O governo federal anunciou, na última quinta-feira (3), uma medida provisória (MP) que estabelece uma tributação mínima de 15% sobre o lucro de multinacionais que operam no Brasil. Essa iniciativa visa aumentar a arrecadação de recursos em um momento crucial para a economia, com a equipe econômica buscando equilibrar o déficit fiscal e alcançar o “déficit zero” até 2025.
Tributação Mínima de 15%: Uma Ação em Conformidade com as Regras da OCDE
A MP publicada em uma edição extra do Diário Oficial da União (DOU) prevê que multinacionais que tenham receitas anuais superiores a 750 milhões de euros em pelo menos dois dos quatro anos fiscais anteriores ao período de análise estarão sujeitas à cobrança adicional de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). O objetivo é assegurar que a carga tributária efetiva dessas empresas atinja, no mínimo, 15%, conforme as regras estabelecidas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pelo G20.
Essa regulamentação se alinha ao esforço global para combater a chamada “erosão da base tributária”, que ocorre quando grandes corporações desviam lucros para países com regimes fiscais mais vantajosos. A OCDE já vinha recomendando que países membros adotassem essa tributação mínima para reduzir a concorrência desleal entre nações e fortalecer as finanças públicas.
A aplicação das regras previstas na MP deverá ocorrer a partir de janeiro de 2025, garantindo às multinacionais um prazo para adaptação às novas exigências. Entretanto, para que a MP tenha validade definitiva, é necessário que o Congresso Nacional a aprove. Ainda assim, sua vigência imediata representa um avanço no sentido de harmonizar a legislação tributária brasileira com os padrões internacionais.
Impacto Econômico e Expectativa de Arrecadação
Embora a equipe econômica não tenha divulgado previsões oficiais sobre o impacto financeiro da medida, espera-se que a tributação mínima sobre o lucro das multinacionais resulte em um reforço significativo para os cofres públicos. Esse montante será essencial para viabilizar a estratégia do governo de atingir a meta de déficit fiscal zero, estabelecida para 2025.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já havia sinalizado que essa tributação seria introduzida em caso de frustração de receitas. Com a economia brasileira enfrentando desafios para manter o ritmo de crescimento e com o cenário global incerto, a medida surge como uma ferramenta de ajuste fiscal relevante. Além disso, Haddad também destacou a importância de o Brasil se antecipar a acordos internacionais e regulamentar a tributação sobre grandes multinacionais, incluindo as empresas de tecnologia, conhecidas como “big techs”.
Multinacionais no Alvo: Quem Será Afetado?
O foco da medida está nas multinacionais que operam no Brasil com receitas anuais expressivas, acima de 750 milhões de euros. Setores como tecnologia, petróleo, automotivo, e-commerce e farmacêutico estão entre os mais afetados pela nova tributação.
Gigantes globais, como Google, Amazon, Facebook, e empresas do setor de energia, são exemplos de corporações que se enquadram nas exigências da nova MP. Essas empresas, muitas vezes, utilizam estratégias de planejamento tributário agressivo para maximizar seus lucros e reduzir suas contribuições fiscais em determinadas jurisdições. Com a nova regra, o governo brasileiro busca evitar a fuga de capitais para paraísos fiscais e assegurar que esses lucros sejam tributados de forma justa.
Regras GloBE da OCDE e G20: Um Passo em Direção à Justiça Tributária Global
A proposta do governo brasileiro segue de perto as diretrizes globais estabelecidas pela OCDE e pelo G20, conhecidas como as “Regras GloBE”. Essas regras foram criadas para garantir que grandes multinacionais paguem uma taxa mínima de imposto sobre seus lucros em todas as jurisdições onde operam, independentemente dos incentivos fiscais oferecidos por alguns países. A expectativa é que essa iniciativa reduza as práticas de evasão fiscal e promova uma competição mais justa entre as nações.
Ao adaptar sua legislação às regras internacionais, o Brasil se posiciona de forma mais competitiva no cenário global e fortalece suas finanças públicas. Essa harmonização também poderá atrair novos investidores que buscam operar em um ambiente regulatório alinhado com as melhores práticas internacionais.
Receita Federal e Regulamentação
A MP também estabelece que a Receita Federal será a responsável por regulamentar a cobrança do novo imposto. Isso inclui questões técnicas, como a conversão de moedas, já que as receitas são baseadas em euros. Além disso, a Receita deverá garantir que as normas estejam em constante atualização, de acordo com os documentos de referência da OCDE.
Essa regulamentação detalhada será crucial para garantir a transparência e a eficiência no processo de tributação, evitando possíveis distorções e lacunas que possam ser exploradas por empresas multinacionais para minimizar seus impostos de forma indevida.
Outras Medidas Tributárias em Discussão
Além da tributação mínima sobre o lucro de multinacionais, o governo também anunciou uma medida provisória que altera o prazo para que bancos deduzam perdas decorrentes de inadimplência da base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da CSLL. Com essa mudança, o governo estima um aumento de arrecadação na ordem de R$ 16 bilhões em 2025.
Essa proposta está alinhada com o esforço da equipe econômica em aumentar as receitas sem recorrer ao aumento de impostos para a população em geral. As instituições financeiras, por sua vez, terão que rever suas estratégias de provisionamento de perdas para se adaptar às novas regras fiscais.
Perspectivas para o Futuro: Desafios e Oportunidades
A tributação mínima sobre o lucro de multinacionais representa um passo importante na modernização do sistema tributário brasileiro e no alinhamento com as melhores práticas internacionais. No entanto, sua implementação não está isenta de desafios. Empresas afetadas pela medida poderão buscar alternativas para reduzir seu impacto, como a reorganização de suas operações internacionais ou a contestação judicial das novas regras.
Por outro lado, o aumento da arrecadação previsto com a nova tributação poderá ser um fator decisivo para o sucesso do plano econômico do governo. Caso as metas fiscais sejam atingidas, o Brasil poderá fortalecer sua posição no cenário global e atrair novos investimentos, especialmente em setores estratégicos como tecnologia e energia.