Histórias de brigas em família por causa de herança, especialmente relacionadas a imóveis, são comuns e frequentemente terminam nos tribunais. Além do desgaste emocional, filhos, cônjuges e parentes precisam arcar com os custos de advogados, inventários e partilhas de bens. Para evitar esses transtornos, especialistas em sucessões recomendam que o patrimônio acumulado ao longo dos anos seja transmitido ainda em vida aos familiares, prática conhecida como planejamento sucessório para transmissão de imóveis.
Planejamento Sucessório: Uma Necessidade Urgente
Em 2013, um grave acidente de carro levou o tenente André Mariano Silva, de 49 anos, a procurar um advogado para regulamentar a transferência patrimonial para seus dois filhos, que na época eram menores de idade. O processo de inventário precisou ser judicial e supervisionado pelo Ministério Público. “Quando acordei do coma induzido, eu só fazia chorar. Pensei em como eles ficariam sem o meu apoio financeiro. E, por serem menores de idade, talvez outros parentes pudessem se aproveitar da situação”, relata Silva.
Importância da Antecipação
Embora não exista um momento ideal para iniciar um planejamento sucessório, especialistas explicam que a antecipação é uma grande aliada. Quanto mais cedo uma pessoa começar a elaborar uma estratégia eficiente, mais tempo a família terá para compreender as propostas e para que os profissionais envolvidos analisem detalhadamente a documentação necessária, executando o trabalho com precisão.
Simone Campagnoli, advogada e corretora de imóveis, destaca: “Entendo que esse assunto tem que fazer parte do planejamento de vida. A documentação dos bens tem que estar regularizada, as pessoas envolvidas precisam ter ciência do planejamento e da vontade do proprietário para que não passem pelo efeito surpresa, o que muitas vezes vem acompanhado de prejuízo por falta de planejamento.”
O Tabu da Morte
Um grande entrave para que o planejamento sucessório se torne uma prática comum nas famílias é o tabu em torno da morte. “Vivemos numa sociedade que prefere não falar sobre ela. Encaram a morte como um assunto pesado e até desnecessário. Isso é compreensível porque envolve medo, tristeza e perda. Muita gente acha, inclusive, que a morte é um assunto íntimo e, por isso, deve ser evitado”, analisa Simone Ribeiro, doutora em sociologia pela USP.
Benefícios do Planejamento Sucessório
Um diálogo aberto e transparente entre os membros da família sobre o planejamento sucessório pode evitar dúvidas e mal-entendidos no futuro. “Todo planejamento e organização nesse assunto pode evitar despesas e custos elevados, que, na maioria das vezes, acabam inviabilizando a abertura ou o encerramento dos inventários”, explica Campagnoli.
Marina Teixeira Monteiro, advogada e especialista em direito de família e sucessões, acrescenta que o patrimônio a ser deixado por herança não diz respeito apenas à questão financeira. “Está relacionado ao legado, nome e história da família, e um planejamento bem alicerçado e respaldado juridicamente, que leve também em consideração esses valores, pode evitar que a sucessão se transforme em uma infindável disputa familiar”, afirma.
Rosamaria de Castro, professora universitária aposentada de 76 anos, já dividiu os bens que deixará para filhos e netos. “Quando a gente envelhece, é sempre uma alegria acordar e estar viva por mais um dia. Mas isso não será para sempre. Por isso, nos últimos anos, depois de refletir tanto sobre a morte, com uma certa consciência, decidi deixar tudo organizado ainda em vida”, conta.
Dicas para um Planejamento Sucessório Eficiente
Antes de iniciar a elaboração de um planejamento sucessório, é fundamental considerar diversos aspectos, como a localização do imóvel, valor de mercado, situação registral e eventuais dívidas ou ônus sobre os bens. Monteiro aconselha: “Um levantamento patrimonial detalhado facilita o planejamento sucessório e contribui para uma transição mais tranquila e ordenada, beneficiando todos os envolvidos.”
A presença de um advogado especializado em sucessão é crucial para evitar disputas familiares durante o processo de partilha de bens. Esse profissional atua nas questões legais, orienta sobre a divisão de imóveis e redige documentos claros e precisos, como testamentos e contratos de doação.
Etapas do Planejamento Sucessório
- Levantamento do Patrimônio Familiar: Identificar a localização dos bens, seu valor de mercado, situação registral e possíveis dívidas ou ônus.
- Identificação dos Futuros Herdeiros: Verificar a existência de herdeiros necessários, cônjuge ou companheiro e regime de bens da união.
- Escolha da Melhor Estrutura Sucessória: Avaliar a melhor forma de estruturar a sucessão, considerando testamentos, holding familiar, doações, entre outras opções.
Documentos Importantes para Transmissão de Bens
Para um planejamento sucessório eficiente, é necessário reunir documentos como a declaração de imposto de renda pessoa física (IRPF) do titular e cônjuge, certidão de casamento ou contrato de união estável, e informações sobre os bens não incluídos na IRPF, incluindo data de aquisição e valor de mercado. Também devem ser indicados os contratos sociais das sociedades das quais o titular faz parte e o último balanço patrimonial.
Custos do Planejamento Sucessório
Os custos envolvidos no planejamento sucessório podem variar conforme a estratégia escolhida. Existem duas abordagens principais: o planejamento sucessório em vida, que inclui doações e criação de holdings familiares, e o planejamento pós-morte, que abrange testamentos e inventários.
É importante considerar impostos como o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), taxas de cartório, avaliações de imóveis, custas judiciais, honorários advocatícios e despesas para regularizar imóveis.
Como Reduzir a Carga Tributária
Diversos fatores podem influenciar na redução da carga tributária, especialmente na maneira escolhida para transmitir o patrimônio. Doações em vida, por exemplo, podem ter alíquotas de ITCMD mais baixas em comparação com transmissões após a morte. A criação de holdings familiares também oferece proteção patrimonial e simplifica a gestão dos bens.
Simone Campagnoli ressalta que cada caso requer um estudo específico: “Para decidir qual a melhor estratégia, será necessário realizar um estudo da situação real do patrimônio e do número de herdeiros. Com boa análise profissional e antecipação, é possível reduzir a carga tributária.”
Reforma Tributária e Impactos no Imposto sobre Herança
A reforma tributária (PEC 45/2019), aprovada pelo Congresso em dezembro do ano passado, propõe tornar progressivo o imposto sobre heranças e doações em dez estados brasileiros. Atualmente, a alíquota máxima é de 8%, mas há uma proposta em discussão para aumentar para até 16%.
Rodrigo Carvalho, economista, explica que a obrigatoriedade das alíquotas progressivas de ITCMD pode resultar em um aumento nos custos para a transferência de bens. “Essa mudança pode ter implicações no planejamento sucessório e na decisão de transmitir patrimônio. As alíquotas mais altas podem influenciar as estratégias de gestão de ativos e a divisão do patrimônio familiar”, projeta.