A Constituição brasileira, em seu artigo 156-A, §1º, VIII, introduziu um modelo de não-cumulatividade ampla para os impostos sobre bens e serviços (IBS) e a contribuição sobre bens e serviços (CBS). Esse modelo permite que todas as operações com bens e serviços destinadas a contribuintes gerem créditos, com exceções específicas determinadas por lei complementar e pela própria Constituição. Este artigo busca analisar uma dessas exceções, focando no impacto do Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024 sobre os planos de assistência à saúde e a vedação do creditamento de IBS e CBS para seus adquirentes.
Contexto Constitucional e Legal
Modelo de Não-Cumulatividade
O artigo 156-A, §1º, VIII, da Constituição, estabelece que operações com bens e serviços destinados aos contribuintes geram créditos, com duas exceções principais: operações destinadas a uso e consumo pessoal e hipóteses previstas na Carta Magna. Uma dessas hipóteses, especificada no artigo 156, §6º, II, permite que a lei complementar altere alíquotas, regras de creditamento e base de cálculo, além de afastar a não-cumulatividade para planos de assistência à saúde.
PLP 68/2024 e suas Implicações
O PLP 68/2024, em sua versão substitutiva, estabelece uma base de cálculo com deduções específicas para planos de saúde (artigo 229) e uma redução de 60% na alíquota do IBS e CBS (artigo 230). No entanto, o artigo 231 veda o creditamento para adquirentes de planos de saúde, o que gerou debate sobre a constitucionalidade e a justiça dessa restrição.
Análise Crítica da Vedação ao Crédito
Suporte Constitucional
Embora o artigo 156-A, §6º, II, da Constituição, autorize a lei complementar a vedar o creditamento, a questão vai além da mera validade constitucional. A restrição imposta pelo artigo 231 do PLP 68/2024 deve ser analisada à luz dos direitos fundamentais, especialmente o direito à saúde.
Direitos Fundamentais e Acesso à Saúde
Normas tributárias podem tanto restringir quanto promover direitos fundamentais sociais. No caso dos planos de saúde, a vedação ao creditamento de IBS e CBS aumenta os custos para empresas que contratam planos de saúde empresariais, o que pode resultar em não renovação dos contratos, reduções na cobertura ou repasse dos custos aos trabalhadores. Essas alternativas restringem o direito dos trabalhadores a serviços de saúde, afetando negativamente sua acessibilidade.
Argumentos Jurídicos e Sociais
Impacto nas Empresas e Trabalhadores
A restrição ao creditamento pode gerar um ônus tributário adicional para as empresas, afetando sua capacidade de oferecer benefícios de saúde aos trabalhadores. Planos de saúde empresariais não só beneficiam os trabalhadores individualmente, mas também aliviam a pressão sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), contribuindo para a saúde pública geral.
Produtividade e Segurança no Trabalho
A oferta de planos de saúde pelas empresas não é apenas um benefício para os funcionários, mas uma medida estratégica que promove um ambiente de trabalho mais seguro e produtivo. Trabalhadores saudáveis são geralmente mais produtivos e menos ausentes, o que é vantajoso para o desempenho empresarial.
Justificativas e Controvérsias
Justificativa do PLP 68/2024
A exposição de motivos do PLP 68/2024 argumenta que os beneficiários dos planos de saúde são pessoas físicas, categorizando-os como serviços de consumo pessoal. No entanto, essa justificativa é vista como simplista e desconsidera o papel social e empresarial dos planos de saúde.
Necessidade de Uma Abordagem Mais Abrangente
A vedação ao crédito deve ser acompanhada de uma justificativa estatal robusta, apoiada na melhoria da progressividade do sistema tributário ou no aumento da eficácia de outros direitos sociais. A visão individualista do consumo pessoal ignora os benefícios amplos dos planos de saúde empresariais, tanto para os trabalhadores quanto para o sistema de saúde público.
O artigo 231 do PLP 68/2024, ao vedar o creditamento de IBS e CBS para planos de saúde, representa uma restrição ao direito fundamental à saúde. A faculdade dada à lei complementar para vedar o crédito não implica em uma obrigação de fazê-lo, especialmente quando tal vedação contraria princípios de não-cumulatividade e direitos sociais. Ainda há tempo para reavaliar essa decisão, garantindo que a legislação tributária promova, em vez de restringir, o acesso a serviços de saúde essenciais.