A Avianca acaba de reconfigurar a sua frota de Airbus A320, que opera nas Américas, de forma a ampliar a quantidade de poltronas nos aviões. Para isso, eliminou a classe executiva e instalou assentos que não reclinam em toda a classe econômica.
Mesmo em voos internacionais mais longos, como entre São Paulo e Bogotá, com seis horas de duração, não há poltronas reclináveis na classe econômica. Apenas os assentos das primeiras fileiras, com tarifas mais caras, podem ser reclinados.
O desconforto dos passageiros, especialmente em voos noturnos, é evidente, assim como a dificuldade para dormir – as pessoas fazem contorcionismo para achar alguma posição. Os que se sentam ao lado da janela encostam a cabeça na lateral. Os da poltrona do meio e os do corredor tentam ora deitar a cabeça na mesinha à frente, ora no próprio ombro com a ajuda de almofada de pescoço. Entre as famílias, os viajantes procuram dar suporte a quem está ao lado e por vezes se empilham entre si.
A reforma dos aviões faz parte de um processo de reestruturação da Avianca, a maior companhia aérea da Colômbia e uma das maiores da América Latina, que, em 2020, durante a pandemia, deu entrada no Capítulo 11 da Lei de Falências dos Estados Unidos, algo semelhante a um pedido de recuperação judicial. Ao final do ano seguinte, a empresa anunciou a renegociação com credores e seu plano de reorganização.
A troca de poltronas reclináveis por não reclináveis, que faz parte desse plano, permite que o espaço entre as fileiras seja ainda menor (71 cm no caso da classe econômica).
Com isso, mais assentos puderam ser instalados. Segundo a Avianca, a reforma proporcionou um aumento de 20% no número de poltronas, subindo dos antigos 150 lugares para 180. Como as poltronas não reclináveis são mais leves, mesmo com a ampliação, segundo a empresa, houve economia de combustível. A mudança também reduziu o custo com manutenção.
Ao todo, foram reconfiguradas 104 aeronaves Airbus A320 em menos de dois anos. A empresa tem também 13 Boeings 787, e, nesse caso, a classe econômica mantém poltronas reclináveis -a maior parte desses aviões é utilizada em rotax para a Europa, e atualmente há um voo diário entre São Paulo e Bogotá.
De acordo com a Avianca, a mudança na frota do Airbus A320 possibilitará a oferta de passagens com preços mais competitivos nas Américas.
O custo do desconforto, no entanto, pode ser alto para o passageiro, segundo Luciana Palombini, médica especialista em pesquisas e tratamentos relacionados ao sono.
“Isso é péssimo para a saúde”, diz ela à Folha. “Nós da Associação Brasileira do Sono [ABS] nos posicionamos totalmente contra isso. Não reclinar nada é extremamente desconfortável, é para acabar com o sono”, afirma ela, que, além de membro da ABS, é coordenadora do Instituto do Sono de São Paulo.
Segundo a médica, “a posição sentada torna maior a atividade simpática do sistema nervoso, ou seja, deixa o corpo em estado de alerta, acordado”. Quando nos deitamos, por outro lado, ela explica, aumenta a atividade parassimpática, que reduz os batimentos cardíacos, a pressão arterial e a adrenalina. “Quanto mais próximos estivermos da posição deitada, mais fácil será relaxar e pegar no sono”, afirma.
De acordo com Palombini, o desconforto da poltrona se soma a outros típicos de viagens, especialmente em voos para destinos com diferença de fuso horário, o que amplia o jet lag, um distúrbio temporário do sono. “Um sono ruim pode atrapalhar a viagem inteira”, diz. “Algumas pessoas, quando dormem mal, levam até três dias para se recuperar. Se for uma viagem profissional, pode haver piora no desempenho e dificuldade com foco para aqueles que chegam e logo têm uma reunião importante”, diz. “Para viagens de lazer, pode-se perder alguns dias com um mal-estar.”
Sobre o desconforto dos assentos não reclináveis, a Avianca afirmou que suas poltronas tpré-inclinação de 1 polegada (2,54 cm). É uma inclinação sutil, semelhante à que as poltronas que são reclináveis nos aviões também já apresentam.
É importante ressaltar que isso faz parte de uma mudança do modelo de negócios da Avianca, para se tornar mais competitiva, que permitiu que ampliássemos a nossa operação no país”, disse à Folha o diretor comercial da empresa, Gustavo Esusy.
Com isso, segundo ele, além de Rio e São Paulo, que já eram atendidas pela Avianca antes da pandemia, foi possível ampliar a oferta de voos para Belo Horizonte e Manaus.
O número de voos no país cresceu de 1.262 no primeiro semestre de 2022 para 1.769 no primeiro semestre de 2023, e o de passageiros, considerando o mesmo período, subiu de 159.509 para 269.846. “O brasileiro acolheu a nova Avianca”, ele diz.
Consultada, a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não há nenhuma regulação sobre a inclinação de poltronas ou mesmo sobre uma distância mínima entre as fileiras dos assentos. Essas são decisões que cabem à fabricante do avião e à empresa aérea.
Questionada para esta reportagem, a Gol, que formou uma holding com a Avianca no ano passado, a Abra Group, não demonstrou estar alinhada com a colombiana no tema das poltronas não reclináveis. “A Gol busca oferecer o maior conforto aos seus passageiros. Para isso, todos os aviões da frota possuem poltronas reclináveis”, disse a companhia, por meio da assessoria de imprensa.
A Latam, que também passou por processo de recuperação judicial nos Estados Unidos, afirmou que, em seus aviões, os assentos da classe econômica são reclináveis. “O conforto do assento é fundamental em nossa experiência, por isso garantimos que nossos assentos sejam ergonômicos, reclináveis e com apoios de cabeça ajustáveis.”
As poltronas das classes econômicas costumam reclinar uns 10 centímetros em média, chegando a 15 cm em alguns casos. Com a redução do espaço entre as fileiras, no entanto, a possibilidade de reclinar os assentos não é uma unanimidade, e vem crescendo o número de brigas entre aqueles que reclinam a poltrona e os que estão sentados atrás e ficam com os joelhos mais espremidos.
Nos Estados Unidos, voos já tiveram que ser desviados e houve até caso de pouso de emergência por tumultos causados por essa razão, principalmente após o surgimento do “knee defender”, o defensor de joelhos. Trata-se de um pequeno dispositivo criado por Ira Goldman, um ex-assessor político republicano, que é vendido por US$ 22 e consegue travar a poltrona do passageiro da frente, impedindo-a de se reclinar.
Embora não haja no Brasil regulamentação para a distância entre as fileiras, a Anac concede selos, desde a faixa A, para mais de 73 cm, até a E, para inferiores a 67 cm.