O agravamento da seca em todo o Brasil está levando o país a uma crise energética significativa, com potencial para apagões e aumento nos preços da energia. Este fenômeno climático extremo não só provocou incêndios recordes e colheitas fracas, mas também ameaça o fornecimento de energia, um dos pilares da economia brasileira.
Crise Hídrica e Impacto nas Usinas Hidrelétricas
O Brasil, que historicamente depende das usinas hidrelétricas para mais da metade de sua energia elétrica, está enfrentando uma queda crítica nos níveis dos reservatórios que abastecem essas usinas. De acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), as barragens nas regiões Sudeste e Centro-Oeste estão com uma média de 57% da capacidade total, uma redução significativa em relação aos 68% de junho e aos 78% do ano passado.
Ana Paula Ferme, chefe da área de elétricas e regulação econômica na Thymos Energia, descreve a situação como “preocupante”, alertando para potenciais impactos no abastecimento energético e na inflação. A seca está colocando o Brasil em um cenário desafiador que demanda ações coordenadas para mitigar os riscos associados à crise hídrica.
Uso de Fontes Alternativas de Energia
Diante da redução nas reservas de água, o país pode precisar recorrer a usinas termelétricas que utilizam carvão, gás natural, diesel e biomassa para compensar a falta de energia hidrelétrica. No entanto, essas fontes de energia são mais caras e podem elevar os preços da eletricidade, impactando negativamente a economia, como observa Juliana Inhasz, professora de economia no Insper. Pode ser um grande balde de água fria na percepção do governo”, afirma Inhasz, referindo-se ao impacto potencial sobre a expectativa de crescimento econômico.
Impactos Econômicos e Ambientais da Seca
Além dos desafios no setor energético, a seca já está gerando impactos financeiros significativos. O Brasil, sendo o maior produtor mundial de café, viu os futuros da variedade arábica dispararem devido às preocupações com a colheita. Plantios de cana-de-açúcar também foram prejudicados, e o efeito adverso deve se estender até o próximo ano. Empresas de transporte de grãos estão alertando sobre possíveis gargalos devido aos baixos níveis dos rios.
Os danos ambientais são igualmente alarmantes. São Paulo, o estado mais rico do país, enfrentou um número recorde de incêndios, enquanto partes da floresta amazônica e do Pantanal também foram afetadas. Além disso, cidades como Bauru e Piracicaba estão enfrentando racionamento de água, evidenciando a gravidade da crise hídrica.
Medidas Adotadas pelo Governo
Para enfrentar a crise, todas as usinas de energia de combustíveis fósseis foram notificadas desde julho para se prepararem para um uso mais intenso no segundo semestre do ano. O governo brasileiro também está negociando com o Paraguai para elevar temporariamente o nível de água na Usina de Itaipu, localizada na fronteira entre os dois países, a fim de aumentar sua produção elétrica.
Além disso, as indústrias estão sendo incentivadas a reduzir o consumo de eletricidade durante os horários de pico por meio de leilões organizados pelo ONS. Victor Iocca, diretor da Abrace, explicou que as empresas fazem ofertas para cortar o consumo em horários específicos, e o ONS seleciona a melhor opção entre as ofertas e o uso das usinas termelétricas.
Perspectivas Futuras e Riscos
O aumento nos preços da energia está projetado para impactar a inflação, com Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos, prevendo um aumento da inflação de 4,4% para 4,5% devido ao aumento dos preços da eletricidade. O Sudeste, onde está concentrado o mercado consumidor, enfrenta riscos adicionais de fornecimento, especialmente durante as últimas horas do dia, quando a energia solar não está mais disponível. Iocca alerta para possíveis apagões em outubro e novembro, quando as temperaturas altas fazem com que os consumidores utilizem o ar condicionado até tarde.
Apesar de a situação poder parecer grave, o Brasil ainda se beneficia de uma forte estação chuvosa no final de 2022 e início de 2023, que ajudou a elevar os níveis dos reservatórios. No entanto, se a próxima estação chuvosa, que começa em outubro, não for favorável, o sistema elétrico pode enfrentar uma pressão ainda maior no próximo ano. Ana Paula Ferme destaca que a perspectiva do ONS indica a possibilidade de níveis críticos em alguns reservatórios, caso a seca persista e o padrão de chuvas não melhore significativamente nos próximos meses.
A seca severa no Brasil está criando uma crise energética com implicações econômicas e ambientais profundas. Com a necessidade de recorrer a fontes de energia mais caras e a pressão sobre os preços e a inflação, o país enfrenta desafios significativos para garantir a estabilidade do fornecimento de eletricidade e mitigar os impactos sobre a economia. A resposta governamental e as medidas de curto prazo serão cruciais para enfrentar essa crise e minimizar os riscos de apagões e aumentos de preços.