Recentes decisões do Judiciário e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) têm anulado autos de infração da Receita Federal que cobram IOF sobre operações de aportes de capital. Por entender que se trata de um empréstimo (mútuo), o Fisco aplica a alíquota de 0,041% ao dia do valor principal do contrato.
São casos de empresas que fazem o chamado Adiantamento Para o Futuro Capital (Afac) – medida comumente adotada por acionistas ou cotistas em momentos estratégicos para a companhia.
Mas, segundo juízes, desembargadores e conselheiros, a incidência do imposto deve ser afastada, se ficar comprovado que a operação resultou em aumento de capital. Ou seja, que se trata de Afac e não de mútuo.
Geralmente, o Afac é usado para aumentar o capital social ou atender demandas do fluxo de caixa das companhias. Não incide IOF sobre esse tipo de operação.
Não existe base legal para impor prazo de 120 dias para aumento de capital”
— Caio Malpighi
Nos processos, o Fisco alega que a capitalização deve estar documentada “por instrumentos formais irrevogáveis dos acionistas, cotistas e órgãos diretivos da empresa”. O órgão destaca também que o adiantamento de recursos passa a ter natureza de mútuo, se não houver capitalização no prazo de 120 dias, conforme o Parecer Normativo CST n° 17, de 1984.
As empresas têm recorrido ao Carf e ao Judiciário para derrubar essas autuações. Argumentam que se trata de Afac, demonstrando que houve aumento de capital. Apontam ainda que não há lei que imponha a formalização da operação em até 120 dias.
Em decisão recente da 3ª Seção de Julgamento, da 3ª Câmara, da 1ª Turma Ordinária do Carf, os conselheiros entenderam que se tiver demonstrado que os recursos repassados representavam realmente um pagamento de Afac, não se caracteriza operação de crédito, afastando-se o fato gerador do IOF. A decisão foi proferida pela maioria dos votos (processo nº 19515.720054/2019-31).
O caso envolve uma holding cujas empresas investidas atuam no setor de logística, principalmente no transporte ferroviário de carga e operações portuárias. A empresa foi autuada em 2019 por não recolhimento de IOF, acrescido de juros de mora à taxa Selic e multa de ofício de 75%, totalizando um crédito tributário de R$ 82,1 milhões (valor atualizado até janeiro de 2019).
A fiscalização identificou na contabilidade de 2014 da empresa cerca de R$ 3 bilhões classificados como “Afac”, cujos aportes foram destinados para duas sociedades controladas. A empresa considerou os aportes como operações societárias, mas a fiscalização enquadrou como operações de crédito.
A relatora, conselheira Semíramis de Oliveira Duro, ao analisar o caso, contudo, apontou haver decisões no Carf no sentido de que o Parecer Normativo CST nº 17/1984 foi revogado pela Instrução Normativa da Receita nº 79, de 2000 (acórdão n° 3301-005.530). “Isso porque não há norma específica que imponha prazo para a capitalização do Afac”, diz no voto.
Nesse mesmo sentido, existem decisões judiciais recentes a favor das companhias. Uma delas, da 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), que, por maioria, beneficiou uma distribuidora de energia elétrica.
De acordo com o relator, desembargador Paulo Roberto de Oliveira Lima, o tema já foi enfrentado no TRF, em caso análogo (processo n° 0000966-12.2011.4.05.8500). Nele, ficou decidido que não é obrigatória a comprovação do Afac por meio de celebração de contrato escrito, “podendo ser demonstrado por meio de registro nas escrituras fiscais da empresa”.
O relator ainda destacou que, se não tiver autorização no estatuto para o aumento do capital, deve ser realizada assembleia geral extraordinária, sem que exista prazo para acontecer. Ele se baseou no artigo 166, inciso II e artigo 168 da Lei nº 6.404, de 1976, e na legislação societária (processo nº 0003666-24.2012.4.05.8500).
Assim, a maioria dos desembargadores manteve sentença que excluia o pagamento de IOF de dois aportes feitos pela empresa e transferidos às sociedades controladas: um de R$ 105,2 milhões e outro de R$ 270,9 milhões. Somente mantiveram a incidência de IOF sobre os valores que retornaram ao patrimônio da empresa, correspondentes a R$ 4,4 milhões.
O advogado Maurício Faro, do BMA Advogados, afirma que as empresas nessa situação têm vencido a disputa no Judiciário. Ele diz que as decisões recentes do Carf também tendem a ser favoráveis a elas. “As decisões são importantes porque confirmam que trata-se de Afac, ao existir esse aumento de capital, e que não pode ser considerada como operação de mútuo, ainda que não cumpra esse prazo de 120 dias para a formalização”.
A decisão recente do Carf deixa claro que não existe base legal para impor esse prazo de 120 dias, segundo Caio Malpighi, tributarista do VSBO Advogados. Nesses casos, diz ele, o que importa é a empresa comprovar que realmente houve aumento de capital, ainda que isso não tenha sido formalizado. “Nesse caso, não há como se falar em operação de mútuo”, afirma.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou, por meio de nota ao Valor, que a análise dos casos no Carf é feita a partir das circunstâncias e elementos de fato de cada processo. “Trata-se de tema controverso, tanto que precedentes recentes da 3ª Turma da CSRF [Câmara Superior de Recursos Fiscais] terminaram com votação empatada”, diz.
A PGFN ainda destaca na nota que “no acórdão 9303-009.825, a decisão foi favorável à Fazenda Nacional, por voto de qualidade, mantendo-se a exigência de IOF e, nos acórdãos 9303-012.913 e 9303-012.909, houve empate na votação e o resultado foi favorável aos contribuintes por causa do artigo 19-E da Lei nº 10.522/2002 da [regra de desempate a favor do contribuinte]”.