Se por obra de sua história rica em regras de etiqueta, arquitetura neoclássica e um padrão elevado de serviço Paris virou a sede da rede hoteleira mais luxuosa do globo e, também por isso, motivo da visita de 44,1 milhões de turistas em 2022, segundo dados da Statista, uma nova geração de clientes “triple A” vem alterando os hotéis estrelados por dentro.
Nessa retomada vultosa de visitantes em relação a 2021, quando a mesma empresa de dados registrou 22,6 milhões de visitantes, os investimentos passaram a se concentrar na ampliação dos quartos mais simples, na criação de bares exclusivos para dar verniz VIP à cena noturna parisiense e na reformulação de um serviço que, de tão customizado, é acompanhado de perto por altos executivos das redes.
Vice-presidente de operações da rede Oetker Collection, bandeira de uma das joias mais exclusivas da cidade, o Le Bristol, e de outros onze hotéis cinco estrelas ao redor do globo, o italiano Luca Allegri conta que, se antes recebia relatórios semanais sobre os hábitos dos clientes, hoje a frequência com a qual, em nome da personalização, ele sabe “que alguém pagou mil euros numa garrafa de vinho”, é diária.
“Além de ter passado a procurar mais experiências gastronômicas dentro do hotel, e isso inclui a compra de vinhos de qualidade, muito caros, esse cliente [de alta renda] procura, principalmente, mais espaço. Acredito que seja reflexo da covid, e o que fizemos foi reformar nossas suítes júnior, dando a elas assinatura e uma configuração mais espaçosa”, diz. Uma diária promocional nesse tipo de suíte custa em torno de R$ 15 mil, mas pode ultrapassar R$ 25 mil em épocas movimentadas como as semanas de moda, quando aumenta o fluxo de celebridades.
O grupo de origem familiar com sede em Baden-Baden, na Alemanha, não revela números da operação, mas Allegri afirma que 10% dos lucros anuais de cada hotel operado pela empresa — no Brasil, a bandeira é responsável pelo suntuoso Palácio Tangará, no Panamby, em São Paulo — custeia tanto as pequenas quanto as enormes reformas periódicas.
Uma delas foi a reconfiguração do bar, que ganhou, ainda em 2018, a festa noturna B.A.D Nights (“Bristol After Dark Nights”), possivelmente uma das maiores concentrações de VIPs jovens por metro quadrado de Paris. Luz baixa e apenas um letreiro de neon resume o ambiente concorrido, onde a lógica é entreter com privacidade. Essa, aliás, é uma característica reconhecida desde 1925, quando o Bristol nasceu, por estrelas que fizeram a fama do hotel. Marilyn Monroe, Charlie Chaplin, Angelina Jolie e George Clooney integram a lista.
Os hóspedes têm a opção de não serem vistos, escapando por passagens reveladas, Allegri explica, quando existe um alto nível de atenção pública.
É por essa discrição, também, que um dos desafios pós-covid tem sido a procura de funcionários para projetos de expansão. “Houve uma escassez de pessoal após a pandemia, e nas entrevistas [de emprego], hoje conta mais a postura discreta, o olhar da pessoa, do que a experiência. Isso conseguimos ajustar”, conta.
O empresário Laurent Taïeb, dono do grupo homônimo que lançou um dos mais novos empreendimentos de luxo na capital, o Madame Rêve, em 2021, afirma que, embora tenha de lidar com o mesmo problema da falta de funcionários, o horizonte é bom para a hotelaria de Paris com a chegada de uma clientela que procura “mais do que apenas dormir”.
“Estamos voltando ao século 19, quando os clientes abastados frequentavam os estabelecimentos para se encontrarem. Mesmo que seja difícil dar vida a esses lugares, eles são o luxo de amanhã”, afirma ele.
O Rêve hoje tem um dos pontos de encontro, o restaurante La Plume, e um dos terraços com vista de Paris mais concorridos. Muito pela localização, o prédio antigo do posto de correios, no 1° arrondissement, próximo ao museu do Louvre.
A ostentação não faz parte da nova cara da cidade, segundo Taïeb, porque “jovens com situação financeira bastante favorável” estariam fugindo dos palácios. “Eles ficam entediados rapidamente e acham a clientela às vezes velha demais. E, inversamente, nas alternativas que o mercado pode oferecer, não encontram padrões suficientes”, diz.
Nesse contexto, o “affordable luxury” [o luxo acessível] tem ganhado atenção de investidores. O designer pop Phillippe Starck e o magnata Michel Reybier, do grupo hoteleiro francês La Reserve, se uniram ao empresário francês Cyril Aouizerate, fundador da rede Mama Shelter, para lançar o projeto MOB House na região boêmia de Saint-Ouen.
Trata-se de um hotel com todas as comodidades de serviço dedicado com um conceito de socialização que inclui piscina, restaurante só de orgânicos e “co-working” para a clientela, majoritariamente jovem, em busca de espaços que remetem a casas de verão. A diária, que oscila em R$ 1.000, atende à demanda para estadias prolongadas.
“Espaço e tempo são questões em Paris. Criamos o espaço que ela não consegue mais oferecer ou, quando oferece, custa muito […] A cidade está ficando cara demais e isso é um problema se o cliente quiser ficar mais tempo”, explica o diretor do hotel, Edward Farwick.
Segundo o executivo, a média de estadia do hotel por hóspede está em quatro dias, enquanto o padrão das redes fincadas nos corredores do centro é de duas noites.
A decoração que equaciona palha e metal, o cardápio composto por comida francesa de produção local e o conceito ecológico, desde a madeira reflorestada ao uso de produtos de higiene pessoal veganos, atraiu a própria juventude parisiense a um dos 112 quartos.
O plano de expansão do grupo de capital privado inclui, até 2026, lançamentos em Washington e Los Angeles, nos Estados Unidos, e nas cidades de Bordeaux e Cannes, na França.
Os projetos ficam fora das regiões centrais, assim como ocorre na MOB House de Paris, que, baseado no cálculo informado de 140 mil euros por chave, consumiu cerca de 15,8 milhões de euros em sua construção. A média de Paris, de acordo com o índice de hotelaria europeu, está entre 1,2 milhão e 1,8 milhão de euros por nova chave.
Hotéis de luxo ampliam quartos mais simples e criam bares exclusivos para dar verniz VIP à cena noturna parisiense — Foto: Foto: Divulgacao
*O jornalista se hospedou a convite de Le Bristol e Mob House.