O boom das contratações esconde o que parece ser uma tendência econômica contraditória: os funcionários têm trabalhado menos horas nos EUA. Segundo o Departamento do Trabalho, a média de horas trabalhadas por empregados do setor privado por semana caiu para 34,3 em maio, o que marca uma queda desde o pico de 35 horas de janeiro de 2021 e está abaixo da média de 2019.
Isso pode ser um mau sinal. Como o crescimento econômico hoje está em desaceleração – e, de certa forma, negativo –, alguns empregadores podem estar reagindo com um corte de jornada de trabalho, talvez em preparação para uma recessão.
“Em ocasiões passadas, a redução das horas de trabalho era uma indicação segura de que haveria uma onda de demissões”, disse Aichi Amemiya, economista sênior da Nomura Securities.
Fatores fora do comum no pós-pandemia
Desta vez, esse sinal de recessão pode ser um alarme falso por causa de fatores fora do comum no período pós-pandemia. De fato, ao mesmo tempo em que cortam horas, os empregadores têm contratado mais trabalhadores – algo que não costumam fazer quando existe a perspectiva de contração econômica.
As folhas de pagamento subiram para 339 mil em maio e quase 1,6 milhão no acumulado desde o começo do ano. As demissões foram quase 13% menores em abril do que a média mensal de 2019, de acordo com o Departamento do Trabalho.
As despesas e o trauma de contratar deixaram os empregadores excepcionalmente ansiosos em evitar a perda de funcionários de que precisarão quando os negócios se recuperarem, na avaliação de Amemiya. “Isso é muito diferente do passado”, disse ele.
As empresas finalmente estão em condições de contratar funcionários para cargos que estavam vagos há muito tempo, e assim permitir que suas equipes sobrecarregadas voltem aos horários normais. Por fim, os trabalhadores começaram a optar por trabalhar menos, talvez por causa de mudanças nas prioridades de suas vidas profissionais.
Em maio, o trabalhador fabril médio fez 3,6 horas extras, em comparação com 4,1 horas no mesmo período do ano anterior.
Durante grande parte da pandemia, a American Fleet fabricava grandes quantidades de motores a diesel para empresas de transporte rodoviário de carga. O gerente de vendas, Mark Patterson, contou que a empresa de Springfield (Missouri) não conseguia contratar funcionários rápido o suficiente. “Podemos produzir 30 motores por mês com facilidade, e, no ano passado, às vezes fabricávamos 40 – os funcionários faziam horas extras para dar conta de tudo”, disse ele.
Mas no início deste ano, esse crescimento estrondoso chegou a um fim abrupto. As encomendas de motores da American Fleet caíram cerca de 40%, à medida que a explosão de compras de produtos causada pela pandemia se esvaiu e deixou os caminhoneiros parados. A empresa passou de publicar anúncios de vagas de emprego na internet de forma desenfreada para cortar horas de trabalho de funcionários.
Normalmente, uma redução nas horas de trabalho seria um sinal de demissões iminentes. Mas Patterson disse que a American Fleet não planeja desligamentos porque mecânicos são muito difíceis de achar.
Com menos encomendas para atender, os trabalhadores preparam blocos de motor e modernizam equipamentos. Patterson está otimista e acredita que as vendas voltarão a crescer, com base nas chegadas dos navios porta-contêineres, mas levará algum tempo para que isso se estenda por toda a cadeia produtiva.
“A escassez de mão de obra é tanta que faremos tudo o que pudermos para manter todos os funcionários, porque existe o medo de não conseguir tê-los de volta”, explicou Patterson. “Esta situação trabalhista é a mais difícil que já enfrentamos, e estamos no mercado há 35 anos.”
Para muitos empregadores – em especial nos setores de baixa remuneração que exigem interação presencial –, vagas em cargos críticos não foram preenchidas e o trabalho precisou ser distribuído entre um número menor de funcionários, o que elevou o número de horas que cada um trabalhava.
Desde então, grandes contingentes de trabalhadores se reintegraram à força de trabalho, o que permitiu que empresas que vinham operando com pouco pessoal preenchessem funções decisivas. “Estamos conseguindo que mais pessoas voltem ao trabalho, e isso permite que parte do trabalho seja dividida”, disse Omair Sharif, fundador da Inflation Insights.
Em hotéis, restaurantes e lojas, que dependem relativamente mais de funcionários de meio período, a semana de trabalho recuou cerca de 5% em relação aos picos da pandemia — comparativamente ao declínio de 2% registrado pela economia como um todo.
A rede de restaurantes El Pollo Loco disse que conseguiu contratar um número de pessoas suficiente para suas diferentes lojas, o que permitiu que os funcionários não tenham mais de ignorar intervalos ou fazer hora extra.
“Nossos restaurantes estão, basicamente, com o pessoal completo”, disse recentemente Laurance Roberts, CEO da empresa Costa Mesa, da Califórnia, aos analistas.
“Superamos o ponto em que a oferta era uma grande limitação – quando os restaurantes tinham de fechar em determinados dias ou por certo número de horas por falta de funcionários suficientes”, disse Stephen Juneau, economista do Bank of America Merrill Lynch. “Operamos agora de maneira ‘normal’, mas isso não quer dizer que o mercado não continue ainda muito aquecido.”
A cadeia de lojas de conveniência Casey’s disse que os funcionários estão permanecendo no trabalho por mais tempo. Isso resultou numa redução de 20% nas horas extras em seu mais recente trimestre, uma vez que as lojas não precisaram mais depender de que um número menor de funcionários trabalhasse mais.
Uma medida ligeiramente diferente oferece outro motivo possível para que o mercado de trabalho continue apertado com a queda das horas de trabalho: as pessoas estão trabalhando menos simplesmente porque querem.
Durante a pandemia, os trabalhadores americanos começaram a passar menos horas no emprego, segundo um estudo do economista Yongseok Shin e colegas, da Universidade de Washington, campus de St. Louis. A pesquisa se baseia nos dados do levantamento do Departamento de Censo dos EUA entre famílias e reflete o número de horas que os consultados e outros membros da família de fato trabalharam. Isso difere do levantamento mais conhecido realizado entre os empregadores, baseado em quantas horas as empresas pagavam aos funcionários por posto de trabalho.
Essa tendência continuou aumentando mesmo com o esmorecimento do impacto da covid-19. Excluindo-se os meses iniciais da pandemia, o trabalhador médio agora trabalha menos horas do que em qualquer momento desde 2014, durante a lenta recuperação da crise financeira global que se estendeu de 2007 a 2009.
Dados da pesquisa sugerem que isso reflete uma mudança das prioridades catalisada pela pandemia, que o trabalho remoto possivelmente contribuiu para promover, ao facilitar que as pessoas encerrassem o expediente cedo sem se preocupar com olhares de desconfiança da parte dos chefes, disse Shin.
O fato de a redefinição da vida laboral ter afetado a todos simultaneamente pode também ter sido um fator, acrescentou ele. Provavelmente, os trabalhadores se preocupavam antes da pandemia com a possibilidade de serem preteridos em promoções ou na obtenção de bonificações se trabalhassem menos que seus colegas.
“Mas, com um número suficiente de pessoas optando por trabalhar menos horas ao mesmo tempo, eles não têm de temer a possibilidade de perder posição na economia”, disse Shin. “É por isso que acho que essa é uma tendência estável.”
(Colaborou Sarah Chaney Cambon)