Governo estuda taxação da energia solar e gera alerta no setor sobre risco de retrocesso ambiental e econômico
Brasília – O debate em torno da taxação da energia solar voltou a ganhar força no Congresso Nacional após o envio de uma carta conjunta de oito entidades do setor elétrico pedindo mudanças na Medida Provisória (MP) 1.304/2025. O documento sugere que milhões de consumidores que produzem a própria energia por meio de painéis solares passem a contribuir financeiramente com os custos provocados pelos cortes de geração nas grandes usinas.
O tema reacende uma disputa entre o modelo tradicional centralizado de geração elétrica e o novo paradigma descentralizado, baseado na micro e minigeração distribuída (MMGD), responsável por uma das maiores transformações energéticas da história do Brasil.
Crescimento recorde e o novo impasse
O Brasil ultrapassou a marca de 3 milhões de consumidores com sistemas de energia solar instalados em residências, comércios e propriedades rurais. A expansão rápida da tecnologia fotovoltaica permitiu a redução de custos na conta de luz e impulsionou a criação de mais de 1,5 milhão de empregos diretos e indiretos.
Entretanto, esse crescimento acelerado trouxe desafios à estrutura tradicional do setor elétrico. Segundo entidades como a Abradee, ABEEólica, Abrace, Abrage e Apine, a geração solar distribuída estaria comprometendo a estabilidade financeira e a previsibilidade dos investimentos nas grandes geradoras e distribuidoras.
Essas instituições defendem que, mesmo quem produz energia limpa, deve participar do custeio de encargos e compensações relacionados aos cortes de geração – interrupções temporárias impostas pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) quando há excesso de energia ou limitações na rede de transmissão.
O que propõe a MP 1.304/2025
A Medida Provisória 1.304/2025 redesenha regras do sistema elétrico e inclui dispositivos que podem abrir caminho para uma nova taxação da energia solar. Entre os principais pontos em discussão estão:
-
Compensação financeira a grandes geradoras eólicas e solares pelos cortes impostos pelo ONS.
-
Redefinição de encargos e subsídios aplicados à micro e minigeração distribuída.
-
Criação de mecanismos de armazenamento de energia como alternativa aos períodos de sobreoferta.
-
Revisão do modelo de créditos de energia, que hoje permite abatimento integral para quem injeta excedentes na rede.
A proposta dividiu o setor e colocou em lados opostos as entidades tradicionais e as organizações defensoras da energia fotovoltaica, como a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSolar).
Reação da ABSolar: “Taxar o consumidor é punir quem investe em energia limpa”
Para a ABSolar, a taxação da energia solar representa um retrocesso que desestimula investimentos, ameaça empregos e desvaloriza o esforço do cidadão em adotar práticas sustentáveis.
A entidade argumenta que os cortes de geração são consequência de falhas de planejamento e infraestrutura, e não responsabilidade dos microgeradores. Além disso, afirma que a energia solar é uma das poucas fontes verdadeiramente democráticas, acessível a consumidores de todas as classes sociais.
Segundo a associação, penalizar o pequeno produtor seria comprometer a transição energética e colocar em risco mais de 30 mil empresas instaladoras que movimentam a cadeia produtiva de equipamentos solares no país.
Entenda o que são os cortes de geração
Os chamados cortes de geração (ou curtailments) ocorrem quando há produção de energia acima da capacidade de transmissão das redes. Esse fenômeno tem sido frequente no Nordeste e em Minas Gerais, regiões que concentram grande parte das usinas solares e eólicas.
Durante os horários de pico de irradiação solar – geralmente no fim da manhã e início da tarde – a produção aumenta, mas o consumo permanece estável. Quando o sistema elétrico não consegue escoar o excedente, o ONS ordena a redução temporária da geração para evitar sobrecarga.
Na prática, os consumidores com geração distribuída não são afetados, pois utilizam a energia localmente ou injetam na rede de distribuição. Mesmo assim, as entidades querem que eles contribuam com os custos causados aos grandes geradores, sob o argumento de que fazem parte do mesmo sistema interligado.
O embate entre o modelo tradicional e o descentralizado
O debate sobre a taxação da energia solar simboliza uma disputa entre duas visões de futuro.
O modelo tradicional, baseado em grandes hidrelétricas e termelétricas, concentra poder econômico e operacional nas mãos de poucas empresas. Já o modelo descentralizado, impulsionado pela geração fotovoltaica, permite que milhões de brasileiros se tornem produtores e consumidores simultaneamente — os chamados prosumidores.
Defensores da energia solar afirmam que o novo modelo democratiza o acesso à energia e reduz a dependência das distribuidoras. Já as grandes entidades do setor elétrico sustentam que a rápida expansão dos sistemas residenciais e comerciais está gerando distorções tarifárias, pois parte dos custos da rede estaria sendo repassada a quem não possui painéis solares.
Efeitos econômicos e sociais de uma possível taxação
A adoção de uma taxação da energia solar teria impactos diretos e profundos na economia verde brasileira. Especialistas apontam possíveis consequências:
-
Queda na instalação de novos sistemas fotovoltaicos, reduzindo o ritmo de crescimento da geração distribuída.
-
Fechamento de pequenas empresas instaladoras, especialmente em municípios de médio porte.
-
Desemprego no setor solar, que hoje emprega mais de 1,5 milhão de pessoas.
-
Desaceleração da transição energética, comprometendo as metas climáticas assumidas pelo Brasil.
-
Redução na arrecadação fiscal indireta, já que a cadeia solar movimenta bilhões em equipamentos, serviços e tecnologia.
Por outro lado, defensores da cobrança afirmam que o equilíbrio financeiro do sistema elétrico depende de uma redistribuição justa dos custos e que a ausência de taxação gera distorções que penalizam consumidores sem painéis solares.
A importância estratégica da energia solar no Brasil
Desde 2012, o país vive uma revolução energética. Segundo dados da ABSolar, a capacidade instalada em energia solar fotovoltaica atingiu 61,8 gigawatts (GW), representando cerca de 24% de toda a matriz elétrica brasileira.
Desse total:
-
42,9 GW (69%) são provenientes da geração distribuída — sistemas instalados em residências, comércios e propriedades rurais;
-
18,8 GW (31%) vêm das grandes usinas centralizadas.
A energia solar já é a segunda principal fonte de geração do país, atrás apenas da hidrelétrica, e se destaca por ser limpa, renovável e de implantação rápida. Além de contribuir para a diversificação da matriz, reduz a dependência de combustíveis fósseis e ajuda a conter o avanço das emissões de carbono.
Soluções propostas para o impasse
Especialistas e entidades técnicas defendem que há caminhos alternativos à taxação da energia solar para equilibrar o sistema elétrico nacional. Entre as soluções mais debatidas estão:
-
Investimento em armazenamento de energia – incentivo ao uso de baterias residenciais e industriais que absorvam o excedente gerado durante o dia.
-
Ampliação das linhas de transmissão – obras que permitam transferir o excesso de energia solar e eólica do Nordeste para regiões de maior consumo.
-
Planejamento energético integrado – maior coordenação entre o ONS, Aneel e o Ministério de Minas e Energia para otimizar a gestão de oferta e demanda.
-
Revisão gradual dos incentivos – ajustes progressivos que preservem os direitos de quem já instalou painéis solares.
-
Criação de fundos setoriais verdes – financiamento para compensar eventuais perdas de receita das grandes geradoras, sem repassar custos ao consumidor solar.
O futuro da energia solar e o papel do governo
O debate sobre a taxação da energia solar ocorre em um momento crucial para o Brasil, que busca consolidar sua liderança em energia limpa na América Latina.
A forma como o governo e o Congresso conduzirão a discussão sobre a MP 1.304/2025 definirá o ritmo da transição energética do país. Caso prevaleça o entendimento de que os micro e minigeradores devem arcar com encargos adicionais, o Brasil pode perder competitividade e reduzir investimentos estrangeiros no setor.
Por outro lado, um acordo equilibrado que preserve o incentivo à energia limpa e garanta sustentabilidade financeira às redes elétricas pode colocar o país como referência global em inovação energética.
O desfecho dessa discussão mostrará se o Brasil está disposto a consolidar a energia solar como vetor central de sua economia verde — ou se cederá à pressão das grandes corporações do setor tradicional.






