Prestes a completar 54 anos, o astrofísico paulista Rodney Guimarães encontrou um novo propósito em sua carreira ao buscar um trabalho com impacto social significativo. Em 2014, ele abandonou o pós-doutorado em biomedicina na Espanha e retornou ao Brasil após ser instigado pela médica Zilma Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A motivação para seu retorno foi o programa Grand Challenges, lançado pela Fundação Bill & Melinda Gates em 2014, que buscava financiar pesquisas brasileiras relacionadas à prevenção e manejo de nascimentos prematuros. Foi então que a médica Zilma Reis compartilhou com o astrofísico a importância de medir a transparência da pele de bebês prematuros, pois a espessura da pele está relacionada à idade gestacional do neonato.
Anualmente, cerca de 1 em cada 10 bebês em todo o mundo nasce antes da 37ª semana de gestação, totalizando aproximadamente 15 milhões de recém-nascidos. Desses, aproximadamente 1,1 milhão não sobrevivem, com 965 mil indo a óbito antes dos 28 dias de vida e os 125 mil restantes falecendo do primeiro ao quinto ano de vida. Esses alarmantes números tornam a prematuridade a principal causa de morte infantil em todo o mundo.
Identificar com precisão o tempo de vida intrauterina do neonato é fundamental para prever seu desenvolvimento. Sem informações confiáveis, o problema pode ser negligenciado, reduzindo as chances de sobrevivência da criança. O padrão-ouro para determinar a idade gestacional é o exame de ultrassonografia obstétrica, normalmente realizado até a 12ª semana de gravidez.
No entanto, muitos países, incluindo o Brasil, não possuem um programa de pré-natal adequado. Cerca de 55% das gestantes brasileiras não realizam o ultrassom, o que resulta em dados limitados e imprecisos sobre o recém-nascido. A prematuridade no Brasil atinge aproximadamente 340 mil crianças anualmente, correspondendo a 12% do total de partos e sendo o dobro do índice registrado na Europa.
Com o financiamento de US$ 100 mil da ONG do cofundador da Microsoft, além de US$ 50 mil da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), Guimarães e Zilma deram início aos estudos em 2015. Três anos depois, eles desenvolveram o primeiro teste do mundo projetado para determinar a idade gestacional de recém-nascidos.
O teste inovador tem o potencial de revolucionar o campo da obstetrícia e permitir um prognóstico mais preciso para a evolução de recém-nascidos prematuros. Com o trabalho pioneiro de Guimarães e Zilma, espera-se que a taxa de mortalidade e as sequelas neuropsicomotoras em crianças pré-termo possam ser reduzidas significativamente, beneficiando milhares de famílias em todo o país e além das fronteiras brasileiras. O compromisso do astrofísico com a ciência e o impacto social certamente deixará um legado significativo na área da saúde materno-infantil.
Não invasivo e rápido
Batizado Preemie-Test, o dispositivo é não invasivo e lembra, em formato e tamanho, um termômetro digital. Por meio da reflexão da luz, uma LED infravermelha mede a maturidade da pele do recém-nascido, a partir do pé da criança.
Somadas ao peso do bebê, essas informações são analisadas por um algoritmo de inteligência artificial. Em três minutos, no máximo, sai o resultado. A precisão do Preemie-Test ultrapassa 90%, conforme estudo realizado com quase 800 bebês e publicado na revista científica Plos One.
O teste está aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e, agora, discute-se sua incorporação ao Sistema Único de Saúde (SUS). No Brasil, a inovação é vendida pela Olidef, especializada no desenvolvimento, produção e comercialização de equipamentos médico-hospitalares.
Quatro hospitais particulares manifestaram interesse na compra, conta ao NeoFeed, Everton Buzzo, diretor de marketing e inovação da companhia. O aparelho custa R$ 20 mil, cada.
Internacionalmente, o Preemie-Test é distribuído pela empresa Maternova. A tecnologia já está na Índia, Costa Rica, Guatemala, México, Colômbia, Trinidad e Tobago e Moçambique. O próximo passo é conseguir a aprovação para os mercados americano e europeu.
Em busca de precisão
Em geral, sem o ultrassom, a idade gestacional dos recém-nascidos é determinada com base na última menstruação da mulher, um cálculo bastante impreciso. Na sala de parto, o neonato é avaliado pelo peso, o que também é limitante.
Para aprimorar e agilizar a tomada de decisão dos profissionais de saúde, o Preemie-Test avalia também o amadurecimento dos pulmões do recém-nascido, estimando os riscos de complicações respiratórias, principal causa de morbidade entre prematuros.
“A maturidade da pele está diretamente relacionada à maturidade pulmonar”, explica Guimarães, ao NeoFeed. Mesmo entre os prematuros tardios, com idade gestacional entre 34 e 36 semanas, com peso adequado, a probabilidade de o bebê precisar de ventilação mecânica e medicamentos é nove vezes maior do que entre os nascidos a termo.
A avaliação baseada apenas no peso da criança pode privar de assistência a criança que ainda não está com suas funções pulmonares plenamente desenvolvidas. “E o bebê que recebe o surfactante sem precisar, pode vir a ter também problemas respiratórios”, completa o astrofísico.
Surfactante é o remédio usado para ajudar no amadurecimento dos pulmões de recém-nascidos. Normalmente, o tratamento requer três doses, a US$ 600, cada uma. Ou seja, o Preemie-Test pode ajudar ainda a racionalizar custos.
Apoio nacional e internacional
Para fabricar o teste, Guimarães fundou a BirthTech. A startup está sediada em Portugal, devido às facilidades de produção e exportação. A nova tecnologia tem atraído a atenção de instituições de financiamento públicas e privadas.
No Brasil, o Preemie-Test já recebeu o apoio do Fundo Nacional de Saúde, Fiocruz e BiotechTown, hub de inovação, sediado em Nova Lima, Minas Gerais. Entre os patrocinadores internacionais estão o Fundo Social Europeu, a ONG Grand Challenges Canada e o fundo português de capital de risco COREAngels/LC Ventures.