A desdolarização tem ganhado espaço no debate econômico internacional e despertado preocupações entre investidores e instituições financeiras ao redor do mundo. Embora o dólar ainda seja a moeda dominante em transações globais, movimentos recentes de países como China, Rússia e outros integrantes dos Brics indicam uma tentativa crescente de reduzir a dependência da moeda norte-americana. Mas será que esse cenário pode realmente mudar no curto ou médio prazo?
Nesta análise, vamos entender por que o dólar ainda ocupa posição central no sistema financeiro internacional, o que motiva a busca pela desdolarização, como isso afeta os custos e riscos cambiais e, principalmente, quais estratégias o investidor pode adotar para proteger e diversificar sua carteira diante desse fenômeno.
O domínio do dólar no sistema financeiro global
A liderança do dólar no mercado internacional está alicerçada em fatores estruturais da economia dos Estados Unidos: confiança institucional, solidez fiscal, tamanho da economia e profundidade do mercado financeiro. Atualmente, cerca de 90% das transações internacionais envolvem o dólar, e aproximadamente 60% das reservas cambiais dos países estão denominadas na moeda norte-americana.
Esse protagonismo está ainda associado ao uso generalizado do dólar no sistema SWIFT – infraestrutura de pagamentos globais –, além da preferência pela moeda em momentos de aversão ao risco. Títulos do Tesouro dos EUA, por exemplo, são considerados porto seguro por investidores do mundo inteiro, mesmo em períodos de instabilidade.
A narrativa da desdolarização: tendência ou especulação?
A discussão sobre a desdolarização não é recente. Desde a criação do euro, no início dos anos 2000, já se especulava sobre uma possível perda de hegemonia do dólar. Contudo, o que se observou ao longo dos anos foi justamente o fortalecimento da moeda norte-americana em relação a outras divisas.
Atualmente, a desdolarização ainda parece mais uma tendência discursiva do que um movimento consolidado. Países com aspirações geopolíticas mais assertivas, como China e Rússia, vêm liderando acordos comerciais que não utilizam o dólar, especialmente em setores como energia e commodities. Entretanto, esses acordos representam uma fração pequena diante do volume total de transações internacionais.
Transações sem dólar já estão em curso?
Sim, algumas transações bilaterais e acordos comerciais já ocorrem fora do sistema dolarizado. Países como China, Rússia, Irã e membros do Brics ampliado estão priorizando o uso de suas moedas locais, como o yuan, o rublo e o renminbi, para transações em setores estratégicos.
Após sanções impostas à Rússia e sua exclusão do sistema SWIFT, houve um avanço expressivo na busca por alternativas. A China, por exemplo, incentivou o uso de seu próprio sistema de pagamento e expandiu acordos para transações em renminbi. Brasil e Argentina também já firmaram parcerias com a China nesse sentido, sinalizando um interesse crescente pela diversificação cambial.
Impactos da desdolarização nos riscos e custos cambiais
A crescente utilização de outras moedas em transações internacionais pode elevar o risco cambial, principalmente em países cujas moedas não são amplamente aceitas no exterior. Moedas como real, peso argentino ou lira turca, por exemplo, enfrentam altos custos de conversibilidade e pouca liquidez global.
Essa fragmentação monetária potencial aumenta a complexidade das operações internacionais e pode gerar mais volatilidade para os investidores. Além disso, sem um padrão universal como o dólar, o custo das transações e o risco de crédito tendem a subir, especialmente para economias emergentes.
Como o investidor pode se proteger da desdolarização
Frente ao cenário de desdolarização, mesmo que ainda incipiente, o investidor deve adotar estratégias de diversificação cambial e exposição internacional. A construção de uma carteira resiliente passa pela análise do perfil de risco, objetivos de longo prazo e capacidade de absorver volatilidades.
Entre os ativos recomendados para mitigar riscos estão:
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Fundos cambiais: indicados para quem deseja exposição ao dólar sem investir diretamente no exterior.
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ETFs internacionais: opções locais que replicam índices globais.
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Treasuries norte-americanos: títulos do Tesouro dos EUA continuam sendo ativos de alta segurança.
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Ações globais: oferecem proteção cambial e acesso à economia mundial.
Outra recomendação importante é a alocação em outras moedas fortes, como euro, iene e libra esterlina. ETFs como o WRLD11, que replica o índice MSCI Global, são alternativas para acessar uma carteira de ações global diversificada.
O posicionamento das gestoras brasileiras
Apesar do avanço das discussões sobre desdolarização, as gestoras de investimentos brasileiras ainda não apresentam mudanças significativas em suas estratégias. A maioria segue considerando o dólar como a principal referência para proteção internacional.
Contudo, já se observa uma movimentação gradual em direção a ativos emergentes, como Índia e China, além de uma crescente alocação em ouro, commodities, energia, criptoativos e ativos alternativos. A busca é por opções que ofereçam resistência em cenários de instabilidade monetária e inflação global.
Ouro, criptomoedas e stablecoins: os ativos alternativos
Esses ativos vêm ganhando espaço no portfólio dos investidores como alternativas ao dólar em momentos de crise ou transformação monetária global.
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Ouro: tradicionalmente visto como proteção contra inflação e instabilidades geopolíticas. Não depende de governos ou sistemas financeiros e mantém valor ao longo do tempo.
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Criptoativos: como o Bitcoin, surgem como reserva de valor digital e instrumento de descentralização monetária. Porém, apresentam alta volatilidade e dependem de fatores tecnológicos e regulatórios.
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Stablecoins: funcionam como ponte entre o universo das criptomoedas e o sistema financeiro tradicional. Atreladas ao valor de moedas fiduciárias, como o dólar, oferecem estabilidade de preço, embora com desafios regulatórios e de governança.
Esses ativos não substituem o dólar, mas se colocam como alternativas em determinados cenários, especialmente entre investidores com maior apetite ao risco.
Existe risco real de fragmentação monetária global?
Embora o debate sobre a desdolarização esteja cada vez mais presente, os especialistas indicam que não há, no curto prazo, risco de uma fragmentação monetária desordenada. O dólar continua sendo a principal moeda de referência e sua substituição requereria décadas de reformulação estrutural global.
A curto e médio prazo, o que se projeta é uma diversificação gradual, com o uso combinado de diferentes moedas em operações bilaterais. No longo prazo, tecnologias como moedas digitais emitidas por bancos centrais (CBDCs) podem transformar o cenário global, mas ainda com o dólar em posição central.
O dólar ainda reina, mas a desdolarização avança
O mundo assiste a uma transição cautelosa, em que a dominância do dólar é questionada por novos atores geopolíticos. Apesar disso, a desdolarização é um processo lento, complexo e condicionado a fatores estruturais profundos. Os EUA ainda lideram em estabilidade, confiança e infraestrutura financeira.
Para o investidor, o mais prudente é adotar uma postura estratégica: diversificação cambial, exposição internacional e atenção às transformações geopolíticas e tecnológicas que possam alterar o cenário nos próximos anos. A desdolarização pode não ser iminente, mas já é um movimento que exige preparo, análise e posicionamento inteligente.