A Turquia, o sexto país mais visitado no mundo, conseguiu retomar rapidamente o seu mercado de turismo, que tem se mostrado uma fortaleza para a economia local, em meio a fortes turbulências políticas e uma inflação que bate em 40% em 12 meses. O país espera receber um recorde de 60 milhões de turistas em 2023. No ano passado já quase se igualou ao pré-pandemia, em um momento em que o turismo global está longe de tal feito.
As turbulências não são apenas econômicas. Um forte terremoto atingiu o sul do país, deixando mais de 40 mil mortos. A Turquia passou recentemente por um processo eleitoral tumultuado, que acabou reencaminhando Recep Tayyip Erdogan à presidência – ele está há 20 anos no poder.
A presença maciça de turistas de países com moeda forte tem ajudado os negócios de companhias aéreas e de empresas do setor de hotelaria. O país não só reabriu as fronteiras enquanto muitos outros ainda impunham restrições em virtude da pandemia como fez propaganda para atrair turistas. A desvalorização de sua moeda colaborou para convencer os viajantes estrangeiros. Hoje, o euro vale 25 liras turcas (em 2019 era cinco liras por euro). O enfraquecimento da moeda eleva o poder de compra até dos turistas brasileiros (R$ 1 = 5 liras turcas).
Segundo Yalçin Lokmanhekim, gerente-geral do Conselho Turco de Turismo (TGA), o setor deve movimentar US$ 56 bilhões na economia do país até o fim deste ano em meio a um recorde de 60 milhões de turistas esperados.
“Estamos confiantes de que vamos conseguir atingir os 90 milhões de turistas e US$ 100 bilhões em receitas do setor até o fim de 2038”, diz. Lokmanhekim destaca que enquanto o setor global de viagem e turismo retomou no ano passado 65% da sua atividade de 2019, a Turquia praticamente atingiu o patamar pré-pandemia. Segundo dados do governo local, foram 51,4 milhões de turistas estrangeiros no país no ano passado, 99% do que foi registrado em 2019.
A própria TGA foi criada em 2019 pelo Ministério de Cultura e Turismo para ajudar na promoção do turismo do país. “Após o surto da pandemia de covid-19, a Turquia implementou inicialmente o Programa de Certificação de Turismo Seguro em 2020. O programa, um dos primeiros do gênero em todo o mundo, nos ajudou a superar alguns dos desafios trazidos pela pandemia”, diz. A Turquia lançou mão de uma ampla divulgação do turismo em 81 nações como forma de alavancar o potencial do setor.
O turismo tem peso importante sobretudo na Capadócia, famosa pelos passeios de balão e formações rochosas. O segmento representa 80% do PIB da região, localizada no centro da Turquia. O grupo Kelebek, dono de hotéis e uma das principais operadoras de balões na Capadócia, viu seu faturamento dobrar em 2022 na comparação com 2019, enquanto o fluxo de turistas atingiu o mesmo patamar do pré-pandemia. Fundada em 1993, a empresa tem hoje seis hotéis na região, entre eles o luxuoso Sultan Cave Suites.
“As despesas em termos de pessoal em euro hoje são menores do que em 2019 [a inflação corroeu os salários]. Mas a carne, por exemplo, hoje é cinco vezes mais cara”, diz Murat Yavuz, diretor-geral do grupo Kelebek. Ele é o filho mais velho do fundador do grupo, Ali Yavuz.
O grupo tem ainda três empresas que operam voos de balão (Discovery, Butterfly e Turquaz). Murat é piloto de balão desde 2012. “Os voos de balão ficaram suspensos por seis meses aqui na Capadócia”, lembra. A retomada, entretanto, foi bastante rápida.
A região é uma das mais propícias do mundo para voos de balão. Em média, 230 dias por ano têm condições favoráveis para a decolagem. A Capadócia é dividida em três sub-regiões para os voos de balão e a operação funciona como a de avião, na qual as empresas precisam conquistar slots (horários de voo). A mais famosa das áreas está localizada na vila de Göreme. No total, são 156 slots de voo por lá, sendo que o grupo Kelebek tem 13.
O fortalecimento da malha aérea foi também um passo importante para a retomada do turismo no país. A aérea de baixo custo Pegasus tem encontrado forte demanda. Uma das vantagens, conta a CEO, Güliz Öztürk, veio do esforço de redução de custos e do fato de 80% das receitas da empresa virem de moeda forte – o que a protege da volatilidade da lira.
“Estamos muito preparados. O cenário macro não é muito bom e a inflação é uma pressão sobre a lucratividade das aéreas. Mas ainda assim no primeiro trimestre tivemos margem operacional de 15,5%, a maior da indústria”, diz a executiva. A Pegasus foi a empresa patrocinadora do encontro anual deste ano da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata), que ocorreu em Istambul, no início de junho.
A oferta de assentos da empresa foi elevada em 30% no primeiro trimestre deste ano na comparação anual. Para o fechamento de 2023, a meta é elevar a oferta de assentos em 20% e receber 16 aeronaves – hoje, são 99 aeronaves na frota. No total, a Pegasus tem participação de cerca de 35% do mercado doméstico e 16% do mercado internacional para a Turquia. O grupo fechou o primeiro trimestre com receita de €442 milhões, alta de 64% no ano.
Liderando o segmento global em margens operacionais, a Pegasus opera um modelo que o Brasil tenta cativar faz tempo. Mas grupos internacionais, em especial os de baixo custo, acabam evitando se aventurar no Brasil.
Questionada sobre quais características um mercado precisa ter para conseguir manter uma aérea de baixo custo, a executiva diz: “Há diferentes respostas, mas a infraestrutura é importante e o ambiente regulatório, assim como uma competição justa. Se há uma ou duas aéreas muito fortes e não tem uma competição justa, então não tem como crescer”.
Öztürk ocupa um cargo pouco representado por mulheres. Apenas 5% das CEOs no mundo das aéreas são do sexo feminino, segundo dados da Iata.
(O repórter viajou a convite da Iata)