Brasileiros confiam no próprio dinheiro, mas pesquisa revela que a educação financeira no Brasil ainda falha no básico
A educação financeira no Brasil tornou-se um tema de debate nacional não apenas entre especialistas, mas também entre consumidores, bancos, escolas e formuladores de políticas públicas. Uma nova pesquisa conduzida pelo Santander em parceria com o instituto Ipsos escancara um cenário paradoxal: a maioria dos brasileiros acredita administrar bem as próprias finanças, mas enfrenta dificuldades em compreender conceitos econômicos elementares. O estudo ouviu 19.906 pessoas em dez países, sendo 2.028 no Brasil, e demonstra que a confiança declarada pelo público contrasta com a falta de preparo diante de questões fundamentais sobre inflação, juros e planejamento financeiro.
O descompasso entre percepção e conhecimento reforça um problema estrutural. A educação financeira no Brasil cresce como interesse generalizado, mas ainda não se traduz em conhecimento prático. Esse desequilíbrio, segundo especialistas, tem consequências diretas sobre endividamento, capacidade de poupança e resiliência econômica da população.
Confiança alta, conhecimento baixo
Os dados do levantamento mostram que 73% dos brasileiros afirmam sentir segurança na forma como administram o próprio dinheiro. O índice acompanha a média global, de 72%, e sugere que a educação financeira no Brasil é percebida pelo público de maneira positiva. No entanto, quando os entrevistados são submetidos a perguntas simples sobre economia, o desempenho cai drasticamente.
O fenômeno é explicado pelo conhecido Efeito Dunning-Kruger, que descreve a tendência de indivíduos com baixo conhecimento superestimarem suas capacidades por desconhecerem suas próprias limitações. Na prática, significa que milhões de brasileiros acreditam saber lidar com dinheiro, mas não dominam os fundamentos que dão suporte a decisões financeiras mais sólidas.
A inflação ainda é um enigma para grande parte da população
A inflação — um dos conceitos mais importantes da economia — continua sendo mal compreendida. Quando questionados sobre o comportamento dos preços caso a inflação caísse pela metade, mas permanecesse positiva, apenas 32% dos participantes globais responderam corretamente que os preços continuariam subindo, porém em ritmo menor.
No Brasil, 73% erraram essa pergunta. O dado revela uma fragilidade histórica da educação financeira no Brasil: mesmo com sua recorrência no noticiário e impacto direto no custo de vida, o tema ainda não é absorvido de forma completa pela maior parte da população.
Especialistas afirmam que o desconhecimento sobre inflação prejudica negociações salariais, escolhas de investimento, comparações de preços ao longo do tempo e compreensão de políticas econômicas. Em um país marcado por décadas de instabilidade inflacionária, esse tipo de lacuna reforça desigualdades e limita a autonomia financeira das famílias.
Juros simples, problema complexo
Outra pergunta aplicada no estudo buscava avaliar compreensão básica de juros. A maioria dos brasileiros demonstrou dificuldade para calcular o rendimento de uma aplicação simples de 2% ao ano sobre um aporte de US$ 100. Enquanto a lógica aponta para um valor final superior ao principal investido, 67% dos entrevistados do país erraram, índice bem acima da média global, de 48%.
O problema vai além das contas. A incapacidade de interpretar juros afeta diretamente contratos de crédito, financiamentos, dívidas, investimentos e poupança. Em um mercado no qual a educação financeira no Brasil deveria ser protagonista no combate ao endividamento massivo, a falta de domínio nesse campo funciona como um obstáculo para o desenvolvimento econômico individual e coletivo.
A escola como ponto de partida para a mudança
Apesar das dificuldades, a pesquisa revela um desejo claro: o público quer aprender. Para 91% dos brasileiros, a educação financeira deveria ter sido ensinada na escola. No cenário global, o índice é de 84%. O dado reforça a percepção de que o tema, embora fundamental para a vida adulta, nunca foi tratado como disciplina estruturada dentro dos currículos educacionais.
A educação financeira no Brasil aparece, no levantamento, como a segunda matéria mais desejada pelos entrevistados, superando áreas tradicionais como História e Ciências. O interesse cresce sobretudo entre jovens, que se deparam com um ambiente econômico mais complexo, exigindo domínio de temas como crédito, investimentos, impostos, aposentadoria e inflação.
A presidente global do Santander, Ana Botín, resume o impacto social: educação financeira não é tema técnico, mas ferramenta para prosperidade coletiva.
O que o brasileiro quer aprender
A pesquisa detalha que os tópicos mais procurados pelos brasileiros são:
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Investimentos (67%)
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Poupança (67%)
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Orçamento doméstico (53%)
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Impostos (51%)
A procura reflete necessidades concretas. A baixa capacidade de poupança coloca famílias em situação de vulnerabilidade frente a imprevistos. Apenas 20% dos lares brasileiros conseguem economizar regularmente, com taxa média de 1,8% da renda, uma das menores entre países monitorados por organismos internacionais.
Essa realidade demonstra que a educação financeira no Brasil precisa evoluir de maneira alinhada com a urgência social de ampliar a capacidade de poupança e reduzir riscos financeiros.
Brasil se destaca no uso de ferramentas digitais
Um dos resultados mais expressivos do levantamento é o protagonismo brasileiro na adoção de plataformas digitais de gestão financeira. O país é o único entre os dez analisados em que a confiança em ferramentas digitais é igual à dos métodos tradicionais.
Segundo a pesquisa:
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59% dos brasileiros utilizam ferramentas digitais semanalmente para gerenciar finanças
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Apenas 13% nunca usaram plataformas digitais para esse fim
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87% da população utiliza o Pix regularmente
A educação financeira no Brasil, nesse aspecto, se beneficia da digitalização. Pagamentos instantâneos, aplicativos bancários e interfaces amigáveis criam oportunidades para que mais pessoas acompanhem gastos, entendam seu fluxo de caixa e adquiram noções práticas de organização financeira.
Monitoramento não significa segurança financeira
Mesmo com alta adoção tecnológica, a fragilidade estrutural permanece. Cerca de 84% dos brasileiros afirmam monitorar gastos regularmente, mas apenas 47% possuem reserva financeira suficiente para sustentar três meses de despesas básicas em uma eventual emergência.
O contraste mostra que o acompanhamento do orçamento não se traduz necessariamente em estabilidade financeira. A educação financeira no Brasil, portanto, precisa considerar estratégias que ajudem a transformar intenção em prática — uma das maiores lacunas reveladas pelo estudo.
Cursos ainda são pouco acessados
A demanda por educação formal ainda encontra barreiras. Apenas 28% dos brasileiros já participaram de algum curso de educação financeira. O índice supera a média global (20%), mas ainda é insuficiente para um país com mais de 200 milhões de habitantes.
Para o CEO do Santander Brasil, Mario Leão, o desafio envolve mobilização conjunta de escolas, bancos, setor público e sociedade civil. Ele destaca que a responsabilidade pela educação financeira no Brasil deve ser compartilhada e estruturada em políticas de longo prazo.
Quem deve ensinar educação financeira no Brasil?
A pesquisa identificou consenso amplo sobre os principais responsáveis pelo ensino:
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Escolas: 91%
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Pais: 91%
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Bancos: 71% (índice chega a 91% na Argentina)
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Governo: 97%
À medida que os entrevistados apontam múltiplos atores como responsáveis, reforçam que a educação financeira no Brasil não pode depender apenas de iniciativas isoladas.
Impactos macroeconômicos da alfabetização financeira
A falta de conhecimento financeiro não afeta apenas o indivíduo, mas também a economia como um todo. Estudos internacionais mostram que países com maiores níveis de alfabetização financeira exibem menor endividamento, melhor capacidade de investimento, maior resiliência a crises e menor vulnerabilidade a fraudes.
A OCDE destaca que o domínio de temas como inflação, juros compostos, poupança e orçamento está diretamente ligado ao desenvolvimento econômico sustentável.
No Reino Unido, por exemplo, a Confederação da Indústria estima que ampliar o conhecimento financeiro poderia gerar mais de 6,98 bilhões de libras por ano para a economia nacional. Embora o estudo não apresente estimativa semelhante para o Brasil, especialistas afirmam que o impacto seria igualmente significativo.
Caminhos para o futuro da educação financeira no Brasil
A pesquisa aponta direções claras para o avanço do tema no país.
Primeiro, é preciso integrar escolas, famílias, bancos e governo em um mesmo projeto nacional. Programas educacionais permanentes, trilhas de aprendizado acessíveis e plataformas gratuitas podem diminuir desigualdades no acesso à informação.
Segundo, é essencial incentivar o uso de tecnologia. Aplicativos bancários, ferramentas de simulação, aplicativos de organização financeira e sistemas de pagamento instantâneo se consolidam como aliados fundamentais da educação financeira no Brasil.
Por fim, o ensino deve ser prático. Simulações de juros, exercícios de orçamento, análise de cenários inflacionários e práticas que conectem teoria e cotidiano formam a base de uma verdadeira transformação cultural.
O estudo evidencia que o Brasil tem potencial para assumir papel de liderança na região, desde que a educação financeira seja tratada como prioridade e não como tema secundário.






