A maior economia da Europa se tornou o maior obstáculo à sua própria. No cerne da fraqueza da Alemanha, está a grande dependência do setor industrial, uma característica que muitos governos ocidentais tentam agora reproduzir com estratégias industriais voltadas para a proteção ou ao estímulo a campeões nacionais.
Nas crises econômicas passadas, a Alemanha pôde contar com suas fábricas para tirá-la de qualquer recessão, aproveitando a demanda insaciável do mundo pelos produtos “made in Germany”. Mas uma mistura de problemas de curto prazo e estruturais indica que essa história não deve se repetir.
Um grande aumento dos preços de energia no ano passado tornou a produção de bens mais cara. Com a inflação e as taxas de juros em alta ao redor do mundo, os consumidores estrangeiros nem sempre podem pagar preços mais altos.
“Em tempos de demanda global fraca, a Alemanha simplesmente não é competitiva”, diz Matthias Zachert, presidente-executivo da Lanxess, companhia química que na segunda-feira (19) reduziu as estimativas de lucro para este ano.
Efeito Rússia x Ucrânia
Os fabricantes que usam muita energia foram particularmente atingidos quando a Rússia, fonte de mais da metade de todas as importações alemãs de gás natural em 2021, invadiu a Ucrânia no ano passado e começou a limitar o fornecimento.
A produção nos segmentos da indústria alemã que consomem muita energia caiu 12,9% em abril, na comparação com o mesmo mês do ano passado. Na zona do euro como um todo, a produção industrial foi ligeiramente maior do que no mesmo período de 2022.
Outra fonte de fraqueza foi a China, um mercado importante para as empresas alemãs. Mergulhada nos “lockdowns” da covid-19 na maior parte do ano passado e experimentando uma recuperação mais fraca que a esperada desde a reabertura da economia, a China não vem conseguindo oferecer tanto apoio quanto no passado.
A Alemanha foi o único membro do G20 (grupo das maiores nações industriais e em desenvolvimento), além da Rússia, a mostrar um PIB menor nos primeiros três meses de 2023 do que no mesmo período do ano passado. O PIB alemão encolheu 0,5% no período. Nos Estados Unidos, o PIB registrou alta de 1,6%. A fraqueza da Alemanha foi um dos fatores que jogaram a zona do euro em uma recessão no começo deste ano.
A queda de competitividade da indústria alemã não é culpa da Rússia. A Alemanha também enfrenta grandes desafios estruturais, como a cara transição para fontes de energia renováveis, mudanças nas cadeias de suprimentos globais e escassez de mão de obra capacitada – fatores que tornam mais difícil e mais caro produzir bens no país.
A BASF, maior fabricante de produtos químicos da Alemanha, disse que pretende fechar partes de sua grande unidade de Ludwigshafen, e vai transferir produção para lugares como Bélgica e França.
Uma pesquisa com 400 pequenas e médias empresas feita no fim de abril e começo de maio pela Associação Federal da Indústria Alemã, constatou que 16% das empresas já estão transferindo ativamente partes da produção e dos empregos para fora do país. Além disso, outros 30% estão pensando em fazer isso.
Os Estados Unidos, com seu mercado enorme e em crescimento acelerado, é um destino óbvio. “Claramente, vemos a oportunidade de transferir a criação de valor para a América do Norte”, diz Ludwin Monz, presidente-executivo da Heidelberger Druckmaschinen, uma fabricante alemã de máquinas de impressão e embalagem. “Isso é claramente uma ideia.”
As vendas da companhia na América do Norte aumentaram cerca de um terço em seu último ano financeiro, encerrado em 31 de março, para 505 milhões de euros (US$ 553 milhões), graças ao dólar forte e ao aumento do consumo de produtos embalados nos EUA. A receita total cresceu mais lentamente, em 12% para 2,4 bilhões de euros.
A dependência da Alemanha da produção industrial e das exportações é incomum entre as grandes economias desenvolvidas, fazendo-a se parecer mais com a China, o “chão de fábrica” do mundo, do que com uma nação europeia média. O setor industrial respondeu por 19% do PIB alemão em 2021, cerca de duas vezes mais que nos EUA, Reino Unido e França, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o clube das nações ricas.
As fábricas da Alemanha também empregam uma fatia maior de trabalhadores do que outros membros do G-7. Segundo a OCDE, 8,1 milhões de pessoas trabalharam nas fábricas alemãs nos primeiros três meses deste ano – ou pouco menos de 10% da população, comparado a menos de 5% nos EUA.
O país registra um superávit nas exportações há décadas – foi até mesmo o maior exportador de bens do mundo por vários anos na virada do século, à frente dos EUA e da China –, mas esse superávit vem encolhendo desde 2016 e, no ano passado, atingiu o nível mais baixo desde 2000, segundo a agência de estatísticas do governo.
Gastos das famílias e inflação
Com o setor industrial balançando, as outras pernas da economia alemã – o consumo e o setor de serviços – não compensaram isso. O mergulho do país na recessão este ano se deveu em parte à queda dos gastos das famílias, enquanto as despesas com alimentação e energia aumentaram muito.
“A guerra terrível na Ucrânia, a crise energética, a inflação e a queda no consumo associada, também refletiram em nossos negócios”, diz Alexander Birken, presidente-executivo da Otto Group, empresa de comércio eletrônico e vendas por correspondência de Hamburgo, que registrou uma queda de 9% nas vendas na Alemanha em seu exercício social encerrado em fevereiro.
Ainda assim, com a taxa anualizada da inflação caindo e os salários aumentando, muitos economistas acreditam que as famílias terão mais dinheiro para gastar no segundo semestre, o que segundo esperam eles, poupará a Alemanha de uma recessão profunda.
O grupo de pesquisa Ifo prevê que a economia alemã encolherá 0,4% este ano, enquanto que a economia da zona do euro deverá crescer 0,6%. Mas a atividade deverá aumentar no fim do ano.
Muita coisa vai depender de quão bem a demanda por exportações da Alemanha suportará os custos mais altos dos empréstimos, e de como a economia da China evoluirá.
As fábricas alemãs acumularam uma enorme carteira de pedidos não atendidos durante as interrupções das cadeias de suprimentos durante a pandemia. Trabalhar com esses pedidos manterá muitas delas ocupadas por algum tempo, mas os novos pedidos vêm caindo desde o começo do ano. Se as perspectivas para a economia mundial se deteriorarem ainda mais, alguns poderão ser cancelados.
O governo vem subsidiando a energia para manter suas fábricas em operação até que elas tenham acesso a fontes de energia renováveis mais baratas. Mas a transição não deverá ser tranquila, e um problema iminente é a falta de trabalhadores. O Ifo estima que mesmo com mais de 1 milhão de imigrantes líquidos no ano passado, a força de trabalho da Alemanha atingirá o pico este ano.
“As empresas com esses trabalhadores vão querer mantê-los”, diz Oliver Rakau, economista da Oxford Economics. “Seria muito mais fácil se você tivesse um grupo crescente de trabalhadores jovens.”