São Paulo – Uma comovente caminhada em São Paulo marcou os 60 anos do golpe que instaurou a ditadura civil-militar no Brasil. Sob o título de “Caminhada do Silêncio pelas Vítimas de Violência do Estado”, o evento teve início na antiga sede do Departamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), localizada na Rua Tutóia, na Vila Mariana.
“Esse é um ato que relembra os 60 anos da malfadada ditadura. Estamos em frente a um dos mais importantes centros de repressão da ditadura militar brasileira que é a antiga sede do DOI-Codi, onde as Forças Armadas, associadas à sociedade civil de São Paulo, torturaram milhares de pessoas no fundo desse prédio e onde dezenas de companheiros e companheiras foram assassinados”, afirmou Henrique Olita, membro do Diretório Estadual do Partido dos Trabalhadores (PT).
Neste emblemático local, o ex-deputado estadual e presidente da Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo, Adriano Diogo, permaneceu preso por 90 dias durante a ditadura militar. “Fiquei 90 dias aqui. Fiquei 90 dias em uma cela solitária bebendo água de boi”, relembrou ele em entrevista à Agência Brasil. “Aqui é uma casa de morte”, reforçou.
Além de Diogo, o DOI-Codi foi testemunha dos horrores enfrentados por Maria Amélia de Almeida Teles, a Amelinha, que foi presa, torturada e estuprada no local. “Fui presa política aqui no DOI-Codi entre 1972 e 1973. Aqui fui torturada e estuprada. Minha família toda foi sequestrada e trazida aqui para o DOI-Codi. Minha filha, Janaína, tinha cinco anos de idade [na época] e meu filho tinha quatro anos”, compartilhou ela.
Para Amelinha, os 60 anos do golpe militar de 1964 não podem ser esquecidos, pois o Brasil ainda enfrenta ameaças semelhantes nos dias atuais. “As novas gerações precisam conhecer isso para se fortalecer e para investir mais na construção da democracia brasileira”, destacou.
Memória e Atualidade: Um Chamado à Ação
Nesta quarta edição da caminhada, os manifestantes enfatizaram a importância da memória, adotando como tema a frase: “Para que Não se Esqueça, Para que Não Continue Acontecendo”. Além disso, alertaram para a persistência da violência policial nas populações periféricas, mesmo nos dias atuais.
“Temos um passivo que não é só a questão de memória ou de reverenciar aquelas pessoas que deram o melhor da sua vida pela luta da liberdade do Brasil e dos direitos do povo. A ditadura militar deixou uma série de passivos [no país]”, afirmou Olita.
Personalidades como o ex-deputado José Genoíno, o deputado estadual Eduardo Suplicy e a deputada federal Luiza Erundina participaram do ato, destacando a continuidade da luta pela justiça e pelos direitos humanos.
Para Genoíno, os eventos políticos recentes, como o impeachment de Dilma Rousseff, estão interligados com o golpe de 1964, evidenciando uma transição democrática ainda incompleta. Erundina reforçou a importância de não esquecer o passado para evitar a repetição dos mesmos erros.
Redefinindo o Significado do DOI-Codi
O DOI-Codi, que outrora foi um símbolo de repressão e violência, agora é alvo de esforços para ressignificação. Propostas incluem transformar o local em um Memorial da Luta pela Justiça, reconhecendo o seu passado sombrio e promovendo a educação em direitos humanos.
“Aqui precisa ser um centro de memória e de defesa dos direitos humanos. A memória e o direito à verdade são direitos humanos. Aqui tem que ter um museu, um memorial e cursos de direitos humanos. Essa delegacia não deveria mais existir aqui porque essas paredes estão manchadas de sangue dos nossos companheiros”, declarou Amelinha.
A caminhada culminou no Monumento em Homenagem aos Mortos e Desaparecidos Políticos, no Parque Ibirapuera, como um ato de lembrança e homenagem às vítimas da ditadura militar e como um chamado à ação para a construção de uma sociedade mais justa e democrática.