ICEC recua pelo quarto mês seguido e atinge menor pontuação desde 2021, refletindo juros altos, incerteza econômica e retração de investimentos
A confiança do comércio no Brasil registrou em outubro seu pior nível desde a pandemia de Covid-19, segundo dados divulgados pela CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) nesta terça-feira (28). O ICEC (Índice de Confiança do Empresário do Comércio) caiu 1,1% em relação a setembro, atingindo 95,7 pontos após ajuste sazonal. O indicador, que vinha acumulando quedas consecutivas desde julho, permanece abaixo dos 100 pontos pelo segundo mês seguido — marca que separa o otimismo do pessimismo no setor.
De julho a outubro, o índice acumula retração de 10,3%, algo que não era visto desde o início da crise sanitária em 2020. O resultado sinaliza cautela crescente entre os empresários, pressionados por fatores como juros elevados, incertezas fiscais e desaceleração da economia doméstica.
Queda na confiança do comércio reflete desaceleração da economia
A confiança do comércio é um importante termômetro da atividade econômica e do apetite por investimentos no varejo. Segundo a CNC, a sequência de quedas no ICEC está diretamente associada à percepção negativa dos empresários sobre o ambiente de negócios, especialmente em relação ao custo do crédito e à demanda do consumidor.
Com a taxa Selic ainda em níveis altos — mesmo após cortes recentes —, o financiamento de estoques e investimentos permanece caro. Isso afeta diretamente segmentos como bens duráveis (eletrodomésticos, eletrônicos, móveis e veículos), cuja demanda depende fortemente de crédito.
O levantamento indica que 46% dos varejistas projetam piora na economia brasileira para os próximos seis meses — o maior percentual de pessimismo desde julho de 2020, auge da pandemia.
A CNC destaca que o cenário é de recuo generalizado nos componentes do índice, tanto nas expectativas futuras quanto nas condições atuais e nas intenções de investimento.
Investimentos e contratações em queda
Entre os indicadores avaliados pelo ICEC, a intenção de investir foi uma das que mais recuaram, passando para 99,6 pontos em setembro — abaixo do nível considerado neutro (100 pontos) pela primeira vez desde novembro de 2023. Em relação ao mesmo período do ano passado, a queda é de 4%.
A intenção de contratação de funcionários também apresentou forte retração, passando de 121,1 pontos em junho para 112,3 pontos em setembro, o que representa queda mensal de 4,2% e recuo anual de 5,9%.
Os investimentos em expansão empresarial caíram para 94,7 pontos, refletindo o impacto direto dos juros altos sobre o custo do crédito. Isso mostra que os empresários estão reduzindo planos de crescimento e optando por estratégias mais conservadoras, priorizando a manutenção do caixa.
Setor de bens duráveis lidera a queda na confiança do comércio
O setor de bens duráveis foi o mais afetado pela queda na confiança do comércio. No acumulado de 12 meses, o índice que mede o otimismo desse segmento despencou 13,7%, refletindo a forte sensibilidade do setor às condições de crédito.
Eletrodomésticos, móveis, automóveis e produtos eletrônicos estão entre os principais itens de consumo afetados, já que suas vendas dependem fortemente de parcelamentos e financiamentos.
A CNC ressalta que a tendência de desaceleração nesse setor é um indicador de alerta para o desempenho do varejo no fim de 2025, especialmente com a aproximação das vendas de fim de ano, tradicionalmente o período de maior movimento do comércio.
Expectativas para os próximos meses
O componente de expectativas do ICEC, que mede a visão dos empresários sobre os próximos seis meses, apresentou a maior queda do trimestre: passou de 134,9 pontos em julho para 119,3 pontos em setembro, uma retração de 11,6%. Na comparação anual, o recuo é de 12,9%.
Segundo a CNC, os fatores que mais influenciaram a queda foram:
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Juros altos, que reduzem o poder de compra e encarecem o crédito empresarial;
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Inflação persistente em setores-chave, como alimentação e energia;
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Desaceleração no consumo das famílias;
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Incertezas fiscais e políticas;
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Cautela do empresariado com o cenário global e com a política monetária do Brasil.
Mesmo com a queda gradual da Selic, o impacto do crédito caro ainda será sentido nos próximos trimestres. A entidade alerta que a recuperação da confiança dependerá da melhora consistente dos indicadores de consumo e da estabilidade macroeconômica.
Perspectivas regionais e setoriais
A análise da CNC mostra que o recuo na confiança do comércio foi generalizado entre as regiões do país, mas com intensidade maior no Sudeste e Sul, onde se concentram os grandes centros varejistas e as redes de lojas de bens duráveis.
Já os setores de alimentação e vestuário apresentaram desempenho menos negativo, sustentados por demanda essencial e promoções sazonais.
Em contrapartida, o varejo de luxo e o segmento automotivo seguem sofrendo com o aumento do endividamento das famílias e com as restrições de crédito impostas pelos bancos.
Comparação histórica: a confiança do comércio desde a pandemia
O nível atual do ICEC (95,7 pontos) é o mais baixo desde maio de 2021 (94,7 pontos), período em que o país ainda enfrentava os impactos diretos da pandemia.
Durante o pico da crise sanitária, o índice chegou a mínimas históricas, refletindo fechamento de lojas, queda de consumo e incertezas econômicas. A retomada observada em 2022 e início de 2023, impulsionada pela reabertura da economia e programas de estímulo, agora dá sinais de esgotamento.
A CNC avalia que o comportamento atual dos empresários lembra o cenário de cautela do início da recuperação pós-pandemia, quando a confiança oscilava abaixo dos 100 pontos e o consumo das famílias ainda era contido pela inflação e pelo desemprego.
A influência da política monetária
A manutenção da taxa Selic em níveis elevados é apontada como o principal fator que compromete a confiança do comércio. Apesar de o Banco Central já ter iniciado um ciclo de redução dos juros, a queda lenta não tem sido suficiente para estimular o consumo e reduzir o custo de crédito para as empresas.
De acordo com analistas, a taxa atual ainda representa um freio importante para a atividade econômica, impactando diretamente o varejo e o setor de serviços, que dependem fortemente da disponibilidade de crédito ao consumidor.
Com isso, empresários adiam investimentos em expansão e contratações, o que cria um efeito dominó sobre o emprego e a renda, agravando o pessimismo nas projeções de curto prazo.
Desafios e oportunidades para o comércio em 2025
Apesar do cenário desafiador, a CNC acredita que o comércio pode encontrar oportunidades de recuperação no médio prazo, especialmente com a queda gradual dos juros, o avanço da digitalização do varejo e o fortalecimento das vendas online.
Outros fatores que podem contribuir para uma retomada mais sólida incluem:
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Programas de crédito direcionado para pequenas e médias empresas;
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Aumento da confiança do consumidor com a melhora do emprego formal;
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Maior estabilidade fiscal e previsibilidade nas políticas econômicas;
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Eventos sazonais, como Natal e Black Friday, que tradicionalmente impulsionam as vendas no último trimestre.
Ainda assim, o setor deve manter postura cautelosa até que os indicadores de consumo e crédito apresentem sinais mais consistentes de recuperação.
O comércio pede confiança
O recuo da confiança do comércio em 2025 é um reflexo direto do ambiente de incerteza e das condições macroeconômicas restritivas. O resultado de 95,7 pontos no ICEC acende um alerta para o governo e para o setor privado sobre a necessidade de estímulos econômicos sustentáveis e redução dos custos de crédito.
Sem uma política de incentivo clara, o país pode ver uma desaceleração mais prolongada do consumo e do investimento, comprometendo o ritmo de recuperação econômica.
Em um cenário em que confiança é o principal combustível para o comércio, restaurar o otimismo dos empresários será fundamental para retomar o crescimento e reaquecer o mercado interno nos próximos meses.






