STF começa julgamento de militares conhecidos como “kids pretos” acusados de planejar a morte de Alexandre de Moraes
O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta terça-feira (11) o julgamento dos militares acusados de integrar o núcleo operacional da tentativa de golpe de Estado articulada no fim de 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). A sessão marca um novo capítulo das investigações sobre os ataques à democracia e envolve dez réus, entre eles nove militares e um policial federal.
A maior parte dos acusados faz parte do grupo conhecido como “kids pretos”, formado por oficiais do Exército com treinamento em forças especiais. Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), o grupo planejava executar ações violentas, incluindo o assassinato do ministro Alexandre de Moraes, relator dos processos do 8 de Janeiro e das tentativas golpistas.
O início do julgamento no STF
A sessão desta terça-feira, conduzida pela Primeira Turma do STF, começou com a leitura do relatório do ministro Alexandre de Moraes, seguida das sustentações orais da acusação e das defesas. O julgamento prosseguirá na próxima semana, nos dias 18 e 19 de novembro, com os votos dos ministros Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Flávio Dino, que preside a Turma.
O ministro Luiz Fux não participa da sessão, tendo deixado a Primeira Turma em outubro. Ele havia manifestado, anteriormente, posição favorável à absolvição de alguns réus, mas não formalizou seu voto antes da mudança de composição.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentou as razões para a condenação dos acusados pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano ao patrimônio público e deterioração de bem tombado.
O grupo dos “kids pretos” e o plano para matar Moraes
De acordo com a PGR, os “kids pretos” eram o braço militar do plano golpista. O grupo atuava de forma clandestina e foi dividido em três frentes distintas.
O primeiro grupo, considerado o mais grave, é acusado de planejar o assassinato do ministro Alexandre de Moraes em 15 de dezembro de 2022, data em que se intensificavam as tensões após a derrota de Bolsonaro nas urnas.
Os tenentes-coronéis Rafael de Oliveira e Rodrigo Bezerra de Azevedo são apontados como líderes dessa célula. Segundo o Ministério Público, eles integravam um grupo secreto denominado “Copa 2022”, que estaria de prontidão para executar o ataque. A operação, no entanto, teria sido abortada após o Comando do Exército negar apoio à iniciativa.
Pressão sobre os comandos das Forças Armadas
O segundo grupo de militares, segundo a denúncia, atuou para pressionar os comandantes das Forças Armadas a aderirem aos planos golpistas discutidos no Palácio da Alvorada.
No dia 28 de novembro de 2022, uma reunião no salão de festas de um prédio em Brasília teria reunido parte dos “kids pretos” com o objetivo de articular estratégias de convencimento para obter o apoio de generais e coronéis à ruptura institucional.
Entre os investigados está o general da reserva Estevam Theophilo, que na época integrava o Alto Comando do Exército. Ele é acusado de dar aval aos planos golpistas após um encontro reservado com Jair Bolsonaro. A defesa do militar nega qualquer envolvimento e afirma que a acusação se baseia apenas em mensagens trocadas entre o tenente-coronel Mauro Cid e outros assessores presidenciais, sem provas materiais.
Disseminação de desinformação e estímulo a atos golpistas
O terceiro grupo do núcleo militar é acusado de espalhar desinformação sobre o sistema eleitoral e estimular atos antidemocráticos em frente a quartéis. As provas reunidas pela PGR incluem conversas interceptadas e trocas de mensagens com Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
Entre os réus estão Bernardo Romão Correa Neto, Fabrício Moreira de Bastos, Hélio Ferreira Lima, Márcio Nunes de Resende Júnior, Rafael Martins de Oliveira, Rodrigo Bezerra de Azevedo, Ronald Ferreira de Araújo Júnior, Sérgio Ricardo Cavaliere, Wladimir Matos Soares e Estevam Theophilo.
Todos, com exceção de Ronald Ferreira, respondem pelos cinco crimes apontados pela PGR.
Acusação atenua pena para um dos réus
Nas alegações finais, o procurador-geral Paulo Gonet pediu que a acusação contra o tenente-coronel Ronald Ferreira de Araújo Júnior fosse reclassificada. O Ministério Público entende que não há provas suficientes de sua participação direta na organização criminosa.
Segundo Gonet, o militar não participou de reuniões estratégicas nem manteve contato direto com os demais integrantes do núcleo. Assim, ele deve responder apenas por incitação ao crime, devido à propagação de mensagens falsas sobre fraudes eleitorais, com o intuito de estimular animosidade das Forças Armadas contra os Poderes da República.
O procurador sugeriu ainda que o réu possa negociar benefícios penais, caso colabore com a Justiça.
A estrutura da acusação e a sustentação no STF
Durante o julgamento, o Ministério Público destacou que a tentativa de golpe de 2022 envolveu coordenação entre militares, civis e agentes públicos. O núcleo militar, formado pelos “kids pretos”, teria função tática e operacional, responsável por garantir apoio armado e proteção logística ao plano de ruptura.
A acusação afirma que a operação previa prisões de ministros do STF, fechamento do Congresso Nacional e intervenção nas Forças Armadas, configurando atentado direto ao Estado Democrático de Direito.
Os depoimentos de Mauro Cid e mensagens interceptadas em aplicativos criptografados foram considerados essenciais para demonstrar o nível de envolvimento dos réus com a articulação golpista.
Defesas negam envolvimento e alegam perseguição
As defesas dos militares insistem na tese de perseguição política e fragilidade das provas. Advogados argumentam que nenhum ato concreto de violência foi executado e que as acusações se baseiam em interpretações de conversas e suposições.
Os réus negam que houvesse um plano real de assassinato e afirmam que as mensagens sobre “neutralização” do ministro Moraes se referiam a ações políticas e jurídicas, não físicas.
Apesar das negativas, o STF vê o caso como parte central das investigações sobre o 8 de janeiro e sobre as tentativas de interferência militar no processo democrático.
O papel de Alexandre de Moraes e a reação do Supremo
O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, é apontado pelos acusados como alvo central da conspiração. Desde o início das investigações, Moraes tem conduzido o processo com rigor técnico e rapidez processual, determinando prisões, bloqueios de bens e quebras de sigilo de diversos envolvidos.
A tentativa de assassinato contra Moraes é considerada pelo Supremo o ponto máximo da radicalização antidemocrática que marcou o fim do governo Bolsonaro. O caso reforça a percepção de que parte das forças militares atuou fora da hierarquia e sem comando institucional, o que amplia a gravidade das denúncias.
Conexões com outros núcleos da trama golpista
O julgamento dos “kids pretos” ocorre em paralelo a outros processos em curso no STF. Entre eles está o caso do “núcleo 2”, que reúne ex-assessores e aliados civis do ex-presidente Bolsonaro — entre eles Filipe Martins, que recentemente lançou uma vaquinha virtual para custear sua defesa nos Estados Unidos.
Esses núcleos, segundo a PGR, atuaram de forma articulada, compartilhando informações, estratégias e recursos com o objetivo de impedir a posse de Lula e manter Bolsonaro no poder por meios ilegais.
O que esperar das próximas sessões
O julgamento deve se estender até o fim de novembro. Após as sustentações orais, os ministros votarão sobre a condenação ou absolvição dos réus.
Caso confirmadas as acusações, as penas poderão ultrapassar 30 anos de prisão, considerando a soma dos crimes. O resultado do julgamento servirá como precedente jurídico para os demais processos relacionados à tentativa de golpe.
A expectativa é que o STF reforce a tese da defesa da democracia, estabelecendo um marco histórico contra qualquer tentativa de subversão institucional.
O STF no centro da defesa da democracia
O julgamento dos “kids pretos” simboliza o momento mais tenso da relação entre o Judiciário e os setores radicais das Forças Armadas desde a redemocratização.
A decisão da Primeira Turma do STF terá impacto direto não apenas sobre os militares envolvidos, mas também sobre o legado político do bolsonarismo e o futuro das instituições brasileiras.
Com o avanço dos julgamentos dos núcleos civis e militares, o Supremo reafirma sua posição como guardião da Constituição, em um processo que expõe os limites entre liberdade política e responsabilidade penal.






