Quando é que todo mundo começou a se parecer com Chris Hemsworth? Ao passear pela City de Londres, fiquei impressionada com uma mudança nítida no aspecto físico dos homens de 30 e poucos anos. Muitos jovens parecem ter passado por algum tipo de transformação pneumática: agora é comum exibirem bíceps que esticam as mangas e ombros tão musculosos que estouram as costuras das camisas. Isso se eles estiverem de camisa.
Ao passar pela Catedral de Saint Paul em meu caminho para o trabalho na semana passada, me vi cercada por dezenas de rapazes saradões que corriam sem camisa, todos com peitos biônicos lisos e sem pelos. Cada um tinha músculos extraordinariamente bem definidos, os contornos esculpidos com precisão. Vestida com minha triste e gótica roupa de trabalho de verão, me senti como uma figurante franzina no set de filmagem de “Vingadores: Guerra Infinita”.
Caras da City cheios de força e músculos já existem há muito tempo: Tom Wolfe observou pela primeira vez seus “mestres do universo”, aqueles titãs musculosos de Wall Street, em “A fogueira das vaidades”, em 1987. Do mesmo modo, corpos extremamente bem definidos por academias são uma presença comum há décadas nos centros metropolitanos que aceitam bem os homossexuais. Hoje, no entanto, tornou-se rotina ver jovens de todas as tendências, e de Cupertino até Chelmsford, que parecem estar no meio da transição de meninos magrelas para o Hulk.
A franquia de filmes da Marvel — e em particular Chris Hemsworth — tem muita responsabilidade nessa mudança de estilo. O ator australiano estabeleceu um novo precedente em termos de anseios masculinos de fitness com seu papel como Thor, o super-herói com o martelo encantado do Universo Cinematográfico da Marvel. Hemsworth já tinha músculos ridiculamente exagerados antes mesmo de se tornar herói de cinema: construídos em Melbourne e no interior da Austrália — ele passou grande parte de sua infância em fazendas de gado no Território do Norte, é claro. Tal era sua dedicação à franquia dos “Vingadores” que o ator ganhou mais 9 kg de músculos antes das filmagens e desde então desenvolveu um abdômen tão rígido que se poderia quebrar um tijolo nele. Seu irmão Liam também tem a mesma aparência absurda, embora sua carreira em filmes de tipo mais romântico signifique que ele é um pouco menos enorme (até Luke, o irmão mais velho, tem um corpo muito bombado).
Se os irmãos Hemsworth inauguraram uma nova era de machismo, as redes sociais estimularam ainda mais a obsessão com o corpo masculino: entre no TikTok ou no Instagram e você encontrará milhares de famosos e não famosos que seguem horríveis programas de exercícios muito exigentes e dietas. Uma das minhas contas favoritas de “himbos” (him + bimbo: homens bonitos sem muita coisa na cabeça) é a do ator e investidor em fitness Mark Wahlberg, de 52 anos, que posta regularmente no Instagram como @markwahlberg durante seus treinos na academia. Ele faz o primeiro pouco antes das 4 horas (uma sessão que em geral inclui entre 90 e 180 flexões), para em seguida devorar três hambúrgueres de peru e jogar uma partida de golfe, tudo antes das 8 da manhã. Sete dias por semana.
Da mesma forma, neste momento você pode assistir a @thehughjackman começar sua mais recente metamorfose no personagem Wolverine, dos X-Men; o ator mais uma vez veste suas garras de navalha, aos 54 anos. É outro australiano que desafia a inevitabilidade do envelhecimento: observe-o levantar pesos insanos no supino e mergulhar em mares gelados.
Parece absolutamente exaustivo e punitivo. Mas muito impressionante, verdade seja dita. É errado admirar homens sendo tão viris? Wahlberg até executa suas flexões sem nenhuma dificuldade ao mesmo tempo que faz propaganda de doses de tequila premium.
É um corolário cruel do despertar da igualdade de gênero que os homens agora se sentem compelidos a perseguir objetivos completamente irreais para seus corpos. Hoje as taxas de dismorfia corporal e transtornos de alimentação entre homens jovens estão em níveis alarmantes. A onipresença de aplicativos de paquera também revela verdades cruéis e duras. Estes são tempos difíceis para os barrigudos e os que têm pernas tortas: nossas vidas sexuais dependem cada vez mais de uma foto que será examinada por um instante antes de ser apagada. E enquanto se espera que as mulheres se pareçam com Emily Ratajkowski, os homens hoje precisam encarnar um padrão bizarro de perfeição que fica em algum ponto entre um concorrente do reality show “Love Island” e um semideus de desenho animado.
É triste, injusto e superficial, mas homens são igualmente vulneráveis aos males da objetificação. Você pode trazer o intelecto e uma conversa profunda, mas não há citações de Dostoiévski que bastem para lhe assegurar uma transa.
De acordo com meu personal trainer, Peter Cobby, meros mortais podem conseguir um corpo da Marvel (Cobby é um australiano esbelto que gosta de me contar que tem o mesmo peso desde os 17 anos). “Esse tipo de corpo requer treino sete dias por semana, sessões de levantamento de peso em quantidades enormes e uma dieta muito regrada”, diz ele. “Mas você descobrirá que muitos desses caras trapaceiam, com exercícios três dias por semana mais esteroides.”
O uso de esteroides é bastante comum hoje entre aqueles que buscam músculos instantâneos. Sem dúvida isso pode ajudar a explicar a súbita explosão de machões nesta parte da cidade. Enquanto isso, pretendo monitorar a situação atentamente, como parte de um estudo em andamento sobre as consequências das guerras de gênero. “Himbos”, da próxima vez que virem uma velhinha triste encarando vocês, fiquem à vontade para tirar suas camisas. (Tradução de Lilian Carmona)