O Banco Central deve começar a baixar os juros em agosto ou um pouco mais tarde, mas a política fiscal deve impor freios no ciclo de relaxamento. É o que opinaram o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore e o ex-diretor do BC José Julio Senna, em um evento na sexta-feira.
“Quando [o BC] tiver terminado o trabalho, o juro ainda vai estar muito alto”, disse Pastore, sócio da consultoria Pastore & Associados, no Seminário Anual de Política Monetária, organizado pela FGV Ibre em parceria com o Valor. “Quero saber como o Brasil cresce com essa política fiscal.”
“Não sei se vai cair exatamente em agosto, mas algum afrouxamento vai acontecer”, afirmou Senna, diretor do Centro de Estudos Monetários da FGV Ibre. “Imagino que cairá num ritmo modesto, justamente por causa da incerteza. Lá na frente, é muito provável que a gente venha a ter problemas com o fiscal.”
Também ex-diretor do BC, o economista Eduardo Loyo disse que o comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) é menos conservador do que muitos analistas julgam e não exclui a possibilidade de o ciclo de distensão começar já em agosto.
“Se eu fosse um dirigente do Banco Central e estivesse seriamente contemplando a possibilidade de cortar os juros em agosto, esse comunicado seria exatamente o que teria escrito”, disse Loyo, sócio e conselheiro do BTG Pactual.
Pastore preferiu concentrar a discussão não exatamente em quando o Copom pode começar a baixar os juros, mas sim até onde a Selic, hoje em 13,75% anuais, poderá ser reduzida. Mas arriscou que o início da distensão não ocorre em agosto: “Não começa em agosto, mas alguma hora começa.”
Para ele, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, não são será capaz de levar os juros para uma taxa de cerca de 2% reais ao ano, como fez o seu antecessor, Ilan Goldfajn. Os dois momentos são muito parecidos: a inflação chegou aos dois dígitos e a taxa de juros foi elevada para o entorno de 14% ao ano.
A dificuldade de Campos entregar juros baixos, argumenta, não tem nada a ver com a qualidade do trabalho desempenhado pelo Banco Central. O problema é que no governo Temer havia uma política fiscal mais sólida, o que não é o caso agora.
O desarranjo fiscal, diz, se manifesta tanto na expansão da demanda do governo quanto nos prêmios de risco – o que se traduz em uma taxa de juro neutra mais elevada. “Tem um erro crasso de política fiscal, não com o BC.”
Senna reconheceu que a política fiscal é uma incerteza importante, que faz o Banco Central “operar no escuro”. “O arcabouço fiscal, desenhado como está, não fica em pé”, afirma. “Mas não se sabe quanto tempo leva para todos caírem na real, se leva seis meses, um ano ou mais.”
Mas ponderou: faz parte do trabalho dos bancos centrais tomar decisões em ambiente de incerteza. “Se esperar os grandes problemas desaparecerem, não vai reduzir nunca o juro”, disse. “Então acho que alguma coisa vai reduzir, mas será sempre modesto, diante dessa incerteza fiscal.”
Loyo, por outro lado, considera que o fato de o Banco Central não ter sinalizado literalmente um corte de juro em agosto não significa que não possa, de fato, baixar. “Não é normal que um banco central esteja sempre decidindo de véspera”, afirmou. O importante, afirma, é que o comunicado “foi muito libertador das possibilidades de decisão”.
O Banco Central listou seis fatores que vai examinar para decidir sobre uma eventual baixa, incluindo núcleos de inflação e ociosidade da economia. “Se não bastasse todos os graus de liberdade de uma lista extensa de itens, um deles é um curinga: o balanço de riscos, que é o elemento mais subjetivo de todos”, disse.
Para Senna, a confirmação da meta de inflação de 3% nesta semana pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) poderia criar um ambiente favorável para baixar o juro mesmo em agosto. Todos os três economistas defenderam que 3% é a meta ideal para o Brasil. Loyo se disse agnóstico sobre aumentar o intervalo de tolerância, atualmente de 1,5 ponto percentual, desde que esse não seja um artifício para mirar um teto da meta mais alto. Também se disse tecnicamente favorável a adotar uma meta contínua, mas com prestação de contas anualmente para evitar que seja uma forma de adiar sucessivamente o seu cumprimento.
Pastore disse que a discussão da meta foi posta como uma forma de ataque à instituição Banco Central. “Espero que o CMN tenha a decisão racional de manter a meta e o intervalo, ainda que faça de meta contínua”, disse. “Os economistas têm que ter coragem de dar um grito em defesa de uma instituição que esta fazendo exemplarmente o seu trabalho. Isso não é conduta que um estadista deveria ter.”