Se a oligarquia de Roma pudesse viajar para o futuro, talvez aprenderia um ou dois truques da Ivy League dos EUA (o grupo das oito universidades de primeira linha do país). É difícil pensar em um sistema melhor de perpetuação da elite do que o praticado por essas escolas. Há dias, a Suprema Corte americana aboliu a ação afirmativa na educação superior americana – decisão lamentada pelos diretores de cada uma das oito universidades da Ivy League. Dartmouth chegou até a oferecer orientação a estudantes traumatizados. Um romano da Antiguidade poderia pensar que algo tinha mudado radicalmente. Mas nada estaria mais distante da realidade.
Dos 31 milhões de americanos na faixa dos 18 aos 24 anos, apenas 68 mil estudam nas universidades da Ivy League — cerca de 0,2%. Destes, uma parcela variável é de beneficiários não brancos da ação afirmativa. Muitos desses provêm de famílias negras ou latinas privilegiadas, em contraposição ao South Side de Chicago ou às áreas devastadas de Detroit. Essa é a base sobre a qual a Ivy League reivindica ser uma geradora de mudança social. Trata-se de uma ilusão de ótica. Sob esse ponto de vista a Suprema Corte prestou um favor aos EUA. Qualquer freio a esse “status quo” é um benefício.
Mas a decisão pouco tende a desencadear os questionamentos de ordem existencial de que os EUA carecem. O debate americano continua obstinadamente monopolizado pelo colapso étnico sofrido pelo insignificante número de estudantes que saem vencedores na loteria da Ivy League. O grupo de aproximadamente 19 milhões desses 31 milhões de jovens americanos que não vão além do ensino médio, e os aproximadamente 12 milhões que frequentam universidades não tão de elite mal aparecem. Sejam quais forem os artifícios de que a Ivy League terá de lançar mão para manter seus coeficientes de diversidade após a decisão judicial, eles serão, portanto, em grande medida irrelevantes para os 99,8% que nunca chegarão lá.
A opção autenticamente radical ao alcance da Ivy League — a de gastar suas amplas receitas de doações para aumentar significativamente o número de estudantes – pouco tende a ser cogitada. O conceito-chave da Ivy League é exclusividade; uma grande expansão de ingressos diluiria esse diferencial. Tendemos, portanto, a dar continuidade a uma situação em que universidades como Harvard, que administra US$ 53 bilhões em recursos, ou Princeton, com US$ 36 bilhões, continuarão a enriquecer. Cada uma dessas fortunas poderia revolucionar a ajuda financeira a dezenas de universidades públicas.
A segunda opção mais radical seria a Ivy League abolir o que é conhecido como “ALDC” – atletas, legado, lista do reitor e filhos do corpo docente e do quadro de funcionários. Quarenta e três por cento dos admitidos por Harvard provêm de um desses grupos. O primeiro, atletas, inclui esportes somente passíveis de ser aprendidos pelos privilegiados, como lacrosse, navegação a vela e remo. Os generosos ingressos na área de esportes das universidades é o motivo pelo qual muitos escândalos recentes de admissão envolveram diretores esportivos. Ao contrário da impressão popular, a maioria dos estudantes atletas não são jogadores negros de basquete. Sessenta e cinco por cento são brancos.
O segundo grupo, os alunos por legado, são os parentes próximos dos ex-alunos — a própria definição de reprodução da elite. Mais uma vez, são, na maioria, brancos. O terceiro, a lista do reitor, é um eufemismo para os filhos de pessoas que doaram muito dinheiro. Um exemplo de um deles é Jared Kushner, o genro de Donald Trump, cujo pai, Charles, deu US$ 2,5 milhões a Harvard. Finalmente, há os filhos de membros do corpo docente e dos funcionários. Tomada conjuntamente, a Ivy League poderia, com igual ou até maior plausibilidade, ser interpretada como uma ação afirmativa para pessoas brancas ricas, o que se distancia, e muito, da marca progressista que cultivou.
Suas principais vítimas são asiáticas. A ironia da história é forte. Ação afirmativa foi concebida na década de 60 como uma forma de reparação destinada aos descendentes de escravos. Transformou-se rapidamente em um sistema de jogo de azar racial para muitas etnias. O grupo mais prejudicado, o de asiáticos-americanos, são imigrantes de países que nada tinham a ver com a escravidão americana. Os principais beneficiários foram as pessoas da elite branca, e não os afro-americanos. Estes últimos respondem pelo verniz que dá brilho a um sistema que permanece essencialmente inalterado.
Talvez o maior custo para a sociedade americana é a obsessão da elite com o fator raça. Ao ter se beneficiado de um sistema que gostariam de ver herdado pelos seus filhos, não espanta que tenham ficado indignados com a decisão da Suprema Corte. A mídia americana é dominada por formados na Ivy League. Trata-se de experiência de vida que predispõe as pessoas a ver a cor antes da classe.
A única mudança que poderia vir a ser considerada radical em uma sociedade que se diz meritocrática é uma mudança que melhoraria as oportunidades da vida para os demais. Isso significaria começar do início da vida de uma criança com melhor assistência infantil, boa educação pré-escolar e assim por diante. Envolveria aumentar drasticamente o fluxo de estudantes passíveis de ter a oportunidade de vencer na loteria educacional. Enquanto esse quadro não mudar — e isso só ocorrerá se a questão se tornar o foco dos EUA —, a atual discussão é um monumental ato de tapar o sol com a peneira.