A exemplo de muitas corretoras digitais que prosperaram durante a pandemia, quando poupadores confinados por “lock downs” atuavam em um mercado de capitais em surto de crescimento, a brasileira XP teve um declínio acidentado.
Com uma série de produtos, entre os quais um supermercado de fundos e tarifas frequentemente mais baixas que as cobradas pelos bancos de grande porte do país, a empresa, com sede em São Paulo, contribuiu para dar acesso aos investimentos a um público maior desde sua fundação, há mais de duas décadas. Nesse processo, foi saudada por analistas e consumidores como uma pioneira em tecnologia financeira.
Mas, após o fim de um período de mercado comprador, o grupo, que atrai comparações com a corretora americana de varejo Robinhood, viu seu valor de mercado despencar.
Com ações registradas na bolsa Nasdaq de Nova York, a empresa perdeu mais de metade de seu valor — de US$ 15 bilhões — desde que as ações alcançaram um pico de cerca de US$ 50, em 2021.
As elevadas taxas de juros e a incerteza econômica arrastaram para baixo o saldo do dinheiro investido na XP, que atua também no setor de gestão de ativos e de banco de investimento.
Os lucros, que dobraram aproximadamente a cada ano entre 2018 e 2021, permaneceram inalterados em R$ 3,58 bilhões (US$ 737 milhões) no ano passado. Quando o Banco Central do Brasil elevou sua taxa básica de juros a partir de seu nível mais baixo de todos os tempos de 2%, registrado em março de 2021, para os 13,75% atuais, os investidores tiraram dinheiro das ações e de outras categorias de aplicações de maior risco, em favor de investimentos de renda fixa mais seguros.
Mas o CEO da empresa disse que a situação está melhorando agora, devido à combinação entre perspectivas econômicas mais positivas e as ações da empresa. Um período de corte de custos está quase concluído após um nível próximo a 800 funcionários — cerca de 10% do corpo de funcionários formalmente contratados — ter sido dispensado neste ano.
“Começamos a ver muitos indicadores antecedentes que mostram, na minha opinião, que o pior já passou”, disse Tiago Maffra, ao “Financial Times” na sede da XP.
Ele apontou para o declínio da curva de juros e dos spreads de crédito como prova disso. “A aversão ao risco vai cair e começaremos a ver as pessoas investirem para valer, ao comprar uma carteira diversificada. É quando começaremos a crescer para os níveis normais de novo”, disse o ex-operador de fundos hedge, de 38 anos, que assumiu o posto máximo na XP dois anos atrás.
O otimismo do investidor está aumentando, num momento em que economistas brasileiros preveem cortes das taxas de juros para os próximos meses e elevam suas projeções de crescimento. O Índice Bovespa, principal referência da bolsa brasileira, subiu nas últimas semanas.
Embora permaneça abaixo do preço da Oferta Pública Inicial (IPO, nas iniciais em inglês) do fim de 2019, as ações da XP dispararam mais de 66% até este ponto de 2023.
Tiago Maffra, CEO da XP: O pior já ficou para trás — Foto: Carol Carquejeiro/Valor
Em termos da captação de novos clientes, há muito espaço a ser preenchido pela empresa, avaliada em US$ 13,2 bilhões. A plataforma da XP controla ainda apenas 11% do mercado de investimentos de varejo sob custódia, em termos de ativos, na economia brasileira, que continua dominada pelos principais bancos comerciais de varejo.
Em carta de intenções, Maffra disse que a empresa pretende dobrar, aproximadamente, sua participação, a fim de alcançar o nível do Itaú Unibanco, o maior conglomerado de operações bancárias e financeiras da região, que, segundo estimou, alcança cerca de 20% a 25%. O Itaú também é um grande acionista da XP, onde detém uma participação de 8,6%.
Paralelamente à sua atividade principal, a empresa se diversificou em direção a áreas como cartões de crédito, seguros e pensões.
José Berenguer, um veterano do setor que comanda o banco da XP, disse que isso reduzirá sua exposição à volatilidade. “Somos uma casa de investimentos. Mas vender outros produtos para a nossa base de clientes minimiza o impacto de uma desaceleração do mercado”, acrescentou.
Mas, por enquanto, as novas linhas de atividade representam apenas cerca de 10% da receita.
“Está funcionando, mas não ao ritmo imaginado por todos há dois ou três anos”, disse Thiago Batista, analista do UBS BB, sobre a iniciativa. “Na área de cartão de crédito, eles estão se expandindo com muita rapidez. Mas talvez isso não chegue a fazer diferença.”
Fundada em 2001 por Guilherme Benchimol, à época com 24 anos de idade, que continua como presidente do conselho de administração e um acionista de peso, a XP começou a dar aulas sobre investimentos em ações e bônus a brasileiros comuns e a vender-lhes serviços de corretagem.
Seu “supermercado financeiro” foi inspirado na corretora americana de baixo custo Charles Schwab. Atualmente a XP é um grupo de serviço completo, com 4 milhões de clientes e, no mês passado, os ativos sob custódia ultrapassaram R$ 1 trilhão.
“A empresa foi além de reorganizar suas despesas”, disse o analista Alexandre Albuquerque, da Moody’s. “Eles foram rápidos em se adaptar ao novo ambiente. Suas perspectivas de longo prazo são boas.”
Apesar disso, as captações líquidas da XP no primeiro trimestre despencaram 65% em termos anuais, para R$ 16 bilhões, nível mais baixo desde o início da crise da covid-19. O lucro líquido encolheu 7%, para R$ 796 milhões.
Além da retração, a concorrência se aqueceu. Os bancos tradicionais brasileiros, que no passado normalmente vendiam seus próprios fundos de investimento, lançaram aplicativos para celular e abriram suas plataformas a produtos de terceiros.
Fintechs, como o banco digital Nubank, bem como o banco de investimentos BTG Pactual, também ingressaram no território da XP.
Alguns analistas questionam a capacidade do grupo de continuar, eficientemente, a expandir sua rede de 13 mil assessores financeiros, que são “freelancers” do banco e são considerados um dos argumentos de venda para os clientes.
A questão chamou atenção após o vazamento de uma mensagem enviada por Benchimol a assessores, criticando seu desempenho e conclamando a voltar a um enfoque “mais básico”. Maffra minimizou a significância da medida e insistiu que há espaço para continuar a aumentar os números.
“Estamos em muito boa forma para os próximos anos”, disse ele. “Ainda somos uma empresa de alto crescimento.”
(Colaborou Beatriz Langella)