A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) avançou em suas investigações sobre o escândalo financeiro envolvendo a Americanas (AMER3), revelando acusações de insider trading contra oito ex-executivos da empresa. A prática ilícita de insider trading, que envolve a negociação de ativos com base em informações privilegiadas, foi identificada pela CVM antes da divulgação das “inconsistências contábeis” que abalaram o mercado no início de 2023. O caso ganhou nova visibilidade com as atualizações divulgadas na última sexta-feira (18), reafirmando o compromisso da CVM em apurar responsabilidades em um dos maiores escândalos financeiros do Brasil.
O Escândalo: Acusações de Insider Trading
A CVM apresentou acusações formais contra ex-executivos de alto escalão da Americanas, incluindo Miguel Gutierrez (ex-CEO), Marcio Meirelles, José Timotheo de Barros, Anna Christina Saicali, Fabio da Silva Abrate, Marcelo da Silva Nunes, João Guerra Duarte Neto e Fellipe Arantes Lourenço Bernardazzi. Esses indivíduos são suspeitos de terem se beneficiado de informações internas antes da divulgação das inconsistências contábeis que levaram a uma perda bilionária.
A autarquia aponta que há “elementos robustos, contundentes e convergentes” que suportam as acusações de que esses executivos negociaram ações da Americanas sabendo antecipadamente do colapso iminente, prejudicando assim o mercado e os investidores que desconheciam as informações internas. Além disso, o superintendente de contabilidade da empresa, Fellipe Bernardazzi, também está na mira das investigações.
Investigações em Curso
O caso da Americanas não é isolado, mas sim parte de um conjunto maior de investigações envolvendo fraudes financeiras e falhas de governança corporativa. A CVM, em parceria com outras instituições regulatórias, já abriu 12 inquéritos para apurar a responsabilidade de diversos envolvidos no rombo de R$ 40 bilhões da companhia.
Essas investigações vão além dos executivos da empresa e incluem investidores que realizaram negociações suspeitas com as ações da Americanas no período em que as fraudes começaram a ser expostas. A CVM investiga, em um dos inquéritos mais recentes (nº 19957.017900/2024-09), a conduta de investidores, tanto pessoas físicas quanto jurídicas, que não possuem vínculos diretos com a empresa, mas que podem ter lucrado indevidamente com a queda abrupta das ações.
A Fraude Bilionária: Desdobramentos e Novos Fatos
A fraude que abalou a Americanas começou a ser revelada publicamente no dia 11 de janeiro de 2023, quando inconsistências contábeis de R$ 40 bilhões vieram à tona. Essa revelação gerou uma onda de incertezas e fez com que as ações da empresa despencassem, levando prejuízos a investidores de todo o país. A CVM, que desde então tem conduzido diligências para apurar os responsáveis, está na fase final da investigação de inquéritos importantes, como o nº 19957.000952/2023-57, que trata diretamente da manipulação dos resultados financeiros da companhia.
Neste contexto, ex-funcionários e executivos como Sergio Rial, André Covre, José Timotheo Barros, Miguel Gutierrez e Eduardo Saggioro foram chamados para prestar depoimentos. A CVM também realizou inspeções na sede da empresa, localizada no Rio de Janeiro, onde coletou documentos e acessou registros diretos dos sistemas corporativos da Americanas.
Ação de Sérgio Rial: Divulgação Indevida de Informações
O ex-presidente da Americanas, Sérgio Rial, também está sendo investigado pela CVM, especificamente por ter divulgado informações confidenciais em uma teleconferência realizada no dia 12 de janeiro de 2023, um dia após a descoberta da fraude. Rial é acusado de ter compartilhado dados sobre a dívida financeira da empresa e sua exposição ao risco de cobrança antecipada de credores de forma incompleta e inconsistente, sem antes informar o mercado por meio de fato relevante.
Apesar de ter assumido o cargo de CEO com a missão de reestruturar a Americanas após o escândalo, Rial permaneceu apenas nove dias no comando da empresa, o que levantou ainda mais suspeitas sobre sua atuação. João Guerra, diretor financeiro à época, também foi acusado por não divulgar, de maneira tempestiva, as informações relevantes discutidas na teleconferência.
Outras Frentes de Investigação: PwC e KPMG
A atuação das empresas de auditoria que inspecionaram as contas da Americanas nos últimos anos também está sob investigação. A CVM abriu processos administrativos para apurar a conduta da PricewaterhouseCoopers (PwC), responsável pela auditoria entre 2019 e 2021, e da KPMG, que auditou as contas da varejista entre 2017 e 2018.
Essas auditorias, que deveriam garantir a veracidade dos relatórios financeiros da Americanas, são agora alvo de questionamentos sobre a possível omissão ou falha na detecção das inconsistências contábeis. Os processos administrativos nº 19957.001194/2023-94 e 19957.001600/2023-19, referentes à PwC, e nº 19957.001192/2023-03, referente à KPMG, estão em análise pela Superintendência de Normas Contábeis e Auditoria (SNC) da CVM.
A Responsabilidade dos Administradores
A CVM também investiga a conduta dos membros do conselho de administração da Americanas, que, de acordo com o processo nº 19957.014394/2023-15, tinham o dever de fiscalizar os gestores da companhia. Esse processo questiona se houve negligência por parte desses conselheiros, o que teria contribuído para a magnitude da fraude.
Além disso, o processo nº 19957.014751/2023-37, aberto pela CVM, investiga a publicação de demonstrações financeiras referentes aos anos de 2021 e 2022, que vieram acompanhadas de relatórios de auditoria com abstenção de opinião, um indicativo claro de que havia algo de errado nas finanças da empresa.
As investigações em torno do colapso financeiro da Americanas estão longe de terminar, mas já revelaram a profundidade da crise e a extensão das fraudes cometidas por seus antigos executivos. A CVM, em parceria com outras autoridades, continua a trabalhar para responsabilizar todos os envolvidos, aplicando as sanções cabíveis e reforçando a integridade do mercado de capitais brasileiro.
Os desdobramentos desse caso são um alerta para o mercado financeiro sobre a importância da transparência e da boa governança, e servem como um lembrete de que o uso indevido de informações privilegiadas será rigorosamente combatido pelas autoridades regulatórias.