O motim do grupo Wagner em território russo neste sábado (14) demonstrou grande enfraquecimento do poder e da figura do presidente Vladimir Putin na Rússia, avaliam especialistas em entrevista ao Valor.
O movimento, que beirou o risco de um conflito civil, deixa agora uma brecha para que o kremlin reafirme sua soberania — o que implica o risco de um contragolpe.
As forças paramilitares Wagner, formadas por ex-soldados mercenários com apoio russo, têm atuado junto às tropas do governo na guerra contra a Ucrânia. Na madrugada de sexta-feira para sábado, contudo, o grupo iniciou um levante rumo a Moscou, após o líder Yevgeny Prigozhin acusar o governo russo de um ataque contra seus acampamentos.
Além disso, o grupo mercenário alega dificuldades no front e afirma que munição e recursos financeiros não estariam sendo entregues. Prigozhin também diz que as baixas do lado russo seriam dez vezes maiores do que os números oficiais, informação que a Rússia nega.
Na tarde deste sábado, após um dia de intensas movimentações e ameaças, Prigozhin determinou que as forças paramilitares voltassem para as suas bases. A ordem foi dada para evitar um “derramamento de sangue”, conforme relataram agências de notícias internacionais.
De acordo com os especialistas ouvidos pelo Valor, a rápida tomada da cidade estratégica de Rostov e o apoio de parte da população — que levava água e alimentos para membros do Grupo Wagner, segundo vídeos e imagens divulgados — demonstram que a base de Putin não é tão sólida quanto se acreditava à primeira vista. Eles citam ainda que os grupos opositores ganharam espaço em canais do Telegram, rompendo o monopólio de narrativas do regime.
Aceleração do declínio
“As últimas 24 horas representam um processo de aceleração do declínio do poder de Putin”, afirma Eduardo Viola, pesquisador sênior no IEA-USP e professor de Relações Internacionais na FGV. Ele explica que, independentemente do desfecho, Putin sai fragilizado.
O especialista em política da Rússia e conflitos em ex-repúblicas soviéticas, Vicente Ferraro, doutor em ciência política pela USP, reforça que o enfraquecimento de Putin se mostra, sobretudo, na rapidez com que ocorreram as ofensivas. Ele observa que, apesar de ter sido conduzido por um grupo paramilitar, o movimento do Grupo Wagner é típico de golpes militares, que começam com a chamada “estratégia do primeiro passo”.
“Um grupo dá um primeiro passo e espera a resposta das demais alas e forças de segurança do Estado, que ou se unem ou reagem. Apesar de não termos visto grupos militares se unindo a Prigozhin, não vimos também uma grande resistência, com uma facilidade deste grupo de se deslocar pela Rússia”, diz Ferraro.
Ele destaca que as forças Wagner chegaram a cerca de 400 quilômetros de Moscou e que as elites políticas e os propagandistas do governo ficaram visivelmente apreensivos com a movimentação, conforme observado em canais de comunicação oficiais e em redes sociais. Um desses indicativos foi a declaração de feriado em Moscou na segunda-feira (26) e a suspensão de atividades ao ar livre.
Na avaliação de Amanda D’Ávila, mestre e especialista em companhias militares privadas, a principal ameaça do Grupo Wagner está no uso da força, que ameaça a soberania russa. Ela destaca que, pelo tipo de serviço que desempenham e por seu crescimento nos últimos anos, essas forças mercenárias têm um contingente de soldados e de recursos que podem fazer frente à Rússia do ponto de vista militar.
“Se um Estado perde o monopólio da força e há outro grupo reclamando o uso da violência para si, isso demonstra fraqueza do Estado dentro do seu próprio território. Essa é a principal ameaça que a Rússia está enfrentando e que deve combater se quiser reafirmar seu status como soberana”, afirma.
De acordo com os especialistas, os próximos passos ainda são incertos. A principal dúvida agora é se Putin fará alguma concessão para atender às demandas ou se vai reprimir as forças paramilitares.
Eles avaliam que, com o recuo de Prigozhin, o risco de uma guerra civil ou de um golpe de Estado não estão mais em jogo — pelo menos por enquanto. O risco de um contragolpe, por outro lado, ainda é plausível, aos moldes do ocorrido na Turquia em 2016, quando o regime de Recep Erdogan se firmou no poder em um contragolpe e endureceu a repressão no país.
24/06/2023 19:25:59