O governo brasileiro acredita ser possível que o Mercosul apresente em julho uma resposta formal à carta adicional da União Europeia (UE) para que o acordo comercial entre as duas partes avance. Uma oportunidade será a reunião de cúpula entre a UE e a Comunidade dos Estados da América Latina e do Caribe (Celac), marcada para o mês que vem na Bélgica.
A estratégia brasileira, que ainda precisa ser acordada com os demais membros do Mercosul (Argentina, Paraguai e Uruguai), envolve a tentativa de diminuir custos para os exportadores nacionais cumprirem as novas exigências ambientais dos europeus. Isso seria feito sem abrir mão de eventuais contestações dos novos regulamentos na Organização Mundial do Comércio (OMC).
“Além de discutir os aspectos presentes no documento que eles apresentaram [em março], nós também temos as nossas demandas”, disse a secretária de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), Tatiana Prazeres, em entrevista concedida ao Valor na sexta-feira.
No mesmo dia, ao lado do francês Emannuel Macron, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez diversas críticas à postura da União Europeia nas negociações.
“Estou doido para fazer um acordo, mas não é possível que a carta adicional que foi feita pela União Europeia não permita que se faça um acordo”, disse Lula em Paris na ocasião. “Não é possível que a gente tenha uma parceria estratégica e que haja uma carta adicional fazendo ameaça a um parceiro estratégico. Como vamos resolver isso?”
Uma reunião presencial que seria realizada nesta semana entre o negociador-chefe da UE, Rupert Schlegelmilch, e os membros do Mercosul em Buenos Aires foi cancelada e deverá ser realizada de maneira virtual.
“O que os europeus fizeram foi indicar que, após a conclusão política das negociações [em 2019], precisavam de compromissos adicionais do Mercosul na área ambiental”, diz a titular da Secex.
Para ela, também “é natural” que, além de avaliar as novas reivindicações da UE, o governo brasileiro “analise o pacote” sob os interesses do governo Lula.
Para o Brasil, há dois fatores que precisam ser “revisitados” nas negociações: a política de compras governamentais e o “equilíbrio” das concessões comerciais entre os dois blocos.
No caso das compras, o governo considera que elas são “um instrumento importante de política pública, ainda mais de política industrial” — inclusive para empresas de pequeno porte. Em relação às concessões comerciais, a crítica brasileira é que, “depois do acordo de 2019, a UE adotou medidas unilaterais que afetam nossa expectativa de acesso ao mercado europeu”.
“O Mercosul reduzirá impostos de importação com base [na contrapartida] de que teremos acesso ao mercado dos países da União Europeia”, diz.
De acordo com a secretária do Mdic, a “expectativa pode ser em parte frustrada”, já que “as legislações adotadas e que seguirão sendo adotadas [estão] sob a ótica europeia de que é necessário restringir o comércio por motivos ambientais”.
Ela cita como exemplo a lei antidesmatamento, que “poderia impedir o acesso de certas commodities” ao mercado europeu se esses produtos tiverem como origem áreas desmatadas a partir de 2021. Fazem parte desse grupo carne bovina, café, cacau, madeira e móveis. Outro exemplo é a aplicação de sobretaxa ligada à pegada de carbono.
A partir daí, o Brasil optou “por espelhar a abordagem” da União Europeia e reabrir os debates sobre compras governamentais e concessões comerciais. “Os europeus não podem oferecer com uma mão e tirar com a outra”, diz Tatiana.
A secretária lembra, no entanto, que está sendo discutido “um acordo entre Mercosul e União Europeia, e não entre Brasil e União Europeia”. A fase atual, segundo ela, é de “definição dentro do governo brasileiro a respeito do tema”. “Então, ainda precisamos coordenar com os outros países da região”, afirma.
De qualquer maneira, segundo Tatiana, “os membros do Mercosul estão em contato conosco, sabem dos aspectos que nos parecem sensíveis”.
Mais do que cumprir as próprias exigências da União Europeia, o que preocupa o setor privado, segundo elas, “são os custos de provar que está cumprindo essa legislação”.
“O sujeito que planta café em uma área que não foi desmatada precisará comprovar isso”, diz. “Sabemos que os europeus não vão mudar de ideia, afinal isso foi chancelado pelo próprio Parlamento Europeu. O que acreditamos é que há oportunidade para reduzir custos de ‘compliance’ do exportador brasileiro.”
Uma possibilidade nesse caso seria a adoção de “mecanismos que reconheçam e valorizem os sistemas que o Brasil tem para monitorar o desmatamento”. “Acreditamos sim que é possível chegar a um acordo equilibrado”, afirma.
Mas Tatiana também destaca que há “outras frentes de respostas possíveis às medidas unilaterais adotadas pelos europeus”, afirmando que algumas delas não têm “compatibilidade com as regras” da OMC.
Uma segunda prioridade da Secex no governo Lula é que o Brasil aproveite a presidência do G-20, com duração de um ano a partir do próximo 1º de dezembro, para “se posicionar melhor” nas discussões sobre comércio e sustentabilidade ambiental.
Ela destaca a necessidade de o país usar “resultados concretos”, como a diminuição do desmatamento e a matriz energética “mais limpa” do que a de outras nações, para pautar o debate e divulgar “a marca” do Brasil e dos produtos brasileiros no exterior.
“Nós estamos saindo da defensiva nessa agenda”, diz Tatiana. “Não faz sentido que não consigamos capitalizar o nosso esforço.”
Entre as medidas que podem ser adotadas globalmente, estão “parâmetros” comuns para taxas de carbono, segundo a secretária.