Alta do ouro reflete desconfiança global nos bancos centrais e acelera corrida por ativos seguros
A alta do ouro ultrapassando a marca histórica de US$ 4.000 por onça nesta semana acendeu um alerta entre investidores, economistas e bancos centrais de todo o mundo. O movimento, que inicialmente parecia apenas mais um ciclo de valorização do metal precioso, passou a ser interpretado como um sinal de erosão da confiança nas moedas fiduciárias e nas instituições monetárias globais.
O fenômeno ocorre em um contexto de instabilidade política, endividamento crescente e políticas fiscais populistas nas principais economias do planeta — incluindo Estados Unidos, Japão e países da União Europeia.
Sanae Takaichi e o impacto político na alta do ouro
A disparada recente coincidiu com a nomeação de Sanae Takaichi como nova primeira-ministra do Japão. A líder do Partido Liberal Democrata é conhecida por sua visão conservadora em política fiscal e monetária e pela defesa de estímulos econômicos contínuos, com resistência ao aumento das taxas de juros pelo Banco do Japão.
A reação dos mercados foi imediata: o iene se desvalorizou, os rendimentos dos títulos públicos subiram e o ouro ganhou ainda mais força, subindo 2,6% em apenas dois dias. Esse movimento ilustra como a política doméstica japonesa está contribuindo para a corrida global ao ouro como porto seguro.
Crise de confiança nos bancos centrais
A alta do ouro não é apenas resultado de movimentos políticos pontuais. Ela reflete um desgaste crescente na confiança dos investidores nos bancos centrais. A percepção é de que essas instituições estão cada vez mais sujeitas à pressão de governos populistas e endividados, que buscam controlar a política monetária para evitar recessões e reduzir o custo da dívida pública.
Nos Estados Unidos, a crise de credibilidade do Federal Reserve (Fed) se aprofundou após a tentativa de Donald Trump de interferir na autonomia do banco central, demitindo a governadora Lisa Cook sob alegações controversas. Enquanto isso, o Reino Unido vive tensões semelhantes com Nigel Farage, líder do Reform UK, atacando o Banco da Inglaterra por políticas que elevam o custo da dívida.
Na Europa continental, a França e a Alemanha enfrentam o crescimento de partidos populistas que defendem mudanças radicais na política monetária e até o abandono do euro, pressionando o Banco Central Europeu (BCE).
Ouro como novo ativo de confiança
Segundo o CEO da Citadel, Ken Griffin, a corrida pelo ouro representa uma mudança de paradigma: o metal está sendo visto como “o novo porto seguro global, assim como o dólar já foi”.
A percepção de que o ouro é imune a intervenções políticas, crises cambiais e congelamentos de ativos fez com que bancos centrais, governos e investidores institucionais aumentassem significativamente suas reservas desde 2022, após as sanções contra a Rússia.
Analistas apontam que o movimento se intensificou com a guerra comercial entre EUA e China, o aumento da inflação global e o enfraquecimento do dólar — fatores que juntos reforçam o papel do ouro como proteção contra a perda de poder de compra e instabilidade monetária.
As três ondas da alta do ouro
A valorização do metal se deu em três etapas principais:
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Primeira onda (2022): Após a invasão da Ucrânia pela Rússia, os países ocidentais congelaram reservas cambiais russas. Isso levou diversos governos a buscarem alternativas seguras, aumentando suas reservas em ouro.
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Segunda onda (abril de 2025): A guerra comercial imposta por Trump e o aumento das tarifas minaram a confiança no dólar como moeda de reserva global.
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Terceira onda (agosto de 2025): O Federal Reserve sinalizou cortes de juros apesar da inflação acima da meta, e a interferência política de Trump aumentou a percepção de que a política monetária americana perdeu autonomia.
Esses três fatores criaram um ambiente ideal para a escalada do ouro, que chegou ao patamar histórico de US$ 4.000 por onça em outubro de 2025.
Dívida pública e dominância fiscal
Um dos fatores estruturais por trás da alta é a deterioração das contas públicas nas economias desenvolvidas. Relatório do Morgan Stanley aponta que o crescimento nominal desacelerou, o custo da dívida aumentou e os déficits fiscais se ampliaram — um triplo golpe para a sustentabilidade da dívida.
A chamada “dominância fiscal” — quando o governo força o banco central a manter juros baixos para reduzir o custo da dívida — está se tornando uma realidade em vários países. Isso reduz a confiança dos investidores nas moedas nacionais e, por consequência, aumenta a atratividade do ouro.
Nos Estados Unidos, o déficit anual está em torno de 6% do PIB, e a dívida já equivale a quase 100% da economia americana. O governo depende de políticas fiscais arriscadas e do enfraquecimento do dólar para manter a sustentabilidade.
O caso japonês e os riscos de inflação
No Japão, a dominância fiscal também preocupa. A nova primeira-ministra Takaichi é herdeira da política das “três flechas” do ex-premiê Shinzo Abe, que combinava estímulos fiscais e monetários com reformas estruturais. Contudo, a inflação japonesa já se encontra bem acima dos níveis históricos, e as intervenções do governo podem alimentar novas pressões inflacionárias.
Os rendimentos dos títulos de longo prazo estão subindo, sinalizando que os mercados já precificam uma inflação persistente e juros mais altos no futuro.
A nova era do ouro
A alta do ouro acima de US$ 4.000 simboliza mais do que uma simples valorização de ativo: ela marca o início de uma nova era econômica global, em que a confiança nos bancos centrais, nas moedas e nas políticas fiscais está sendo reavaliada.
Com o aumento das tensões geopolíticas, das guerras comerciais e do endividamento público, o ouro se consolida novamente como referência de estabilidade e reserva de valor, da mesma forma que foi nas décadas anteriores ao padrão dólar.
Para investidores e governos, o metal se tornou uma ferramenta estratégica de proteção — tanto contra crises financeiras quanto contra decisões políticas imprevisíveis.
E, à medida que a confiança nas instituições tradicionais continua a se deteriorar, a tendência é que o ouro mantenha sua trajetória de alta, com espaço para novas máximas nos próximos anos.






