A delação premiada de Mauro Cid e os impactos nos inquéritos contra Jair Bolsonaro
A delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência da República durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), trouxe à tona uma série de revelações que impactaram diretamente as investigações contra o ex-presidente. O acordo, firmado em setembro de 2023, se tornou um divisor de águas nos inquéritos, especialmente no chamado “inquérito do golpe”. Com detalhes fornecidos pelo militar, o cenário político brasileiro enfrentou novos desdobramentos e intensas controvérsias.
O papel de Mauro Cid no governo Bolsonaro
Entre 2018 e 2022, Mauro Cid atuou como uma espécie de braço-direito de Bolsonaro, desempenhando funções que iam além de um simples ajudante de ordens. Seu acesso privilegiado às agendas oficiais e reuniões confidenciais da Presidência o colocaram em uma posição estratégica, tornando-o uma fonte valiosa para os investigadores após o acordo de colaboração premiada.
Com as declarações de Mauro Cid, a Polícia Federal (PF) reuniu novos elementos para dar seguimento às apurações sobre um plano golpista que teria sido elaborado após as eleições de 2022. A delação também revelou a existência de diferentes facções no círculo próximo ao ex-presidente, cada uma sugerindo estratégias distintas para lidar com a derrota nas urnas.
O “inquérito do golpe” e as revelações da delação
O ponto central da delação premiada de Mauro Cid foi o detalhamento do chamado “inquérito do golpe”. Segundo o militar, houve uma reunião entre Bolsonaro e os comandantes das Forças Armadas – Marco Antônio Freire Gomes (Exército), Carlos de Almeida Baptista Junior (Aeronáutica) e Almir Garnier Santos (Marinha) – para discutir a possibilidade de uma intervenção militar. Essa reunião teria utilizado como base uma versão da “minuta do golpe”, que pretendia legitimar juridicamente a anulação do resultado eleitoral.
As informações fornecidas por Mauro Cid não são, por si só, suficientes para condenar os envolvidos, já que a lei brasileira exige que delações sejam corroboradas por outras provas. No entanto, as declarações serviram como ponto de partida para novas investigações, que resultaram em indiciamentos e prisões de pessoas ligadas ao ex-presidente.
O envolvimento de Filipe Martins e outros aliados
Entre as acusações mais graves de Mauro Cid está a conexão do ex-assessor especial Filipe Garcia Martins com o rascunho de um decreto que previa novas eleições e a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), como Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, além do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Filipe Martins chegou a ser preso em fevereiro de 2024, durante a Operação Tempus Veritatis.
Além disso, a delação destacou divergências entre aliados de Bolsonaro sobre como reagir à derrota eleitoral. Segundo Mauro Cid, esses grupos se dividiam em conservadores, moderados e radicais, sendo que os últimos defendiam medidas extremas, como a tentativa de invalidar o pleito sob alegação de fraude nas urnas ou até mesmo o uso de força armada.
O impacto nas investigações e prisões subsequentes
As informações de Mauro Cid também implicaram o general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro em 2022. Segundo o delator, Braga Netto teria financiado um plano para eliminar figuras-chave do governo atual, como o ministro Alexandre de Moraes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o vice-presidente Geraldo Alckmin.
Essas acusações culminaram na prisão de Braga Netto no final de 2024, um desfecho que evidencia a profundidade das investigações. A Polícia Federal chegou a ameaçar rescindir o acordo de colaboração de Mauro Cid, alegando que ele estaria omitindo informações. Sob pressão, o militar prestou novos depoimentos diretamente ao ministro Alexandre de Moraes, reforçando as acusações contra Braga Netto e outros envolvidos.
A defesa de Bolsonaro e de seus aliados
Os advogados de Jair Bolsonaro criticaram os vazamentos de informações da delação, alegando que as investigações seguem um modelo “semissecreto”, prejudicando o direito à ampla defesa. Em nota, a defesa reiterou sua indignação com o que chamou de “vazamentos seletivos” e apontou que o sigilo das investigações estaria sendo desrespeitado.
Por outro lado, alguns dos acusados também se manifestaram. O senador Magno Malta, por exemplo, negou ter incentivado qualquer golpe de Estado e afirmou que suas interações com Bolsonaro após as eleições se limitaram a momentos de consolo e orações. O senador Jorge Seif, por sua vez, classificou as acusações como “falaciosas” e “mentirosas”.
As consequências políticas e judiciais
A delação premiada de Mauro Cid adicionou novas camadas à crise política enfrentada por Jair Bolsonaro e seus aliados. Com as revelações, o ex-presidente se viu ainda mais pressionado pelas investigações em curso, que incluem acusações de abuso de poder, tentativa de golpe e outros crimes contra a democracia.
A repercussão da delação também levantou questionamentos sobre a transparência e os limites do uso desse instrumento jurídico. Embora essencial para o avanço de investigações complexas, a delação premiada exige cautela para garantir que não se baseie em depoimentos sem provas materiais que os sustentem.
A delação de Mauro Cid representa um marco nas investigações contra Jair Bolsonaro e seu círculo político. As informações reveladas aprofundaram as apurações sobre um possível plano golpista e destacaram divisões internas entre os aliados do ex-presidente. Com desdobramentos ainda em andamento, o impacto total das declarações de Mauro Cid só será conhecido nos próximos capítulos dessa crise política.