agir com cautela diante de um caso de repercussão política e jurídica. A decisão sobre o apartamento funcional de Ramagem pode criar precedente relevante para situações futuras envolvendo afastamento, fuga ou impedimentos judiciais de parlamentares.
Especialistas em direito público ressaltam que os apartamentos funcionais são benefícios administrativos, não direitos adquiridos. Seu uso está condicionado ao cumprimento de obrigações específicas, relacionadas à presença em Brasília e ao exercício ativo do mandato. A ausência prolongada e a falta de atividades parlamentares presenciais podem, segundo alguns juristas, configurar motivo suficiente para perda do benefício.
Por outro lado, a Câmara tende a agir apenas após a formalização do processo de perda de mandato, uma vez que decisões administrativas dessa natureza precisam se sustentar em critérios objetivos para evitar questionamentos judiciais.
Situação política e repercussões internas
O caso também produz tensão interna entre blocos partidários. Parlamentares da oposição afirmam que a manutenção do apartamento funcional de Ramagem representa privilégio indevido a alguém que deixou o país para escapar de uma condenação judicial. O grupo defende que a restituição do imóvel deveria ser imediata, independentemente do rito de perda de mandato.
Aliados de Ramagem, por sua vez, afirmam que nenhuma medida administrativa deve ser tomada antes da conclusão dos trâmites regimentais e acusam setores da oposição de tentar politizar a questão com objetivos eleitorais e de desgaste institucional.
Nos bastidores, integrantes da Mesa Diretora expressam preocupação com a necessidade de seguir estritamente o regimento interno para evitar judicialização posterior. A repercussão pública do tema aumenta a pressão sobre o Legislativo para adotar medidas que reforcem a integridade administrativa e a transparência na gestão dos benefícios parlamentares.
Desafios futuros para o Legislativo
A controvérsia abre espaço para reflexões sobre a necessidade de revisão das regras de concessão e uso dos imóveis funcionais. Atualmente, a Câmara conta com apartamentos destinados exclusivamente a parlamentares, com alto custo de manutenção e administração. O caso do apartamento funcional de Ramagem reacende o debate sobre critérios mais rigorosos para ocupação e permanência.
Analistas avaliam que o Legislativo poderia adotar protocolos mais claros em situações excepcionais, como afastamentos internacionais não autorizados, condenações transitadas em julgado ou bloqueios judiciais que inviabilizem o exercício regular do mandato.
O episódio também pode influenciar discussões internas sobre a responsabilidade do parlamentar frente ao patrimônio público. Uma eventual devolução do apartamento antes da formalização da perda do mandato exigiria segurança jurídica para evitar alegações de abuso administrativo.
Mesmo com posicionamentos divergentes, há consenso interno de que a questão precisa ser resolvida com rapidez. A manutenção prolongada do impasse contribui para dúvidas sobre coerência institucional e fiscalização dos benefícios parlamentares.
Um ponto de inflexão institucional
O caso de Ramagem cria um ponto de inflexão para o Legislativo. Independentemente da decisão final, o debate sobre o apartamento funcional de Ramagem se tornou símbolo das contradições enfrentadas pela Câmara quando parlamentares enfrentam condenações judiciais, especialmente quando permanecem no exterior para evitar cumprimento de pena.
A situação exige equilíbrio entre a autonomia do Legislativo e o respeito às decisões do Supremo Tribunal Federal. O parecer solicitado pela quarta secretaria deve orientar os próximos movimentos e permitir que a Câmara tome uma decisão alinhada ao regimento interno e às exigências constitucionais.
A análise jurídica será determinante para indicar o caminho. Caso o parecer recomende a retirada imediata do benefício, a medida pode acelerar o processo político sobre a perda do mandato. Se a orientação for de aguardar a deliberação da Mesa Diretora ou eventual votação em plenário, a discussão continuará aberta.
O episódio destaca a necessidade de aprimorar mecanismos internos para lidar com situações semelhantes, reforçando a credibilidade institucional e garantindo que privilégios parlamentares sejam utilizados dentro de sua finalidade original.






