É comum existir uma “diferença” de poder entre colegas de trabalho, geralmente baseada na posição de cada um na empresa ou em quem tem mais controle sobre o que o outro precisa, em um determinado momento da carreira.
“Isso acontece, por exemplo, quando o líder da área de inovação determina o tempo de lançamento de produtos no mercado e acaba com mais influência sobre o chefe de vendas, que deve entregar as mercadorias para os clientes; ou o diretor de uma unidade de negócios que sempre vê suas necessidades desprezadas pelo departamento de TI, que está correndo para dar suporte a outra divisão, de crescimento maior”, explica o consultor americano Nihar Chhaya, em artigo na “Harvard Business Review”, publicação sobre liderança e estratégia da Universidade Harvard.
Para Chhaya, que atua como coach de líderes de marcas globais como American Airlines e Coca-Cola, é possível escapar de uma dinâmica de poder desigual no ambiente de trabalho. “Todos podem ‘construir’ o respeito que merecem e impor uma percepção do valor que têm, diante das equipes”, diz.
Especialistas lembram que “jogo” de poder é comum no mercado de trabalho porque há uma competição natural entre profissionais que convivem no mesmo ambiente — Foto: Pexels
Na visão do especialista, quatro estratégias podem ser úteis para “enquadrar” melhor as conexões de poder:
1. Recusar determinados pedidos
Pode parecer desafiador negar um pedido de um gestor mais graduado, mas, em qualquer interação, cada parte avalia quem tem mais influência na hora, explica.
“Mesmo que você se sinta impotente em relação a um colega, vão surgir situações em que ele vai precisar de um auxílio seu tanto quanto você depende dele”, garante.
Em alguns momentos, garante Chhaya, é crítico aproveitar a oportunidade para recusar educadamente as exigências de alguém mais poderoso.
“Da próxima vez que sentir que um par passou a exercer um poder excessivo sobre você – como, por exemplo, ao mandar uma solicitação de última hora – pode ser uma boa ideia não largar imediatamente o que está fazendo e ‘correr’ para ajudá-lo.”
A orientação do consultor é responder: “gostaria de informar que recebi a solicitação. Fico feliz em ajudar, mas tenho tarefas que preciso cumprir agora. Enquanto isso, sinta-se à vontade para enviar mais informações sobre o assunto, caso eu possa sugerir uma solução.”
Se formos fiéis às promessas que fazemos, fica mais fácil manter uma atitude de “ganha-ganha” com um parceiro, resume. “Isso não apenas o encoraja a respeitar você, mas o força a fazer sacrifícios para criar um bom relacionamento.”
2. Estabelecer conexões com chefias
Outra maneira de equalizar a sensação de autoridade no escritório é lembrando a todos, sutilmente, do seu valor como profissional, conectando colegas a pessoas que eles respeitam e com quem você cultiva uma boa troca, sugere.
Essa atitude, segundo Chhaya, costuma provocar três reações: mostra ao time que você tem qualidades a oferecer, pois as chefias que eles admiram vêem “algo” em você; pode desequilibrar, positivamente, a dinâmica das relações estabelecidas, porque você indicou que tem contatos que eles gostariam de desfrutar; e ainda envia um sinal do seu “acesso” ao alto escalão.
O consultor cita um líder que conheceu, que penava para ser visto como um executivo “estratégico”, mas sempre era subestimado quando surgiam planos de sucessão. “Na verdade, ele era tão bom no operacional que o RH preferia não ‘mexer’ nele”, diz.
Para interromper essa conduta que, de alguma forma, limitava o avanço no organograma da empresa, o executivo começou a desenvolver relacionamentos com líderes seniores, compartilhando ideias que pudessem atender às necessidades dos negócios. “Ao mostrar maior aproximação com a diretoria, a ‘marca pessoal’ de líder estratégico ganhou força entre os times.”
3. Ajudar a chefia a crescer
Como todo mundo, a alta gestão tem pontos fracos, destaca Chhaya. “Se você ajudar a identificar um comportamento que está atrapalhando os objetivos da companhia, é possível que os diretores comecem a vê-lo como um parceiro confiável, ao invés de um subordinado”, aconselha.
O autor lembra o caso de uma de seus clientes, vice-presidente sênior de uma firma de tecnologia, que sempre ouvia conversas nos corredores sobre a falta de determinação do CEO – e como isso criava uma onda de apatia entre as equipes.
“Ela concordava com o sentimento geral, mas estava feliz como era tratada pelo chefe”, diz. “Por que arriscar esse proximidade e ser a mensageira de um duro feedback?”
No final, relata Chhaya, a executiva reconheceu que, para se tornar uma aliada de confiança, precisaria estar do lado do CEO “no bem e no mal”. Então, em uma sessão de avaliação individual, falou: “suas intenções são boas, mas você se preocupa tanto em ouvir todos os lados de uma questão que está atrasando a tomada de decisões na empresa.”
Ao correr o risco de perder a amizade do chefe, a vice-presidente acabou recebendo dele estima e gratidão, garante. “Muito mais do que uma auxiliar direta, tornou-se uma conselheira.” Mas, diz Chhaya, é preciso equilíbrio na costura de parcerias.
“Se você, todos os dias, conta tudo o que ouviu das equipes para a liderança, será esquecido e relegado”, ensina. “Por outro lado, quando, assertivamente, aponta um deslize que a chefia nunca havia notado, acumula influência e respeito.”
4. Que “lutem” para ganhar atenção
Angariar a admiração de companheiros do topo da pirâmide gera um paradoxo interessante, analisa o consultor. “Ao colocá-los em uma posição de ‘lutarem’ para conquistar a sua lealdade, você consegue mais respeito deles”, afirma. “Basicamente, ‘sue’ menos para obter deferência e deixe que percebam por que merecem a sua atenção.”
O autor conta que, ao longo dos anos, treinou líderes em corporações que passaram por fusões ou reorganizações que exigiam que muitos funcionários se “recandidatassem” a novas posições, na mesma divisão ou em outro departamento.
“Essa experiência pode ser estranha porque os executivos voltam a ser candidatos competindo por uma vaga, na mesma empresa”, diz. “E estarão de posse apenas das reputações que os precedem no local de trabalho.”
O erro que muitos indivíduos cometem nessas situações, segundo Chhaya, é tentar agradar, ao máximo, com respostas curtas e ensaiadas, o dirigente que vai chefiá-los na nova missão. “Parece ser uma alternativa de menor atrito, mas, na verdade, torna o funcionário ‘em trânsito’ mais um currículo comum ou ‘esquecível’.”
O ideal, continua o consultor, é ser generoso nas respostas da entrevista de mudança de área, sem medo de fazer questionamentos valiosos também para o futuro chefe. “Diga algo como: ‘na verdade, não tenho certeza se você deveria me convocar agora. Eu gostaria de explorar se há um ajuste a fazer entre a minha experiência e a sua visão de onde essa divisão está indo. Qualquer coisa que possa compartilhar sobre o seu estilo de gerenciamento será útil, enquanto exploro meus próximos passos.”
Pode soar arrogante, conclui Chhaya, mas considerar que tomadores de decisão “conquistem” o seu interesse profissional, ao invés de vê-lo apenas como mais um integrante que “caiu” na equipe, pode trazer resultados positivos. “Essa iniciativa não apenas vai diferenciá-lo da concorrência, mas garantir que trabalhe ao lado de colegas que o respeitam.”
A arte de construir pontes
Fernando Poziomczyk, sócio da Wide, consultoria boutique de recrutamento e seleção de executivos no Brasil, destaca que, para se relacionar de maneira equânime com um colega de cargo maior, é preciso desenvolver capacidades de inteligência emocional.
“Ou seja, saber como se fazer reconhecido e relevante nos serviços desempenhados, mesmo em uma cadeira de menor poder”, diz.
Estabelecer vínculos é fundamental, ensina. “Ter um perfil técnico costuma ser a ‘barreira mínima’ para que alguém possa ocupar uma função”, afirma. “O que pode fazer a diferença para o êxito no ambiente corporativo é entender como os relacionamentos acontecem e como influenciar as pessoas ao redor.”
Poziomczyk acredita que conquistar o apreço dos pares depende da construção de pontes, mas de acordo com as “regras” da organização. Se o profissional está na companhia há tempos e sabe como se dão as relações, é mais simples realizar uma “leitura” do cenário e descobrir a melhor forma de se posicionar para conquistar aliados, diz.
“É essencial ter um interesse genuíno para criar ligações e se colocar em uma posição ‘a favor’ da companhia, de querer ajudar”, detalha.
Entretanto, se mostrar muito subserviente pode atrapalhar a convivência, explica. “Agir de forma ‘servil’ não é um problema, inclusive pode auxiliar, em algumas circunstâncias, a estabelecer conexões”, pondera. “Mas isso não deve permanecer de um jeito em que uma das partes sinta que tem o direito de fazer o que bem entende.”
Segundo o headhunter, o “jogo” de poder é comum no mercado de trabalho porque há uma competição natural entre funcionários que convivem no dia a dia. “Faz parte da vida do executivo saber lidar com essas situações”, diz