O governo federal, sob a liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está em fase de preparação de um novo decreto para regular o uso da força pelas polícias em todo o Brasil. O texto, que visa atualizar a portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública de 2010, não será imposto aos estados, mas funcionará como uma diretriz essencial para que os estados recebam recursos federais. O objetivo central é alinhar a atuação das polícias ao uso responsável e proporcional da força, especialmente em situações de crise e na abordagem de suspeitos.
O Contexto do Decreto
Embora os estados sejam os responsáveis diretos pelas Polícias Militares, Civis e Penais, o novo decreto condicionará a liberação de verbas dos fundos de segurança pública ao cumprimento das normas estabelecidas. Governadores que desejarem acessar os recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Fundo Penitenciário Nacional para aquisição de armamentos, munições e instrumentos não-letais terão que adotar as diretrizes do governo federal. Isso incluirá regras para procedimentos de busca pessoal e o uso de algemas, além da criação de um órgão que monitorará mortes relacionadas à ação policial e de policiais mortos em serviço.
O novo texto surge em um contexto de aprimoramento das diretrizes de segurança no Brasil, com o intuito de evitar excessos no uso da força, bem como garantir maior transparência e controle sobre as ações policiais, especialmente em momentos de grande tensão.
Atualizações Propostas no Novo Decreto
O decreto trará alterações substanciais em comparação à portaria de 2010, abordando seis grandes temas: emprego de arma de fogo, gerenciamento de crises, busca pessoal e domiciliar, uso de algemas, lesões ou mortes decorrentes do uso da força, e a criação do Comitê de Monitoramento do Uso da Força.
1. Emprego de Arma de Fogo
A questão do uso de armas de fogo pelas forças de segurança pública é um dos pontos centrais do novo decreto. A regra geral mantém-se inalterada: “O emprego de arma de fogo constitui medida de último recurso”, mas o texto introduz algumas especificações adicionais.
No que diz respeito ao uso de armas contra pessoas em fuga, o decreto reforça que só será permitido disparar caso o suspeito armado represente risco imediato de morte ou lesão grave. Se o suspeito estiver desarmado, a utilização de armas de fogo será expressamente proibida. Outro ponto relevante é que os agentes de segurança pública não deverão utilizar armas de fogo contra veículos que furarem bloqueios policiais, exceto quando o ato representar uma ameaça à vida de terceiros ou dos próprios agentes.
2. Gerenciamento de Crises
O gerenciamento de crises é uma das novidades inseridas no novo decreto. Esse tema foi incluído como resposta a uma condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2017, devido a episódios de violência policial em chacinas no Rio de Janeiro nos anos de 1994 e 1995. A partir dessa diretriz, as operações policiais de grande porte deverão ser estrategicamente planejadas, com o uso de equipamentos de gravação audiovisual sempre que possível, e as decisões tomadas durante a operação deverão ser documentadas e justificadas.
3. Busca Pessoal e Domiciliar
Outro ponto de destaque no novo decreto é a regulamentação das buscas pessoais e domiciliares. A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2022, que determinou ser ilegal a busca baseada apenas na aparência ou atitude de um indivíduo, foi incluída no texto. O decreto exigirá que qualquer busca realizada tenha uma “fundada suspeita”, o que inclui indícios objetivos, como posse de armas ou objetos que constituam corpo de delito.
Além disso, o policial responsável pela abordagem deverá informar ao indivíduo os motivos da revista, registrar a identidade da pessoa revistada e os motivos que levaram à busca. Essa medida visa coibir abusos e garantir maior transparência e proteção aos direitos fundamentais.
4. Uso de Algemas
O uso de algemas será regulamentado de forma mais rígida no novo decreto, ajustando-se à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). De acordo com o texto, o uso de algemas será considerado uma medida excepcional, utilizada apenas em casos de resistência à prisão, tentativa de fuga ou quando houver risco à integridade física do agente ou de terceiros.
5. Lesão ou Morte Decorrente do Uso da Força
A preservação do local em casos de morte e a prestação de socorro imediato a feridos em ações policiais permanecem como diretrizes. Entretanto, o novo decreto traz uma inovação ao exigir que, em casos de morte, o Ministério Público (MP) seja notificado de imediato, recebendo uma cópia do relatório preenchido pelo profissional de segurança envolvido no disparo. Essa medida tem como objetivo reforçar a fiscalização externa das ações policiais, garantindo maior controle e responsabilidade.
6. Criação do Comitê de Monitoramento do Uso da Força
Um dos principais avanços trazidos pelo decreto é a criação do Comitê de Monitoramento do Uso da Força, que terá como função produzir relatórios e orientações sobre a letalidade policial e mortes de agentes de segurança. O comitê será composto por representantes do Ministério da Justiça, do Ministério dos Direitos Humanos, das forças de segurança, além de membros da sociedade civil.
Este órgão também será responsável por monitorar o cumprimento das diretrizes do decreto, assegurando que as práticas de uso da força sejam acompanhadas de perto e que haja transparência nas ações policiais.
Implicações do Decreto
A implementação do novo decreto tem implicações diretas para os estados, que deverão se adaptar às normas federais se quiserem garantir o recebimento de recursos essenciais para suas forças de segurança. Apesar de os estados terem autonomia sobre as Polícias Militares e Civis, o governo federal utiliza o financiamento como ferramenta de persuasão para garantir que as normas de uso da força sejam seguidas de maneira uniforme em todo o território nacional.
A criação do Comitê de Monitoramento e o registro de todas as ocorrências envolvendo o uso da força são passos importantes para garantir que haja maior controle sobre a letalidade policial, o que poderá resultar em uma redução do número de mortes e em uma maior confiança da sociedade nas forças de segurança.
O novo decreto proposto pelo governo Lula busca atualizar as diretrizes de uso da força policial, trazendo maior clareza e controle sobre as ações das forças de segurança. Embora ainda esteja em fase de elaboração, o texto já apresenta avanços importantes, como a regulamentação do uso de algemas, busca pessoal e a criação de um órgão de monitoramento. A adesão a essas normas será um requisito para o acesso a recursos federais, o que deve estimular os estados a adotarem as diretrizes e contribuírem para uma atuação policial mais responsável e transparente.