O Que Está Acontecendo com o Mercado de Ações Brasileiro?
O mercado de ações brasileiro tem enfrentado um cenário desafiador em 2024, mesmo com previsões otimistas de diversas instituições financeiras no início do ano. Analistas de grandes bancos como Santander Brasil, Bradesco BBI, Bank of America e Itaú BBA esperavam que o índice Ibovespa tivesse uma alta significativa, aproveitando-se de fatores como a desaceleração econômica dos Estados Unidos e valuations atraentes no Brasil. Contudo, o Ibovespa não apenas falhou em atender às expectativas, como também figura entre os piores desempenhos do mundo. Este artigo analisa os principais motivos que explicam o desempenho negativo das ações brasileiras e os fatores que estão afetando o mercado.
O Cenário Econômico Global e Local
O início do ciclo de flexibilização do Federal Reserve (Fed), banco central dos Estados Unidos, era visto como o principal catalisador para a recuperação do mercado acionário brasileiro. Com a expectativa de cortes nas taxas de juros dos EUA, muitos acreditavam que investidores internacionais buscariam mercados emergentes, como o Brasil, em busca de retornos mais elevados. Contudo, o cenário interno se sobrepôs às previsões otimistas. O aumento nos gastos do governo brasileiro, combinado com uma postura agressiva do Banco Central para conter a inflação, tem sido um dos principais fatores que afasta investidores das ações brasileiras.
Atualmente, a taxa Selic está em 10,75%, uma das mais altas entre os mercados emergentes, o que tem desestimulado a compra de ações e redirecionado investidores para aplicações de renda fixa. A alta nos juros eleva os retornos de títulos públicos e outros ativos de renda fixa, oferecendo retornos de dois dígitos com pouco risco, enquanto o mercado acionário permanece incerto.
Impacto das Taxas de Juros no Mercado de Ações
As elevadas taxas de juros no Brasil têm sido apontadas como um dos maiores obstáculos para o mercado acionário. A alta da Selic não apenas desestimula os investidores locais, como também afasta os estrangeiros, que veem maior segurança e retorno na renda fixa. De acordo com Josh Rubin, gestor na Thornburg Investment Management, “não há razão para comprar ações”. Essa falta de atratividade é refletida no desempenho do Ibovespa, que caiu 2,7% no ano, ficando entre os 10 piores desempenhos do mundo. Em termos de dólares, a queda foi ainda mais acentuada, com uma baixa de 17%.
Comparativamente, o índice MSCI Emerging Markets, que representa mercados emergentes, teve um avanço de 16% no ano, e o índice S&P 500, que reúne as 500 maiores empresas dos Estados Unidos, registrou um retorno superior a 22%. A dinâmica do mercado brasileiro deve continuar desfavorável, com traders apostando em novos aumentos da Selic, enquanto outros países emergentes, como o México, estão em ciclos de queda nas suas taxas de juros.
Desvalorização das Ações Brasileiras
Os valuations das ações brasileiras estão em níveis historicamente baixos. O Ibovespa está sendo negociado a 7,7 vezes o lucro estimado, enquanto o índice MSCI de ações de mercados emergentes opera a 12,2 vezes. Essa diferença de 5,3 pontos representa o maior desconto em uma década. Apesar das ações estarem baratas, os investidores continuam hesitantes em relação ao mercado de ações brasileiro.
Nikolaj Lippmann, estrategista-chefe de ações para a América Latina do Morgan Stanley, afirma que essa situação continuará até que o país consiga reduzir suas taxas de juros. “As ações estão muito baratas e têm sido assim há muito tempo”, comenta ele. Contudo, a combinação de política fiscal expansionista e aumento de juros forma um cenário em que as ações brasileiras continuam pouco atrativas, mesmo com valuations baixos.
O Papel do Governo na Crise do Mercado de Ações Brasileiro
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem enfrentado críticas pela falta de medidas para atrair investidores ao mercado de ações. Desde o início de sua gestão, o aumento dos gastos públicos e o adiamento de reformas orçamentárias essenciais têm contribuído para o crescimento do déficit fiscal, atualmente em torno de 10% do PIB. Além disso, a inflação no país deve exceder a meta de 3% do Banco Central até 2027, segundo previsões de analistas.
Essa política fiscal expansionista não só aumenta o déficit público, como também pressiona o Banco Central a manter taxas de juros elevadas para conter a inflação. Ben Laidler, chefe de estratégia de ações do Bradesco BBI, ressalta que “o Brasil é a única grande economia do planeta aumentando as taxas de juros, o que impede as pessoas de comprarem ações. Segundo ele, caso o governo conseguisse controlar os gastos públicos e reduzir as taxas de juros, haveria um influxo de capital no mercado de ações brasileiro.
Retrações no Mercado de Ações Brasileiro
Outro indicativo do cenário negativo no Brasil foi o fracasso da primeira oferta pública inicial (IPO) do país em três anos. A Moove, subsidiária da holding Cosan, cancelou sua oferta citando “condições de mercado adversas”. Isso reflete a falta de confiança dos investidores no mercado brasileiro, que continua sofrendo com a volatilidade e a incerteza.
Além disso, os fundos de investimento locais têm reduzido suas alocações em ações. Segundo dados compilados pelo Bank of America, as alocações em ações caíram para 8,6%, próximo ao nível mais baixo em sete anos. No mercado externo, os investidores estrangeiros retiraram R$ 1,6 bilhão do mercado de ações em setembro, seguido por uma nova retirada de R$ 2,06 bilhões até o início de outubro. A fuga de capitais é um reflexo da falta de confiança no mercado brasileiro, que é visto como arriscado e orientado para o curto prazo.
Perspectivas para o Futurodo Mercado de Ações Brasileiro
Apesar do cenário desafiador, alguns analistas ainda mantêm otimismo em relação ao futuro das ações brasileiras. Aline Cardoso, chefe de pesquisa de ações para o Brasil no Santander, acredita que o estímulo da China e a redução das taxas de juros nos Estados Unidos podem impulsionar o mercado interno. Contudo, ela destaca que essa recuperação depende de o governo brasileiro controlar os gastos e adotar medidas que desacelerem o ritmo de crescimento do déficit fiscal.
Por outro lado, a tendência é que o mercado continue travado pelas altas taxas de juros. Os investidores, tanto locais quanto estrangeiros, devem continuar evitando o mercado de ações em favor da renda fixa, a menos que haja mudanças significativas na política econômica do governo.
O mercado de ações brasileiro tem enfrentado um ano de desafios, com altas taxas de juros, política fiscal expansionista e fuga de capital estrangeiro. A combinação desses fatores criou um ambiente hostil para o mercado acionário, que figura entre os piores desempenhos globais. Embora as ações estejam baratas, o cenário econômico e político do Brasil precisa de ajustes significativos para restaurar a confiança dos investidores e possibilitar uma recuperação sustentável.