STF debate responsabilidade de plataformas digitais por conteúdos publicados por usuários
O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta quarta-feira, 27 de novembro de 2024, um dos julgamentos mais esperados do ano, analisando a responsabilidade das plataformas digitais pelos conteúdos postados por seus usuários. A decisão pode impactar significativamente o Marco Civil da Internet e o funcionamento das redes sociais no Brasil.
O Contexto do Julgamento
No centro da discussão estão duas ações que questionam a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI). Este dispositivo, criado em 2014, estabelece que as plataformas só podem ser responsabilizadas por conteúdos de terceiros se não cumprirem ordens judiciais para remoção. Entretanto, há exceções para casos de violação de direitos autorais e divulgação de imagens íntimas sem consentimento, em que as empresas devem agir imediatamente após a notificação da vítima.
Enquanto defensores do artigo 19 argumentam que ele protege a liberdade de expressão ao evitar a censura prévia pelas plataformas, críticos afirmam que a norma é insuficiente para proteger os direitos no ambiente digital, devido à lentidão da Justiça em responder a situações de dano imediato.
Cenários Possíveis
Especialistas apontam que o STF pode seguir por diferentes caminhos:
- Inconstitucionalidade do Artigo 19:
Nesse cenário, o regime atual que protege as plataformas seria desfeito, reintroduzindo o sistema de “notice and take down” (notificar e derrubar). Nesse modelo, as plataformas seriam obrigadas a remover conteúdos assim que notificadas por usuários, sem necessidade de ordem judicial. - Interpretação Conforme à Constituição:
O STF poderia manter o artigo 19 válido, mas com novos parâmetros. Isso incluiria a criação de exceções em que as plataformas devem agir antes de ordens judiciais, como em casos de incitação à violência ou ataques à democracia.
Impactos para as Plataformas e o Usuário Final
Empresas como Meta (dona do Facebook e Instagram), Google (controladora do YouTube), e X (antigo Twitter) estão no centro do debate, que pode trazer custos elevados de compliance. Segundo André Giacchetta, advogado que representa o X, a automação atual das plataformas não seria suficiente para lidar com interpretações subjetivas, como as relacionadas a discursos de ódio ou menções a golpes de Estado.
O impacto seria ainda mais severo para plataformas menores, que poderiam remover conteúdos em excesso para evitar riscos legais. Esse cenário poderia limitar a diversidade de vozes na internet, afetando negativamente a liberdade de expressão.
Regulamentação Digital e o Papel do Congresso
Embora o Supremo tenha assumido o julgamento, o debate deveria ter avançado no Congresso Nacional. O PL das Fake News, criado para regulamentar as redes, está estagnado após resistências políticas. Ministros como Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes frequentemente alertaram sobre a relação entre a falta de regulação digital e ataques à democracia, citando exemplos como os atos de 8 de janeiro de 2023.
O julgamento no STF também ocorre após diversas tentativas de diálogo com a sociedade civil. Uma audiência pública em 2023 destacou a complexidade do tema, mas sem resultados concretos.
Casos Concretos que Chegaram ao STF
Duas ações específicas sustentam o julgamento:
- Facebook e perfil falso:
Em 2017, o Facebook foi condenado a indenizar uma usuária em R$ 10 mil por não remover um perfil falso mesmo após notificação. A empresa recorreu ao STF contra a decisão. - Google e ofensas no Orkut:
O Google, por sua vez, foi condenado a pagar R$ 21 mil a uma professora alvo de comentários ofensivos em uma comunidade do extinto Orkut. A empresa argumenta que não pode ser responsabilizada diretamente pelo conteúdo de terceiros.
Esses casos exemplificam a dificuldade das plataformas em responder a demandas jurídicas complexas e o impacto potencial de suas decisões sobre usuários.
O Que Está em Jogo?
A decisão do STF pode redefinir o equilíbrio entre liberdade de expressão, proteção de direitos individuais e a responsabilidade das plataformas digitais no Brasil. Além disso, empresas, usuários e o próprio sistema jurídico brasileiro podem enfrentar um cenário de maior incerteza e custos operacionais elevados.
A expectativa é que o julgamento se estenda por meses ou até 2025, dada sua relevância e complexidade. Seja qual for o resultado, ele representará um marco na governança da internet no país.