Além dos algoritmos e das linhas de códigos de programação, o desenvolvimento de aplicações de Inteligência Artificial (IA) deve ser acompanhados de responsabilidade, ressaltou Colin Murdoch, vice-presidente do Google DeepMind, esta semana, durante o evento de inovação Collision 2023, que aconteceu esta semana em Toronto no Canadá.
A divisão especializada em criar algoritmos de aprendizado de máquina é resultado da compra da britânica DeepMind pelo Google, em 2015.
Dos laboratórios da DeepMind saem aplicações como o estudo da estrutura das proteínas, principais componentes das células, para a prevenção e o tratamento de doenças como a malária, e a aplicação de robôs que jogam futebol em fábricas e na recuperação de desastres. No entanto, há riscos que devem ser mitigados desde o início, alertou o especialista no palco principal do Collision, durante a palestra “Como a IA está mudando o mundo”.
“Os impactos da IA serão enormes, mas é realmente importante que eles sejam seguros, éticos e inclusivos para que criemos um futuro positivo a todo mundo”, disse o co-fundador da DeepMind, criada em 2010. “Se formos responsáveis, tenho uma grande esperança em nosso futuro”.
Murdoch fez um apelo direto à audiência do evento, composta por muitos profissionais de tecnologia e inovação. “Peço a todos vocês que, quando forem desenvolver ou usar uma aplicação de IA, por favor, se concentrem em construir uma comunidade forte ao redor”, disse.
O executivo explicou que o Google trabalha com um comitê de especialistas de diversas áreas, como biotecnologia, aprendizado de máquina e ética, por exemplo, contando com o olhar externo do encaminhamento da IA.
“As pessoas que desenvolvem a inteligência artificial precisam representar uma parcela mais ampla da sociedade. É extremamente importante para reduzir vieses”, ressaltou.
Ao fim do mesmo dia em que Murdoch subiu ao palco do Collision, o ‘padrinho da IA’, Geoffrey Hinton, que estuda IA há 40 anos e deixou o Google em maio, alertou para um perigoso desequilíbrio entre equipes dedicadas a melhorar as aplicações de IA e aquelas que deveriam vigiá-la mais de perto.
“Estamos entrando um período de grande ansiedade, com pessoas bradando que tudo vai ficar bem, mas temos que observar que, se as máquinas vão pensar como nós, o que é bem provável, podem nos ultrapassar…”, alertou Hinton a uma plateia superlotada, ao fim do segundo dia do evento.
Entre as aplicações desenvolvidas pelo GoogleDeepMind, Murdoch mostrou um projeto para tornar a previsão do tempo mais precisa e rápida. “Isso ajudando empresas e pessoas a terem melhores respostas a condições climáticas extremas e ao impacto devastador que elas podem gerar”, disse.
Do lado de fora do Collision, as ruas de Toronto e de dezenas de cidades da América do Norte, sentem a fumaça resultante da pior onda de incêndios florestais vista no Canadá nos últimos anos, que reflete a crise climática global.
Reduzir as emissões geradas pelo alto poder computacional, que também é exigido por aplicações de IA generativa como o Bard, concorrente do Google para o ChatGPT, da OpenAI, foi outra frente destaca pelo criador da DeepMind.
“Computadores podem esquentar bastante e imagine o quão quentes são conjuntos de computadores em grandes centos de dados”, comentou Murdoch. “O que muita gente não sabe é que a maior parte da energia consumida nesses centros de dados é dedicada a resfriar computadores”, completou.
Em 2016, a divisão DeepMind desenvolveu um algoritmo de IA capaz de reduzir em 40% o consumo de energia dedicada à refrigeração de data centers.
Para defensores do meio ambiente, no entanto, gigantes de tecnologia como Google, Amazon, Microsoft entre outras, podem fazer mais para ajudar a evitar incêndios descontrolados como os que devastam as florestas durante o verão canadense.
“Muitas empresas de tecnologia dizem que vão zerar suas pegadas de carbono, reduzir emissões de gases, mas não pensaram em criar forças-tarefa em prol de ações climáticas pela natureza ou no que estão fazendo, de fato, pela biodiversidade”, diz Megan Leslie, diretora-presidente da organização não governamental World Wildlife Fund (WWF) no Canadá, ao Valor, durante o Collision.
Na área da saúde, cientistas da Universidade de Oxford, no Reino Unido, desenvolvem uma vacina contra a malária, com base no mapeamento de milhões de estruturas de proteínas – quase todas as estruturas de proteína conhecidas pela ciência – em parceria com o AlphaFold, software de código aberto da DeepMind. A mesma tecnologia também é aplicada no estudo de bactérias resistentes a antibióticos na Universidade do Colorado (EUA).
Murdoch também aproveitou o tema para dar um recado sobre a regulação da IA discutida na Europa, EUA e no Brasil. “Também trabalhamos em parceria com governos e órgãos reguladores para permitir que a regulação seja efetiva, mas [permitindo] que a inovação aconteça”, declarou.
*A repórter viajou a Toronto a convite do Collision.