A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou a favor da presença de símbolos religiosos em prédios públicos, desde que sua exposição tenha como objetivo principal manifestar a tradição cultural da sociedade brasileira. Essa decisão surge em um momento de intenso debate sobre a laicidade do Estado e a liberdade religiosa, princípios consagrados na Constituição Federal.
O julgamento, que ocorre em ambiente virtual, envolve um recurso questionando a legalidade da exibição de símbolos religiosos, como crucifixos e imagens sacras, em órgãos públicos e unidades de atendimento ao cidadão. O tema ganhou destaque por confrontar valores como a neutralidade do Estado em relação às crenças religiosas e o reconhecimento da herança cultural do país.
A decisão do STF e seus fundamentos
A tese vencedora foi apresentada pelo relator do caso, ministro Cristiano Zanin. Em sua argumentação, Zanin afirmou que a presença desses símbolos em locais públicos não viola os princípios constitucionais de laicidade estatal, não discriminação e impessoalidade, desde que estejam relacionados à tradição cultural.
Zanin sugeriu a seguinte tese, que foi acatada pela maioria dos ministros:
“A presença de símbolos religiosos em prédios públicos, pertencentes a qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, desde que tenha o objetivo de manifestar a tradição cultural da sociedade brasileira, não viola os princípios da não discriminação, da laicidade estatal e da impessoalidade.”
A decisão também estipula que a tese será aplicada em processos semelhantes nas instâncias inferiores da Justiça.
Entre os ministros que acompanharam o voto do relator estão Flávio Dino, André Mendonça, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. O ministro Edson Fachin também concordou com Zanin, mas destacou a importância de reconhecer a diversidade cultural e as diferentes formas de manifestação religiosa no Brasil.
Fachin ressaltou:
“Por me alinhar à percepção de que a presença do crucifixo em espaços públicos se coloca como uma manifestação cultural, não verifico violação à liberdade de crença e consciência e à laicidade estatal.”
A origem da disputa jurídica
O caso chegou ao STF por meio de uma ação do Ministério Público Federal (MPF), que contestava a presença de símbolos religiosos em prédios públicos destinados ao atendimento ao público no estado de São Paulo.
Inicialmente, a Justiça Federal negou o pedido do MPF, argumentando que a laicidade do Estado não impede a convivência com símbolos religiosos em locais públicos, uma vez que esses objetos refletem a história e a identidade cultural nacional ou regional.
Posteriormente, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) manteve a decisão de primeira instância, reforçando que a presença de crucifixos e imagens sacras não fere a neutralidade estatal.
Insatisfeito, o MPF recorreu ao Supremo Tribunal Federal, que reconheceu, em 2020, a repercussão geral do tema, indicando que a decisão teria impacto em outros casos semelhantes.
Estado laico e tradição cultural
A decisão do STF reacende o debate sobre o conceito de Estado laico no Brasil. De acordo com a Constituição, o Estado deve ser neutro em relação às religiões, garantindo liberdade de crença e não promovendo ou privilegiando qualquer religião específica.
No entanto, os ministros destacaram que o reconhecimento da laicidade estatal não significa rejeição às manifestações culturais ligadas à religiosidade. Para muitos, os símbolos religiosos em espaços públicos representam não apenas fé, mas também a história e a identidade cultural do país.
Essa perspectiva é reforçada pela presença de um crucifixo no próprio plenário do STF, um fato que também foi mencionado durante o julgamento.
Repercussões e próximos passos
Com o voto favorável da maioria dos ministros, a tese defendida por Cristiano Zanin deverá orientar decisões em casos futuros, incluindo ações judiciais em instâncias inferiores.
Ainda assim, a decisão pode gerar controvérsias. Grupos que defendem um Estado mais secular podem questionar se a presença de símbolos religiosos em prédios públicos realmente se limita a uma manifestação cultural ou se há influência de valores religiosos nas instituições.
Por outro lado, defensores da medida acreditam que a decisão reforça o respeito à diversidade cultural e histórica do Brasil, sem comprometer os princípios de liberdade religiosa e neutralidade estatal.
A decisão do STF representa um marco no equilíbrio entre a laicidade estatal e a preservação da tradição cultural brasileira. Embora o debate esteja longe de ser encerrado, o voto da maioria dos ministros reforça a ideia de que símbolos religiosos em prédios públicos podem coexistir com os princípios democráticos da Constituição, desde que inseridos em um contexto cultural e histórico.