As previsões para o mercado cambial em setembro apontam para um cenário de volatilidade, marcado por incertezas tanto no ambiente internacional quanto no doméstico. A valorização do real frente ao dólar, que poderia ser impulsionada por cortes nas taxas de juros nos Estados Unidos e por um possível aumento de 25 pontos-base na Selic, ainda enfrenta obstáculos significativos. Questões como a falta de consolidação na alta dos juros no Brasil e a queda nos preços das commodities podem prejudicar a moeda brasileira. Além disso, as reformas fiscais e as discussões orçamentárias internas continuam sendo fatores de risco que podem manter o dólar em patamares elevados.
Cenário Internacional: O Papel do Federal Reserve
O discurso recente do presidente do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell, durante o Simpósio Econômico de Jackson Hole, indicou uma possível mudança de postura do banco central americano, com uma inclinação para cortes nas taxas de juros. Essa sinalização, vista como dovish pelo mercado, sugere que o Fed está disposto a reduzir as taxas para apoiar o mercado de trabalho, mesmo que a inflação nos EUA esteja próxima da meta de 2%.
Essa expectativa de cortes nas taxas de juros nos Estados Unidos tem gerado especulações sobre uma possível valorização das moedas emergentes, incluindo o real. O analista Matheus Spiess, da Empiricus Research, destaca que um corte de 25 pontos-base pelo Fed poderia beneficiar moedas como o real. Contudo, ele adverte que, caso o corte seja de 50 pontos-base, o impacto positivo no mercado de câmbio pode ser menos duradouro, com pouca margem para novos cortes substanciais.
Além disso, uma desaceleração econômica organizada nos EUA pode permitir cortes de juros mais responsáveis, o que favoreceria um ambiente de maior estabilidade no mercado cambial global. Spiess acredita que um cenário de emprego mais fraco nos Estados Unidos poderia levar a cortes mais agressivos, o que, por sua vez, enfraqueceria o dólar e abriria espaço para uma valorização do real.
Impactos no Cenário Doméstico: Selic e Repercussões na Economia Brasileira
No Brasil, o mercado continua atento às decisões do Banco Central (BC) sobre a Selic, a taxa básica de juros. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, recentemente afirmou que o dólar não está mais descolado dos fundamentos econômicos, destacando o compromisso da instituição em atingir a meta de inflação. Essa declaração foi reforçada pelo provável sucessor de Campos Neto, Gabriel Galípolo, que enfatizou que a autonomia do BC não implica em ações arbitrárias, mas sim em decisões alinhadas com os objetivos de estabilidade econômica.
O cenário de alta da Selic, atualmente em 10,50% ao ano, é visto por analistas como uma medida necessária para ancorar as expectativas de inflação e fortalecer a confiança no mercado. Matheus Spiess sugere que o BC pode adotar uma estratégia de aumento gradual da Selic, com dois possíveis aumentos de 25 pontos-base até novembro, como forma de garantir uma maior estabilidade cambial e preparar o terreno para futuros cortes de juros.
Por outro lado, a incerteza em relação às reformas fiscais e a contenção orçamentária no Brasil continua sendo um fator de preocupação. A falta de avanço nessas áreas pode minar a confiança no real, especialmente em um contexto de incertezas globais. Spiess alerta para a possibilidade de que, sem uma ação decisiva do BC e do governo, o real pode enfrentar dificuldades para se valorizar, mesmo com um ambiente internacional favorável.
Geopolítica e Commodities: Fatores Externos que Impactam o Real
As tensões geopolíticas, como a guerra na Ucrânia e as relações comerciais entre Estados Unidos e China, continuam a influenciar o mercado cambial. Em tempos de incerteza global, o dólar tende a se valorizar como um ativo seguro, enquanto moedas de mercados emergentes, como o real, podem sofrer pressão.
Além disso, a situação no Oriente Médio e outras regiões instáveis contribui para a busca por ativos seguros, fortalecendo o dólar. O diretor de câmbio da Ourominas, Elson Gusmão, explica que esses fatores externos, combinados com a volatilidade interna, tornam o cenário cambial ainda mais incerto para os próximos meses.
O mercado de commodities também desempenha um papel crucial na dinâmica do câmbio no Brasil. Uma queda nos preços das commodities, exacerbada por uma desaceleração econômica global ou por uma demanda enfraquecida da China, principal parceiro comercial do Brasil, poderia prejudicar o real. A deterioração das condições da balança comercial brasileira, em um cenário de aversão ao risco, fortaleceria o dólar e dificultaria uma valorização consistente do real.
A Entrada de Capital Estrangeiro e o Impacto na Taxa de Câmbio
Apesar das incertezas, o mercado financeiro brasileiro continua atraindo investidores internacionais, impulsionados pelas altas taxas de juros. A Selic em níveis elevados torna o Brasil um destino interessante para o capital estrangeiro, especialmente em um contexto de possível corte de juros nos Estados Unidos. No entanto, o impacto dessa entrada de capital no câmbio não tem sido tão evidente quanto o esperado.
Acilio Marinello, sócio-fundador da Essentia Consulting, observa que, embora a teoria sugira que um aumento na Selic deveria levar a uma redução na taxa de câmbio, o impacto dessa medida tem sido limitado. Fatores como a conjuntura política e econômica do Brasil, incluindo a lentidão nas reformas fiscais e a incerteza em torno do IVA na reforma tributária, têm mantido o dólar em patamares elevados, entre R$ 5,40 e R$ 5,50.
Projeções para o Câmbio em Setembro
Para setembro, os analistas enxergam mais vetores positivos para o real do que negativos, mas os riscos permanecem. Marcos Freitas, analista macroeconômico da AF Invest, acredita que a combinação de uma possível continuidade da alta de juros no Brasil e cortes nos Estados Unidos poderia fortalecer o real. Ele destaca que a inflação no Brasil está prevista para cerca de 4%, enquanto o PIB tem sido revisado para cima, sinalizando uma aceleração econômica que poderia reduzir a pressão sobre o dólar.
No entanto, Freitas alerta para o risco de uma possível não consolidação da alta de juros pelo Copom, o que poderia enfraquecer o real. Além disso, uma queda significativa nos preços das commodities, combinada com uma deterioração nas condições da balança comercial, poderia afetar negativamente a moeda brasileira.
Elson Gusmão, da Ourominas, projeta uma inflação de 4,25% e um crescimento do PIB de 2,43% no Brasil em setembro. Ele ressalta que o sentimento dos investidores, influenciado pela aversão ao risco e pela busca por rendimento, continuará a desempenhar um papel crucial na determinação da taxa de câmbio. A entrada e saída de dólares no mercado local serão fatores determinantes para a cotação do dólar nos próximos meses.
O mercado cambial brasileiro enfrenta um cenário complexo em setembro, com diversos fatores, tanto internos quanto externos, influenciando a valorização ou desvalorização do real frente ao dólar. A trajetória da Selic, as reformas fiscais e a conjuntura geopolítica global serão determinantes para o comportamento do câmbio no Brasil. Investidores devem se preparar para um mês de alta volatilidade, com possíveis oscilações significativas na taxa de câmbio, dependendo das decisões dos bancos centrais e dos desdobramentos das reformas internas.