Herança Digital: Como Planejar e Quem Tem Direito aos Seus Bens Virtuais
Nos dias atuais, nossos ativos digitais se tornaram tão importantes quanto os bens materiais que possuímos. A herança digital, conceito que envolve tudo o que deixamos registrado no mundo virtual, está ganhando cada vez mais relevância, principalmente em um mundo onde redes sociais, criptomoedas, e-mails e outros bens digitais fazem parte do nosso cotidiano. Quando uma pessoa falece, é fundamental garantir que esses ativos sejam transferidos corretamente para os herdeiros, caso contrário, correm o risco de se perderem ou se tornarem um problema.
A herança digital é composta por uma variedade de bens virtuais que, embora não sejam tangíveis, possuem grande valor. Esses bens incluem perfis em redes sociais, blogs, vídeos, contas de streaming, criptomoedas, fotos na nuvem, e-mails, licenças de software, milhas aéreas e outros dados armazenados em dispositivos móveis, como celulares e computadores. Todos esses itens, muitas vezes, não possuem um valor monetário direto, mas representam memórias afetivas e, em alguns casos, até fontes de receita contínua.
Como a Herança Digital é Tratada pelo Direito?
O conceito de herança digital ainda não está totalmente consolidado em todos os países, mas já existem importantes avanços jurídicos que ajudam a moldar a forma como esses ativos são tratados legalmente. Em 2016, um tribunal do Reino Unido determinou que a coleção de bitcoins de uma pessoa falecida fazia parte de sua herança, estabelecendo um precedente importante para a regulamentação de criptomoedas em casos de sucessão.
Nos Estados Unidos, em 2017, um tribunal da Pensilvânia decidiu que os pais de um adolescente que cometeu suicídio poderiam acessar suas contas de redes sociais para investigar se ele havia sido vítima de bullying. E na China, desde 2020, a legislação permite que as criptomoedas sejam herdadas, de forma semelhante a qualquer outro bem.
No Brasil, um dos casos mais notórios envolveu a cantora Marília Mendonça, que faleceu tragicamente em 2021. Seu inventário incluiu criptoativos, contas de redes sociais com milhões de seguidores, e até senhas de e-mails. No entanto, a regulamentação sobre a herança digital no Brasil ainda está em processo de aprimoramento, aguardando a aprovação de um projeto de lei que atualizará o Código Civil para tratar desses bens digitais de forma mais clara.
O Código Civil e a Herança Digital no Brasil
O Código Civil Brasileiro, que regulamenta questões de sucessão e herança, tem passado por revisões para incorporar os novos desafios do mundo digital. O projeto de lei em andamento visa permitir que os bens digitais sejam transmitidos aos herdeiros da mesma forma que os bens físicos. De acordo com especialistas, a proposta traz mais segurança jurídica para os cidadãos ao possibilitar que o titular de bens digitais planeje o destino desses ativos após a morte.
O novo texto do Código Civil divide os bens digitais em duas categorias: bens com natureza econômica, como investimentos em criptomoedas e perfis monetizados em redes sociais, e bens com valor afetivo, como arquivos pessoais ou perfis que compõem a identidade digital de uma pessoa. Ambos os tipos de bens podem ser transmitidos aos herdeiros, mas a questão da regulamentação ainda gera debates.
Desafios na Transferência da Herança Digital
Embora a herança digital esteja em ascensão, existem desafios significativos para garantir que os bens virtuais sejam transferidos corretamente. Um dos principais problemas é a diferença entre os termos de uso das diversas plataformas. Muitas redes sociais, serviços de e-mail e plataformas de streaming impõem restrições ao acesso de contas de falecidos, o que pode dificultar o processo de sucessão.
A advogada Marina Dinamarco, especialista em Direito de Família e Sucessão, alerta que nem sempre os herdeiros terão acesso automático às informações privadas de uma pessoa falecida. Em alguns casos, será necessário obter uma autorização judicial para acessar mensagens privadas e outros dados sensíveis. Além disso, há a questão da exclusão automática de contas públicas após 180 dias sem herdeiros, o que pode resultar na perda de conteúdos importantes, como fotos, vídeos e postagens que tenham valor cultural ou histórico.
Como Planejar a Herança Digital?
A melhor maneira de garantir que os bens digitais sejam transmitidos de acordo com os desejos do titular é por meio de um planejamento sucessório detalhado. Organizar e documentar todos os ativos digitais, incluindo senhas e chaves de acesso, é fundamental para evitar que esses bens se percam ou fiquem inacessíveis. Um testamento pode ser uma excelente ferramenta para garantir que os herdeiros tenham acesso a esses bens e possam administrá-los adequadamente.
O testamento pode incluir informações sobre a localização dos ativos digitais, como contas de e-mail, redes sociais, plataformas de streaming e até mesmo criptomoedas. É importante que o titular do bem digital deixe claras suas intenções quanto ao destino desses bens. Algumas plataformas oferecem a opção de designar um herdeiro para gerenciar as contas após a morte do titular, mas muitas vezes isso precisa ser formalizado em documentos legais.
Além disso, o planejamento sucessório também deve considerar a possibilidade de integrar os bens digitais ao inventário extrajudicial, um processo mais rápido que pode ser realizado diretamente no cartório. Esse tipo de inventário pode ser feito mesmo quando há herdeiros menores de idade, permitindo que o processo de sucessão ocorra sem a necessidade de uma intervenção judicial complexa.
Quem Tem Direito à Herança Digital?
Os herdeiros dos bens digitais são, em geral, os mesmos que têm direito à herança convencional. Se não houver testamento, os ativos digitais seguirão a ordem estabelecida pelo Código Civil. No Brasil, os herdeiros de bens digitais são, em primeiro lugar, os descendentes (filhos, netos), seguidos pelo cônjuge ou companheiro. Na ausência de descendentes, os ascendentes (pais, avós) também têm direito aos bens digitais, caso contrário, o cônjuge ou companheiro será o único herdeiro.
Bens Digitais que Geram Receita Após a Morte
Alguns bens digitais podem continuar a gerar receita após o falecimento do titular, como é o caso de royalties de músicas e livros digitais, ou mesmo as visualizações de vídeos no YouTube. Esses bens podem gerar uma fonte contínua de renda para os herdeiros. No caso das criptomoedas, os herdeiros precisam estar cientes dos valores e da forma como acessar os criptoativos, sendo recomendado incluir informações detalhadas sobre esses ativos no testamento.
Outro caso interessante é o de Gal Costa, cuja morte gerou uma divisão de royalties entre seu filho e a viúva. Esse tipo de receita pode se estender por anos, criando uma nova forma de riqueza para os herdeiros.
Bens Digitais com Dificuldade de Sucessão
Alguns bens digitais são mais difíceis de ser repassados devido a questões contratuais, como é o caso das licenças de software, e-books e contas de serviços de streaming. Muitos contratos de plataformas como Netflix e Spotify estabelecem que as assinaturas são pessoais e intransferíveis. Em casos assim, os bens podem ser excluídos do inventário ou não serem passados para os herdeiros.
Outro exemplo são as milhas aéreas, que têm enfrentado dificuldades em processos de sucessão devido a restrições contratuais. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que as milhas não podem ser herdadas, mas isso ainda é um ponto polêmico no Brasil.
Como Garantir Que a Herança Digital Seja Transmitida Corretamente?
O planejamento da herança digital é essencial para garantir que os bens virtuais sejam transferidos de acordo com os desejos do falecido. A principal recomendação dos especialistas é a de documentar todos os ativos digitais, incluindo senhas e chaves de acesso. Além disso, a nomeação de um responsável pelo gerenciamento desses bens pode ser fundamental, especialmente quando os herdeiros forem menores de idade.
Ao fazer um testamento, é possível especificar como cada ativo digital deve ser tratado, garantindo que os herdeiros tenham acesso aos bens e possam administrá-los de maneira eficiente. Isso inclui desde contas de redes sociais até criptomoedas e outros investimentos digitais.