A Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos (FTC, na sigla em inglês) entrou com processo contra a Amazon, acusando a gigante do comércio eletrônico de enganar os clientes de forma a que assinem seu serviço Prime sem ter consentido nisso explicitamente e de “sabotar” seus esforços para cancelar essas assinaturas.
Na denúncia que apresentou à Justiça nesta quarta-feira, com muitas partes mantidas em sigilo, a FTC alega que a Amazon usou “elementos da interface de usuário manipulativos, coercivos ou enganosos, conhecidos como ‘dark patterns’ (padrões obscuros), para induzir os consumidores a fazerem assinaturas Prime com renovação automática”.
Em um comunicado, a presidente da comissão, Lina Khan, afirmou: “A Amazon enganou e amarrou pessoas a assinaturas recorrentes sem seu consentimento, o que não apenas frustrou usuários, como lhes custou um dinheiro expressivo.”
A Amazon classificou as acusações da FTC de “falsas tanto em relação aos fatos quanto à lei”, e afirmou que o processo de cancelar uma assinatura do Prime era “óbvio e simples”.
Segundo a empresa, a comissão anunciou o processo sem nenhum aviso prévio, “no meio de nossas discussões com os membros da equipe da FTC para garantir que eles entendessem os fatos, o contexto e as questões jurídicas, e antes que pudéssemos ter um diálogo com os próprios comissários antes que eles entrassem com uma ação judicial”.
O processo é a mais nova iniciativa contra as grandes empresas de tecnologia, como Amazon, Google e Meta, na campanha que Khan e outras agências reguladoras antitruste em Washington desenvolvem para combater o que descrevem como práticas comerciais anticompetitivas ou contra consumidores.
Quando foi lançado, em 2005, o Amazon Prime custava US$ 79 por ano e oferecia aos assinantes frete grátis nas compras, com entrega em dois dias. O Prime se expandiu ao longo dos anos para oferecer outros serviços, como uma biblioteca digital de vídeos semelhante à Netflix, música, fotos e jogos. À medida que suas ofertas cresceram, o custo também aumentou e chegou a US$ 139 por ano nos Estados Unidos. O valor da assinatura pode variar, pois depende de que serviços os consumidores usam e com que frequência.
A FTC argumentou que o problema da “assinatura não consensual” do Prime era “bem conhecido” dentro da Amazon. Mas, segundo sua denúncia, a empresa e sua liderança “retardaram, evitaram e até desfizeram mudanças na experiência do usuário que sabiam que reduziriam a assinatura não consensual porque essas mudanças afetariam negativamente os resultados da Amazon”.
Na denúncia, a FTC cita que as taxas de assinatura do Prime correspondem a US$ 25 bilhões da receita anual da Amazon. No ano passado, a receita da empresa foi de US$ 514 bilhões. O Insider Intelligence calcula que o número de usuários do Amazon Prime nos EUA deve chegar a 174,9 milhões este ano, o que equivale a cerca de 66% da população do país.
A Amazon, segundo a FTC, “reformulou substancialmente” o processo de cancelamento do Prime para alguns usuários no período que antecedeu o processo judicial. Mas a comissão alega que antes da reformulação os consumidores tinham de “navegar por um processo de cancelamento de 4 páginas, 6 cliques e 15 opções”, enquanto a inscrição no Prime exigia apenas um ou dois cliques.
Para a agência reguladora, o principal objetivo do procedimento – que a Amazon batizou de “Ilíada”, em homenagem ao poema épico de Homero sobre a “longa e árdua” guerra de Troia – era “frustrar” a intenção dos assinantes de sair.
Esta é a segunda contestação da FTC contra a Amazon nos últimos meses. Em maio, a empresa aceitou pagar US$ 25 milhões para resolver fora dos tribunais um processo movido pela FTC e pelo Departamento de Justiça dos EUA por violação das leis de privacidade de crianças.
Na ação judicial, a FTC e o Departamento de Justiça acusavam a Amazon de armazenar indefinidamente gravações de crianças capturadas por seu assistente de voz Alexa e de “negar autoridade” aos pedidos de exclusão feitos por seus pais. A empresa informou que discorda das alegações da FTC.
Antes de ser indicada pelo presidente Joe Biden para comandar a FTC, Khan publicou um artigo acadêmico em que propunha o desmembramento da Amazon.
A Amazon tem solicitado, sem êxito, que a participação de Khan seja recusada em questões que envolvem a empresa, e cita como argumento as críticas que ela mantém há vários anos. Em audiência no Congresso em 2021, ao ser indagada sobre a possibilidade de que fosse imparcial, Khan disse que não tinha “nenhum dos conflitos financeiros ou laços pessoais que são a base da desqualificação pelas leis federais de ética”.
No processo do Prime, a FTC demanda punições em dinheiro, assim como medidas cautelares para impedir que a empresa continue a prejudicar os clientes. (Tradução Lilian Carmona)
A Amazon, por meio de sua subsidiária no Brasil, informou ao Valor que “as alegações da FTC são falsas quanto aos fatos e à lei”. Segundo o comunicado, a empresa diz que está “claro e simples em nosso site para os clientes se inscreverem ou cancelarem sua assinatura Prime”. A Amazon considera “preocupante que a FTC tenha anunciado este processo sem nos avisar, no meio de nossas discussões com os membros da equipe da FTC para garantir que eles entendam os fatos, o contexto e as questões legais, e antes que pudéssemos ter um diálogo com o os próprios comissários antes de entrarem com uma ação judicial. Embora a ausência de engajamento do curso normal seja extremamente decepcionante, estamos ansiosos para provar nosso caso no tribunal”.