O Brasil tem hoje 138,3 mil escolas públicas. Desse total, 8,3 mil (6%) ainda não têm acesso gratuito à internet banda larga, sendo que 4,6 mil (3,3%) sequer têm oferta de energia elétrica, conforme informações do Ministério das Comunicações. No horizonte de políticas para tecnologia educacional, começam a surgir sinais de mudança.
Durante evento realizado em São Paulo na última semana, o ministro das Comunicações Juscelino Filho afirmou que o programa de conectividade para escolas públicas ser anunciado em agosto deve integrar o novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), iniciativa do governo federal para investimentos em áreas como transportes, infraestrutura social, inclusão digital e conectividade, infraestrutura urbana, água e transição energética. Segundo o site Teletime, além das escolas, o plano do governo também inclui a oferta de conectividade para postos de saúde próximos às unidades de ensino.
Mas como garantir eficiência neste investimento? O que os acertos e erros do passado trazem de aprendizado? As escolas públicas brasileiras não estão conectadas de forma significativa à internet. Muitas delas possuem conexão, mas a internet não está disponível para a aprendizagem. E mudar esse cenário demanda atenção a conceitos chave, tais como:
1) Coordenação de recursos e programas de tecnologia
Não se trata apenas de disponibilidade de sinal. Em muitos casos, a qualidade da conexão nas escolas é muito inferior ao que seria desejável para a utilização de tecnologias de informação com objetivos educacionais, como mostra o estudo “Conectividade para escolas no Brasil: propostas para o desenho de um modelo eficiente de aplicação de recursos de universalização”.
Produzido pela FGV Direito SP e pela organização sem fins lucrativos MegaEdu, o relatório destaca uma janela de oportunidade para o desafio de conectividade de escolas. Thomaz Galvão, gerente da MegaEdu, ressalta a importância da priorização, do desenho e da visibilidade de políticas para endereçar o desafio de conectividade nas escolas de maneira adequada. O desafio de conectividade contempla uma tecnologia de acesso à internet de qualidade (por exemplo fibra ótica), um pacote de internet de alta velocidade, dispositivos de sinal Wi-Fi para ambientes de pedagógicos e dispositivos para uso dos estudantes. É importante que as políticas públicas sejam coordenadas para garantir conectividade de qualidade para todas as escolas, e para isso uma boa governança é fundamental.
Como atualmente coexistem iniciativas voltadas à tecnologia educacional, como a Lei 14.172/21 (para investimento no acesso à internet, com fins educacionais, a alunos e a professores da rede pública), os recursos provenientes do leilão do 5G e do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), o desafio a partir de agora é coordená-las para que não haja sobreposição e gestores não direcionem os recursos para compra de um mesmo tipo de equipamento ou serviço, deixando outros setores descobertos.
2) Construção de uma visão clara sobre o uso de tecnologia
Com novos recursos, outro imperativo é associar o uso da tecnologia à visão pedagógica das redes de ensino. Isso deve ser feito para que o investimento em computadores, tablets e materiais pedagógicos não seja feito sem uma intencionalidade pedagógica, como aconteceu no início dos anos 2000, durante a criação de programas de tecnologia para promover a inclusão digital em escolas. Por educadores não saberem incorporar esses dispositivos nas atividades educacionais, muitos ficaram sem uso e se tornaram obsoletos.
Definir essa visão significa entender os reflexos da pandemia de Covid-19 na educação. “A pandemia ajudou na aproximação da tecnologia com a educação. Só que foi uma aproximação traumática. Professores tiveram que lidar com computador porque era a única saída. Quando volta para aula presencial, eles não querem adotar (em suas aulas) porque isso traz gatilhos mais negativos do que positivos para a ampla maioria”, diz Gustavo Bonafé, presidente-executivo do Ativamente, ecossistema de tecnologia para escolas públicas presente em diferentes municípios do país, que abrange formação de professores, oferta de tecnologia e material didático.
Para Gustavo, a tradução dessa visão em ações práticas também depende de arranjos de equipes dentro da secretaria. “Quando o município está estruturado e tem uma equipe para cuidar da integração da tecnologia com a educação, com profissionais específicos para trabalhar o uso dessas tecnologias em parceria com o professor, o jogo começa a virar”, afirma.
Segundo ele, casos nos quais kits de robótica são subutilizados se devem ao fato de que nem sempre recursos didáticos e formação são suficientes no dia a dia do professor. Para Gustavo, também é fundamental ter a figura de um integrador que apoia o professor. “Não se trata de ‘escantear’ o professor, porque é ele quem conhece a turma e sabe o que cada aluno precisa.”
Segundo Thomaz Galvao, da MegaEdu, o desenvolvimento de uma visão sobre tecnologia nas escolas envolve um diagnóstico associado à visão e aos objetivos pedagógicos da rede de ensino, o que inclui o currículo e a forma com que suas escolas trabalham. “Não é só o uso da tecnologia pelo uso da tecnologia. Isso tem que estar dentro da construção da política pedagógica, da escola e do olhar para o currículo que a rede tem”. Para uma visão compreensiva sobre tecnologia nas escolas, ele lembra que é necessário investir em formação de professores e recursos educacionais.
3) Foco na conectividade significativa e na aprendizagem significativa
Outro ponto importante que vai estar presente com mais frequência nos documentos oficiais de programas de tecnologia para a educação diz respeito à conectividade significativa, que tem como objetivo proporcionar aprendizagens igualmente significativas, a partir de atividades práticas e teóricas que levem ao uso crítico da tecnologia. Daniela Costa, coordenadora da pesquisa TIC Educação, do Cetic.br (Departamento do NIC.br – Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR) explica que conectividade significativa é um conceito que ganhou espaço nos últimos anos como uma forma de facilitar a compresão do que é inclusão ou exclusão digital.
“Perguntas como ‘possuir um celular com acesso à internet significa inclusão digital?’ levaram pesquisadores a elaborarem métricas e padrões que permitem mensurar o tipo de acesso que as pessoas possuem e o nível de apropriação das tecnologias e dos conteúdos que tal acesso permite, realizando um aprofundamento sobre as desigualdades enfrentadas pelos indivíduos”, afirma Daniela.
Mais recentemente, enumera a coordenadora da TIC Educação, documentos como os elaborados pela Alliance for Affordable Internet (um consórcio internacional) trouxeram parâmetros mínimos, como: a posse de um dispositivo com capacidade para acesso à internet e armazenamento de conteúdos, além de conexão de banda larga, que permita o uso de dados e o acesso diário da rede.
No entanto, principalmente no período pós-pandemia, tais parâmetros passaram a incorporar outras variáveis. A UIT (União Internacional de Telecomunicações) considera que os níveis de habilidades digitais e o acesso a recursos e competências relacionados à cibersegurança, variáveis relevantes para impactar o uso que os indivíduos fazem das tecnologias e os benefícios que podem extrair delas. Já o Banco Mundial, durante o Development Committee Meeting, realizado em abril de 2022, incorporou o desenvolvimento de habilidades digitais e o nível de confiança das pessoas nas tecnologias.
De acordo com Daniela, ao refletir sobre esse conceito ampliado de conectividade significativa, “é perceptível o papel que as escolas desempenham na disseminação de conhecimentos e no desenvolvimento de teorias e tecnologias que promovam tais habilidades digitais. Por outro lado, esse conceito ampliado de conectividade significativa ajuda a refletir também sobre a apropriação desses recursos na área educacional, uma vez que a conectividade significativa na educação abrange também a promoção de processos de ensino e de aprendizagem significativos”.
A representante do Cetic recomenda que, em paralelo ao aprimoramento da infraestrutura das escolas e do seu entorno para receberem acesso à internet ou para terem seu acesso expandido, é necessário auxiliar gestores, educadores e estudantes a usufruírem desses recursos com a promoção de habilidades digitais, com a seleção de recursos que primem pelos direitos digitais, como a proteção à privacidade, e com a disseminação do pensamento crítico, o que pode envolver atividades realizadas por meio das e sobre as tecnologias.
Outro aspecto relevante para a promoção de processos de ensino e de aprendizagem significativos, segundo Daniela, é a oferta de recursos educacionais digitais aos professores e estudantes para que possam elaborar atividades e projetos educacionais mais efetivos. “A participação da comunidade educacional na seleção de tais recursos é um aspecto relevante para a sua melhor apropriação nas atividades educacionais”, afirma. O desenvolvimento de recursos educacionais pelas próprias escolas e o seu compartilhamento com outras instituições educacionais pode também ser uma alternativa, uma vez que promove a iniciativa das instituições.
Para a elaboração de políticas mais efetivas, e que não repitam os erros do passado, Daniela ressalta ser importante conhecer a realidade das escolas e suas comunidades para que consigam efetivar o direito de acesso à educação para os estudantes – tais desafios são os principais obstáculos às políticas educacionais. “Garantir que a escola seja um espaço seguro, no qual as crianças e os adolescentes se sintam acolhidos, respeitados e estimulados a aprender é a base para melhorar os níveis educacionais. Isso envolve, entre outros diversos fatores, também a construção de projetos realizados por meio de tecnologias digitais”, conclui.